“O Europeu vai marcar-nos para sempre”


O seleccionador que levou os sub-21 à final do Europeu apenas com vitórias na qualificação faz uma análise ao trabalho feito na Federação e prepara-se para o duplo desafio que se segue: Jogos Olímpicos e Euro 2017.

Renovou por mais dois anos com a FPF. Sente que há uma aposta forte em si e na sua equipa técnica?
É verdade que também tivemos resultados a ajudar, mas é uma coisa inequívoca para nós. Desde o início que as pessoas gostam do nosso trabalho e depois do bom ano que consegui­mos acaba por ser o continuar de algo que nos agrada e que, pelos vistos, também agrada à Federação.

Sente que o futuro da Selecção A está garantido com estes jogadores que estiveram agora no Europeu?
Sinto que os jogadores têm de demonstrar constantemente a sua qualidade. Foi muito importante o que fizeram para a sua afirmação. Foi uma prova na qual estiveram grandes jogadores e estava em jogo algo muito importante, como é o Europeu de Sub-21, e eles estiveram à altura.

Mas vê ali jogadores com qualidade para garantir a continuidade dos bons resultados nos AA?
Têm de ter muita qualidade para fazer o que fizeram, mas os jogadores têm de ter algo mais. Já vimos muitos jogadores com qualidade que não atingiram o que deles se esperava. Es­pero que mantenham esta postura e qualidade exibicional.

Se a este lote juntarmos a qualidade e a experiência de Ronaldo, Nani ou Moutinho acredita que a Selec­ção AA vai ter condições para lutar por títulos?
Temos sido uma Selecção forte e acho que poderemos conti­nuar a sê-lo. Também me custa muito falar desta passagem dos Sub-21 para os AA porque os que lá estão tiveram de de­monstrar valor e se estes querem o seu espaço terão de lutar bastante para o conseguir. E obviamente que será importante para os treinadores terem esses jogadores com o passado e com o presente que têm os exemplos que deste.

Convocar 23 jogadores para uma fase final e deixar alguns de fora é um papel muito ingrato?
Muito mesmo. Desde que me tornei treinador é dos momentos que mais me custa. Mais do que quando tínhamos de dispen­sar jogadores na pré-época a nível de clube. É algo que me custa muito, principalmente no caso de jogadores que tudo deram e tudo fizeram para estar nesse espaço.

Garantir a presença nos Jogos Olímpicos era mesmo o principal objectivo ou era apenas o discurso para o exterior para pôr água na fervura depois de uma bri­lhante fase de qualificação só com vitórias?
É verdade que atingimos a fase final com dez vitórias conse­cutivas mas também é preciso ter outros factores em conta: na Holanda, no primeiro minuto do jogo do playoff, levámos uma bola na trave. Se essa bola tem entrado podia ser tudo diferente, o valor da equipa iria estar em causa por um resul­tado e os jogadores são os mesmos. Tivemos também a pon­tinha de sorte que necessitávamos, como a tivemos na fase final nalguns momentos e não tivemos noutros. Mas esta é a realidade do futebol. Foi isso que fizemos ao colocar objecti­vos realistas.



Acha que essa sorte de que fala compensou o azar que tivemos quando falhámos o Euro'2013 por um golo?
Não há compensações, o que se perde não se recupera. Cus­tou muito, também pelo grupo de jogadores que tinha. Uma das imagens mais marcantes que tenho como treinador foi quando estávamos no balneário: quando acabou o nosso jogo estáva­mos apurados, o outro acabou 30 minutos depois e surgiram três golos da equipa que não podia marcar. Senti de repente aquilo tudo desmoronar e alguns dos jogadores perceberem que tinham acabado o trajecto em termos de Selecção. E era um grupo forte, que nos permitia acalentar coisas interessan­tes. Por isso sim, essa questão da sorte e do azar também pesa.

No final do encontro com a Suécia estava visivelmen­te abatido. Os desaires tiram-lhe o sono e o apetite?
Aquele grupo de trabalho esteve num jogo que poderia dar algo que nunca tínhamos conseguido para o País, teve um per­curso que dificilmente se repetirá com qualquer Selecção e, nesse sentido, foi o terminar desse sonho, em penalties, sem sermos derrotados num jogo. Nem falo só do dormir no dia a seguir ou não, é uma coisa que nos vai marcar para sempre. Mas não nos podemos esquecer de todo o trajecto, da imagem que deixámos e da identificação das pessoas com os valores e a postura da equipa. São coisas que a mim, como treinador, me realizam. E foi uma mistura de desalento completo e de muito orgulho.

Viu o jogo depois?
Ainda não.

Mas faz sentido ver? Coloco-lhe esta questão porque era uma final e há um virar de página…
E é pertinente, porque será o jogo que mais estou a tardar em ver. Não sei se o verei, eventualmente um dia vou vê-lo. Acredi­to que o faça, até para tentar perceber se houve alguma coisa que me escapou no momento e a percepção depois será outra.

Apostou em jogadores móveis no ataque, como Cava­leiro e Ricardo: a posição de ponta-de-lança continua a ser uma dor de cabeça para os seleccionadores?
Temos o Gonçalo Paciência, o Lucas João, o Tomané, jogadores que até tiveram alguma competição na I Liga. Também equa­cionámos o André Silva, que acabou por ir para os Sub-20. São pontas-de-lança, jogadores com algum potencial, mas tínha­mos outras soluções que me pareciam mais interessantes para aquilo que íamos encontrar, que fizeram todo o nosso percurso e que mereceram e justificaram essa presença na fase final.

O próximo jogo é com a Albânia, que será nossa ad­versária com Hungria, Grécia, Israel e Liechtenstein, rumo ao Euro2017. Já estudou os adversários?
Não. Houve apenas dois jogos no nosso grupo, que iremos ana­lisar. Vamos começar pela Albânia, que é o primeiro compro­misso que temos, e teremos tempo de o fazer.



Ter Romeu e Alexandre Silva na sua equipa técnica desde o tempo em que orientou os juniores do Bele­nenses, aos quais se juntou Brassard, tem sido impor­tante?
Sim, fundamental. Acho que faz todo o sentido estar acompa­nhado de quem estou. Todos temos uma postura e perspectiva diferente, apesar de termos os mesmos objectivos, o que nos complementa e nos ajuda a pensar noutras soluções e a abran­ger um leque de situações maior, com mais conhecimento.

O Alexandre Silva fez um levantamento de todos os jogadores nacionais a actuar no estrangeiro dos sub-9 aos sub-21. Quanto tempo demorou esse traba­lho?
Não faço ideia! Esse é um exemplo do tipo de trabalho que eventualmente nem me ocorreria, muito menos o trabalho de o executar depois. São coisas para muitas horas.

O Raphaël Guerreiro é uma dessas descobertas?
Sim. E na altura o Pauleta, juntamente com uma pessoa co­nhecida em França, deu-nos mais informações sobre o jogador. A partir daí partimos para a observação em vídeo, depois in loco.

Como é a sua rotina? Vê jogos todos os dias?
Depende. Quando acabas a qualificação para um Europeu vais para uma fase final, na qual o grupo não vai mudar de uma for­ma radical, temos ali 30/32 jogadores. E as observações são feitas normalmente em jogo, mas de um grupo bastante mais restrito. Num início de processo, como será agora este, apesar de já termos um grupo de 13/14 jogadores que já fez parte do percurso connosco, o leque abre mais. Há um conhecimento dos jogadores que transitam dos Sub-20, mas temos de fazer opções. Preferimos as observações in loco e em jogo, algumas fazemos pela televisão, no caso de jogadores lá fora, e por vezes também fazemos em treino, apesar de termos algumas dificuldades por causa dos clubes.

Esta geração é considerada a melhor dos últimos anos. As equipas B foram determinantes para este salto?
Foram fundamentais. Foi muito importante para lhes dar um tipo de competição superior, pela primeira vez jogam contra jo­gadores com outra maturidade, mas é uma fase de transição, não pode ser de estagnação. E não pode ser um espaço para manter os jogadores durante três anos. Acredito que nesses casos alguma coisa está errada na evolução do jogador.

Contudo, nas equipas B apostam muito em estrangei­ros. Acha que seria importante criar normas para de­fender a aposta nos jovens portugueses?
Para mim é evidente que esse seria o melhor caminho. Mas isso sou eu enquanto seleccionador nacional a falar, na políti­ca dos clubes não nos devemos imiscuir.



O SJPF aceitou reduzir os salários mínimos dos joga­dores desde que os clubes contratem mais jovens. Foi uma medida benéfica?
Todas as formas que encaminhem os clubes para o caminho que consideramos interessante fico satisfeito que aconteçam. Em termos de Selecção, não há dúvida que facilita o trabalho.

O que lhe parece a nova regra dos empréstimos?
Era uma situação com a qual estava a ser difícil lidar de uma for­ma honesta. Acredito que os jogadores emprestados gostariam muito de se mostrar, mesmo aos adeptos do clube, para perce­berem quem têm ali. Seriam mais dois jogos de alto nível que poderiam jogar e que os obrigaria a crescer, mas infelizmente a nossa mentalidade não permite que seja de outra forma.

A chegada de estrangeiros com prestígio à nossa liga é benéfica para o crescimento do jogador nacional?
Todos os bons jogadores são benéficos para o crescimento dos jogadores. Não era jovem quando o Schmeichel chegou ao Sporting, mas senti o impacto que ele teve no grupo. Mais do que o estatuto, quando um jogador de referência como o Casillas, o Schmeichel ou o Preud’homme chega aos treinos e dá o exemplo, para os mais novos tem de ser um factor de aprendizagem.

O Belenenses apresenta-se esta época com um plan­tel completamente português. É o exemplo a seguir?
É uma coisa que me satisfaz enquanto seleccionador. Tem jo­gadores de qualidade e está bem orientado pelo Sá Pinto, que também é um treinador ambicioso e exigente. Haverá momen­tos em poderá sentir alguma dificuldade, até pela juventude do plantel, mas será uma equipa muito interessante de seguir.

O SJPF tem divulgado estudos relativamente à utiliza­ção dos portugueses. São importantes para alertar para a necessidade de apostar no jogador nacional?
Ouvimos falar, mas quando vemos os números é muito mais impactante. Não estamos apenas a falar de um número, es­tamos a vê-lo e mostra-nos qual é o caminho que está a ser seguido.

A FPF instituiu que a táctica a utilizar na formação até aos sub-21 é o 4-3-3. O Rui teve muito peso nessa decisão?
O 4-3-3 vem a ser usado nos escalões de formação da Se­lecção há muitos anos e quando chegámos era uma medida que já estava implementada. Estamos a falar da formação e os clubes de referência em Portugal adoptavam esse sistema táctico. Foi pensado internamente que, atendendo ao pouco tempo que se tem com as selecções, podia ser interessante aproveitar o que era feito nos clubes, nomeadamente ao nível do sistema táctico.



A Cidade do Futebol estará concluída para o ano. É o que falta para a Selecção AA chegar aos títulos?
Acima de tudo, acho que é um espaço importante. Não têm fal­tado condições. Por exemplo, ao nível dos Sub-21, temos ficado em Rio Maior, que é inexcedível em termos de condições. Outra coisa é termos um espaço que simbolize o que é a Selecção Nacional, onde os técnicos possam sair da porta e estão a ver os Sub-16 e os Sub-17. Não deixamos de o fazer, mas ali será um espaço de Selecção. Se calhar mesmo o mister Fernando Santos poderá ver treinos desses escalões jovens e os miúdos vão saber que ele está lá, vão perceber que há um trajecto a percorrer ali dentro e vão sentir a Selecção de forma diferente.

Há uns anos disse que não temos as condições ideais para formar, nomeadamente maus relvados e jogado­res a treinar em meio-campo. As coisas melhoraram?
Não tenho ideia de que tenha melhorado assim tanto. Falei de uma realidade que conheci quando treinava os juniores do Be­lenenses e haver equipas de juniores a treinar em meio-campo para mim é uma coisa inconcebível em termos de formação. Estamos a falar de equipas do Nacional de juniores, por aí abai­xo a situação piora bastante e esse é um dos aspectos que urge melhorar. Os clubes grandes oferecem outras condições, as academias e os centros de estágio vieram proporcionar melho­res condições e hoje estamos a colher frutos disso. Vamos ver no futuro se isto dá realmente resultados e acredito que sim.

Depois de tantos anos na Selecção não sente o apelo de treinar um clube? Muitas vezes os treinadores di­zem que são métodos bastante diferentes.
Muito diferentes. O treinador sente orgulho quando as equipas jogam de acordo com aquilo que ele tem pensado para elas e isso passa muito através do treino. Para mim é importante pen­sar no exercício de forma a que ele leve àquilo que quero para a equipa e isso é limitado em termos de Selecção, há muito me­nos treinos. Essa é a parte que menos agrada aos treinadores de Selecção, mas tem outras vertentes interessantes, como a observação, que vamos aprimorando, a base de dados que te­mos de jogadores, que é muito superior. Hoje é difícil haver um jogador com 24/25 anos, da I ou mesmo da II Liga, que eu não tenha visto ao vivo. Há coisas positivas e negativas.

Enquanto jogador era aguerrido e vivia intensamen­te o jogo, mas como treinador tem uma postura tran­quila. Esforça-se para a manter, até para transmitir tranquilidade aos jogadores, ou é natural?
Não me caracterizo como um treinador tão calmo quanto isso. Tenho momentos em que sou mais expansivo, pode querer ter a ver, como disseste, com aquilo que quero passar aos jogado­res. Muitas vezes funciona por aí, mas há uma preparação prévia, os jogadores também sabem mediante a tua postura aquilo que estás a pensar. Não me coloco propriamente num lado ou no ou­tro, mas para mim é claramente mais fácil estar na posição de treinador do que na de jogador. Tens mais tempo para pensar na situação, o jogador tem de ser muito mais intuitivo, é o imediato. Num lance em que haja um encosto de cabeça entre dois joga­dores, por exemplo, em que muitas vezes há a reacção imedia­ta do jogador, o treinador está longe dessas situações, tem os dois segundos que os jogadores precisavam para pensar. Nesses momentos dois segundos são uma eternidade. Não me coloco naquela posição de treinador calmo. Mas acho que isso é uma pergunta interessante até para os jogadores, também não me verão assim tão calmo quanto isso! [risos]

O SJPF tem alertado para a necessidade de os jogado­res se formarem ao nível da gestão do desporto, para terem outras saídas. É uma medida importante?
É uma realidade. Os jogadores que atingem determinado nível e que cresceram em clubes grandes não é fácil seguirem uma carreira académica paralela. Se formos ver os jogadores que cresceram no Benfica, Sporting ou FC Porto não devemos en­contrar um nos últimos 30 anos. É difícil, apesar de os clubes tentarem dar algum acompanhamento em relação a isso. Mas é importante, porque no final é para aí que eles se vão tentar encaminhar. Não existem muitas alternativas que os jogado­res gostem e, no fundo, que tenham também qualidade para o fazer, porque a vivência do campo, da alta competição e dos balneários ajuda em muita coisa. Não é tudo, e acho que tem de haver essa parte complementar, mas temos de ter algu­mas bases para o fazer. Um director desportivo tem de do­minar outras coisas também, terá de ter algo complementar para o fazer.

Qual é a sua opinião sobre a actuação do SJPF?
Sou suspeito porque conheço bem o presidente e acho que a postura dele é algo que devemos enaltecer. Ao longo dos anos que tem estado à frente tem defendido as suas ideias e as dos jogadores. Goste-se ou não das ideias, tem de se dar esse valor ao Sindicato, que está muito mais activo, tem consegui­do um espaço maior e acho que ele personifica bem o que é o Sindicato e o que tem vindo a conquistar nestes anos. Os jogadores devem estar muito satisfeitos por terem quem os lidera assim. Sei que mobilizar jogadores é difícil, mas até isso tem conseguido.