“Chegar à Selecção seria a recompensa do meu trabalho”


Guarda-redes fala sobre a experiência na Turquia.

Mário Felgueiras, guarda-redes formado no Sporting, foi internacional por Portugal até aos sub-23 e está agora na Turquia, no Konyaspor.

Aos 28 anos, diz que a Selecção é um sonho distante, mas sempre presente.

Prefere manter-se no estrangeiro ou gostava de estar numa equipa portuguesa?
Estou fora e quero continuar assim porque as condições finan­ceiras são melhores. É óbvio que gostava de regressar mas fico contente por ver os clubes a apostar mais em jogadores do nos­so país. Infelizmente é sempre um pouco difícil impormo-nos em Portugal e há muitos futebolistas que saíram e conseguiram fazer um trajecto interessante. Por isso, não penso em regressar a Por­tugal, mas é lógico que um dia acabarei por voltar a casa.

Os grandes nacionais conseguem igualar o que ganha no Konyaspor?
Sim. A Turquia é um mundo à parte. Há muito dinhei­ro, os direitos televisivos são bem distribuídos e há prémios de jogo. À excepção dos três grandes não haverá possibilidade de igualar as condições dos clu­bes turcos, porque falamos de clubes pequenos, cujo objectivo passa pela manutenção, e que têm jogado­res que ganham milhões por ano. Em Portugal, uma equipa mediana não consegue pagar isso.

Portugal trata mal os jovens portugueses?
Hoje, devido aos problemas financeiros, os clubes são obrigados a apostar no jogador português. Joguei na II Divisão B e na II Liga, trabalhei com jogadores de muita qualidade e se tivessem tido oportunidade de jogar lá fora, teriam singrado. Não tenho nada contra os estrangeiros porque neste momento sou um deles.

Quais são os seus objectivos para esta temporada?
Cheguei ao clube numa situação de desespero, devido ao litígio com o Cluj. Estou a recuperar de uma lesão, tenho um ano e meio de contrato, quero ajudar a equipa e, no pró­ximo ano, o objectivo é o apuramento para as com­petições europeias. Temos um estádio novo, para 20 mil pessoas, que está sempre cheio. O objectivo para esta época [a manutenção] está garantido.

Fala as línguas dos países onde esteve?
Estou cá há um mês e é uma língua difícil, mas cer­tamente irei falar. Falo fluentemente romeno e in­glês. Mas é importante falarmos várias línguas.

Passou da Roménia para a Turquia. Social­mente, a mudança foi muito brusca?
Foi. Estou numa cidade grande [Konya], mas com poucos habitantes. É a mais típica da Turquia: os muçulmanos, as mesquitas, os cânticos... A menta­lidade totalmente diferente. Na Roménia as pessoas são mais latinas, a socialização é diferente. Aqui há lojas próprias para a compra de álcool e a comida varia. A Roménia é mais parecida com Portugal e na Turquia os estádios estão sem­pre cheios.

E em termos desportivos, entre o Cluj e o Konyaspor?
Em Cluj olhávamos para o título como objectivo principal e em chegar à Liga dos Campeões. Aqui, apesar de estarem muitos jo­gadores de renome e internacionais, os orçamentos não se com­param e por isso os jogadores vêm para cá. É uma liga que tem muito para dar, mas é fantástico porque quase todas as equipas têm estádios novos e o país tem uma cultura mais fechada. Os objectivos são diferentes mas tenho muito prazer em estar aqui.

Até à data, qual foi o clube em que mais gostou de jogar?
Em todos gostei de jogar, fui mais feliz nuns que noutros. Na Ro­ménia senti-me apreciado e quando for lá serei visto com a ima­gem que deixei. Era acarinhado, mas os problemas financeiros le­varam à minha saída. Os romenos são muito sociáveis e alegres, mas passam a imagem de ser um país pobre quando há muita riqueza. Tanto em Brasov como no Cluj fui muito feliz e cumpri o sonho de jogar na Liga dos Campeões e tenho de lhes agradecer.

Quais são as principais diferenças entre as ligas portu­guesa e turca?
Antes de assinar pelo Konyaspor, fui ao estádio e a maneira como os adeptos recebem os jogadores praticamente obrigou-me a as­sinar. O Konyaspor pode ser comparado a um Rio Ave e se houver um Rio Ave-Paços de Ferreira não haverá mais do que mil adep­tos. Aqui podem estar facilmente 20 mil pessoas. Na Turquia há limite de sete estrangeiros no plantel, sendo que só podem jogar cinco no onze titular, mas para o ano vão aumentar as vagas por­que também querem participar na Europa com mais poderio e por isso ainda virão mais jogadores de renome. A principal diferença entre Portugal e a Turquia é a disparidade de orçamentos.

Houve alguma situação de salários em atraso nos clu­bes pelos quais passou?
Sim, na Roménia. No Brasov acabei a época com três meses de salários em atraso e tive de recorrer à ajuda de um advogado, que reside em Bucareste. Acabaram por me pagar porque tinham uma licença em que o ano civil anterior tinha de estar todo liqui­dado. Com o Cluj, o clube entrou numa situação complicada e fi­quei seis meses sem receber.

Viveu algum caso caricato no estrangei­ro?
Na Roménia tive alguns. Uma vez, no Brasov, ia no autocarro e avariou. Tivemos de ir para um au­tocarro da polícia de choque, no meio dos guardas, foi uma situação engraçada. Lá acontecem situações que são impensáveis em Portugal.

No estrangeiro foi-lhe solicitado que se inscrevesse no sindicato de jogadores dos países onde jogou?
Sim, na Roménia falar-me nessa possibilidade. O Sindicato é mais estruturado, mais bem representado, está a ganhar mais força e têm feito protestos antes dos jogos. É uma associação de protecção de jogadores profissionais e amadores e nesta fase final cheguei a ter contacto com eles, mas acabei por não me inscrever porque não me abordaram nos três anos em que estive lá.

Já recorreu ao Sindicato para resolver alguma coisa?
Sim, quando fui emprestado pelo Braga ao Setúbal. Acabei por sair do Vitória com dois meses de salários em atraso mas entre­tanto não foi preciso chegar à parte final, porque houve um acor­do entre os clubes e acabaram por me pagar. Na situação do Cluj, recorri ao Sindicato para ter informação porque tinha propostas para sair e queria fazê-lo como jogador livre, com uma declara­ção provisória da FIFA. O presidente do SJPF ajudou-me muito, foi sempre muito disponível, que esteve sempre ao corrente da situação e em contacto com o meu advogado da Roménia.

Ao longo da carreira foi emprestado a vários clubes. Sente que isso foi benéfico para a sua carreira?
Nalgumas coisas. O jogador emprestado, muitas vezes não é vis­to como um activo do clube e é posto um pouco de parte. Penso que quando um jogador erra, dizem que é emprestado para ga­nhar experiência mas um jogador também ganha experiência no próprio clube. Há um factor importante que é a sorte e precisa­mos dela. É verdade que a sorte também se procura, mas o joga­dor emprestado pode divagar um pouco e não ser tão protegido. Cresci, aprendi muito, mas também tive a sorte de ter pessoas que apostaram em mim, quando quase ninguém acreditava. Fui para a Roménia com o treinador Toni Conceição, que se demitiu uma semana depois e fiquei num clube onde ninguém me conhe­cia. Mostrou-me que a nossa casa pode ser em qualquer lugar.

Acha que ainda terá uma oportunidade na Selecção?
Sinceramente, já sonhei mais. Quando estava na Liga dos Cam­peões fui eleito em duas jornadas da fase de grupos para a equi­pa ideal e não me chamaram. Se não me chamaram aí, quando me irão chamar? Se lá chegar irei representar o meu país com todo o prazer. Já o fiz até aos Sub-23 e agora esse sonho seria uma recompensa do meu trabalho. Espero que Portugal ganhe sempre, inclusivamente tem o treinador de guarda-redes que trabalhou comigo no Sporting [Fernando Justino] e desejo as maiores felicidades a todos.

Perfil

Nome: Mário Jorge Quintas Felgueiras
Data de nascimento: 12 de Dezembro de 1986
Posição: Guarda-redes
Clubes que representou: Vianense (1999 a 2001), Sporting (2001 a 2005), Sp. Espinho (2005 a 2007), Portimonense (2007/2008), Sp. Braga (2008 a 2010), Vitória de Setúbal (2009/2010), Rio Ave (2010/2011), Brasov (2011/2012), Cluj (2012 a 2014) e Konyaspor (2015).