“Ficar parado e ver a FIFA degradar-se não era uma opção”


Em entrevista ao SJPF, o candidato à liderança do organismo máximo do futebol mundial revela as suas ideias e apresenta as mudanças que pretende incutir na FIFA.

Falta pouco tempo para as eleições na FIFA. Qual é o es­tado de espírito?
É bom. Sinto que estou a fazer um trabalho que tinha de ser feito a bem do futebol. As minhas propostas têm sido bem aco­lhidas e as reuniões que tenho tido por todo o Mundo reforçam a minha convicção de que as pessoas desejam uma mudança.

O anúncio surpreendeu toda a gente. O que o levou a avançar com uma candidatura à presidência da FIFA?
Acima de tudo o sentimento de que está na altura de retribuir ao futebol tudo aquilo que o futebol me deu. Ficar parado a ver a imagem da organização que tutela o futebol mundial a de­gradar-se não era uma opção para mim. Fiquei especialmente impressionado com os protestos a que assisti no Mundial 2014 no Brasil e a reacção negativa das pessoas à FIFA e aos seus dirigentes. Penso que esta é a altura da mudança. Há muitas coisas que podem e devem ser feitas de imediato e que podem ter um impacto muito positivo no futebol. Outras levarão mais tempo e quanto mais cedo começarmos melhor.

E como foi possível manter o secretismo?
O círculo de pessoas que estiveram na génese desta decisão foi muito restrito. Quando tivemos de o alargar contámos com o trabalho competente da estrutura da Federação Portuguesa de Futebol, em especial do director da candidatura, Tiago Craveiro, que geriu o processo de forma extremamente eficaz.

A não publicação do relatório de Michael Garcia (da Comissão de Ética da FIFA) teve algum peso na hora de avançar?
É mais um dossier onde penso que a FIFA não está a agir bem. Se se pediu um relatório independente, os resultados dessa investigação devem ser divulgados, com transparência e total abertura.

Como tem sido a sua vida desde o anúncio da candidatura?
A principal mudança prende-se com as muitas viagens que tenho de fazer para falar com os dirigentes de todo o Mundo e dar-lhes a conhecer de viva voz as minhas ideias e o meu projecto.

Já se reuniu com federações de todos os continentes desde então?
Praticamente de todos, sim. Estive na Ásia, em África, em vários locais na Europa, na América do Sul e do Norte e vou continuar a ir ao encontro das federações para ouvir as suas necessida­des e explicar as minhas propostas.



Há muitas diferenças entre elas? Qual o papel que deve desempenhar a FIFA além do papel de regulador da actividade desportiva?
É evidente que há diferenças. Quer entre continentes, quer mes­mo dentro dos próprios continentes. O importante é estabele­cer um diálogo entre todas as federações e conseguir adoptar medidas que façam sentido e que tenham impacto concreto em todas. É por isso que proponho a criação de centros de dis­cussão regionais que produzam informação que chegue à FIFA de forma contínua e sistemática. As federações não devem ser escutadas apenas nos congressos ou quando se aproximam eleições. O diálogo tem de ser permanente.

A apresentação em Londres, no mítico estádio de Wem­bley, teve algum significado especial?
Considerámos várias hipóteses mas entendemos que Londres, pela dimensão e implementação dos media internacionais, seria o local adequado.

Joseph Blatter está no cargo há quase 17 anos e será o seu principal adversário. Que trunfos, além da juven­tude, tem relativamente ao suíço?
Deixo as comparações para os analistas. O que procuro fazer é apresentar as minhas ideias, o meu manifesto, com o entusias­mo e a convicção de que podemos melhorar o futebol em todo o planeta.

Sente que o seu currículo como jogador e a sua activi­dade social em todo o Mundo lhe dão alguma vantagem sobre os restantes adversários?
Não quero ser olhado como um candidato que apenas repre­sente os jogadores ou ex-jogadores, mas é óbvio que a minha experiência como atleta me permitiu conhecer muitas facetas do nosso jogo. O facto é que, desde que deixei de jogar, estive envolvido em várias vertentes fora das quatro linhas que me permitem dominar assuntos que normalmente não estão pre­sentes quando és jogador. A mistura desta experiência dentro e fora de campo permite-me ter uma perspectiva global dos de­safios que se colocam ao futebol e o modo como os devemos ultrapassar positivamente.

Quais são as principais mudanças que pretende incutir na FIFA?
As mudanças na FIFA começam pela mudança de liderança. Uma liderança que motive a participação de todos e que não es­teja apenas dependente de uma única pessoa. Decorrente dessa mudança, virá a mudança de visão, de estratégia e de procedi­mentos no sentido de a tornar uma organização mais forte, mais transparente, mais respeitada e mais eficaz. Tenho propostas ao nível do desenvolvimento do futebol, nomeadamente no que diz respeito ao aumento do número de praticantes, ao nível da so­lidariedade e cooperação com as federações mais carenciadas, ao nível da distribuição mais eficiente das verbas geradas pelo futebol. Apresento no meu manifesto formas de aumentar as re­ceitas e reduzir os custos da organização, investindo naquilo que é verdadeiramente importante, proponho algumas alterações às leis do jogo, defendo medidas que protejam o futebol dos perigos que o ameaçam, como a violência, a discriminação, os resultados combinados, o doping, etc., e lanço para o debate o número de países que deve ter a fase final do Mundial.

Tem recebido muito apoio por parte das federações?
Tenho sido muito elogiado por ter dado este passo e tenho tido um feedback muito positivo da esmagadora maioria das pes­soas com quem falo.



Além do apoio de antigos colegas como Guardiola e Beckham, sente que os jogadores estão consigo?
Foram muitos os meus antigos colegas que entenderam fazê-lo e fico muito orgulhoso e agradecido por isso. Tive a felici­dade de jogar com os melhores e isso tornou-me mais forte. Fico satisfeito também porque não foram só antigos colegas que expressaram apoio mas também outas personalidades de relevo, como treinadores, dirigentes e árbitros.

Algumas federações lusófonas, como Angola e Guiné-Bissau, e algumas figuras do futebol nacional já afirmaram que não vão apoiar ou opuseram-se à sua candidatura. Como encara esta situação?
Com a normalidade de quem acredita que a opinião de todos é válida e respeitável. Sei que a FIFA tem feito algumas coi­sas positivas em vários locais do Mundo mas também sei que pode e deve fazer muito melhor. Se as pessoas analisarem o meu manifesto vão perceber isso muito facilmente. O investi­mento no futebol mundial podia aumentar várias vezes.

O poder da FIFA e a dependência económica de algu­mas federações pode condicionar a eleição?
Percebo que uma liderança de muitos anos cria laços que são difíceis de contrariar. O fundamental é que sinto que as pes­soas percebem que a mudança é inevitável. Eu digo que agora é a altura certa. O voto no dia 29 é secreto e as pessoas não devem ter medo da mudança porque vai ser positiva.

Além do natural prestígio, na prática o que o futebol português ganharia com a sua eleição?
Sem renegar as minhas origens, não posso deixar de salientar que a minha candidatura é global e destina-se a melhorar o futebol em todo o Mundo.

Como vê a recente eleição de Fernando Gomes para o Comité Executivo da UEFA?
Vejo como um sinal da grande competência do presidente da FPF e do trabalho extraordinário que tem feito em Portugal e na UEFA. Testemunhei em Viena o apreço que os presidentes das federações europeias têm por ele, o que se traduziu numa votação esmagadora de quase 90%. O mérito é todo dele. Para mim, é um prazer e um orgulho que o presidente da Federação de onde sou oriundo desenvolva este trabalho e tenha este prestígio.



Michael van Praag admitiu recentemente uma união com a sua candidatura. Considera que é possível jun­tar as duas, numa situação em que seja o Luís a lide­rar o processo?
Para já, estou apenas focado em apresentar as minhas pro­postas ao maior número possível de federações e em ouvir as contribuições que elas têm para dar. Respeito todos os candi­datos, incluindo o actual presidente da FIFA, mas tenho muita convicção nas minhas ideias e estou muito optimista quanto às minhas possibilidades.

A maioria dos antigos jogadores que continuam li­gados ao futebol opta pela carreira de treinador. O banco nunca o seduziu?
Não. Desde cedo me apercebi que me atraíam mais as tare­fas de organização e planeamento global, típicas do dirigismo. Percebo a opção de muitos dos meus colegas mas também há cada vez mais antigos jogadores a ocupar altos cargos como dirigentes e isso é bom para o futebol.

Em que aspectos o dirigismo é mais atractivo que a carreira de treinador?
Admito que seja uma questão de vocação, de opção pessoal. Tem a ver com as características de cada pessoa. Para mim, o papel de dirigente é mais atractivo mas a profissão de treina­dor é igualmente nobre.

Não acha que os ex-jogadores portugueses podem ambicionar às estruturas dirigentes nacionais e in­ternacionais?
Claro que podem. Já temos alguns bons exemplos nesse campo e vamos continuar a tê-los no futuro.

O tráfico ilegal de jogadores tem estado na ordem do dia. Caso venha a ser eleito, que medidas tomará para evitar este tipo de ocorrências?
Essa é uma área na qual as autoridades desportivas têm de estar muito bem coordenadas com as autoridades civis dos países. É preciso haver troca de informação e cooperação mú­tuas para combater uma prática desprezível e para a qual de­vemos ter tolerância zero.

Outro dos assuntos actuais é o match-fixing. O que deve fazer a FIFA para combater este fenómeno que assola o futebol?
Reforçar as medidas que já existem como os sistemas de aler­ta rápido, ser intransigente com quem for comprovadamente infractor das regras e, acima de tudo, actuar preventiva e pe­dagogicamente no sentido de educar os mais jovens a rejeitar liminarmente qualquer tipo de viciação de resultados.

O Sindicato e a FIFPro representam os jogadores. Como analisa a relação entre a FIFA e estas duas ins­tituições?
Todos os stakeholders devem ter uma palavra a dizer e, como é evidente, os representantes dos jogadores devem ser dos primeiros a ser ouvidos. Os jogadores são os principais inter­venientes no espectáculo e, como tal, a sua posição deve ser sempre tida em conta nas tomadas de decisão. Proponho a criação de um Comité de Futebol, que terá peso na estrutura da FIFA, no qual naturalmente os jogadores terão presença significativa.

Que opinião tem sobre o trabalho desenvolvido pelo Sindicato dos Jogadores?
Apesar de não viver em Portugal acompanho a actualidade do futebol português e posso afirmar que o SJPF, muito bem comandado pelo Joaquim Evangelista, tem desenvolvido um excelente trabalho na defesa dos jogadores portugueses.