“Queremos ganhar o Europeu”


Dispensado do Sporting, não teve oportunidades no Benfica e emigrou para provar o seu valor. Impôs-se na melhor liga do Mundo, é capitão do Southampton e, aos 31 anos, ganhou o seu espaço na Selecção.

Fez a formação no Sporting e é mais um exemplo do bom trabalho ali realizado. É injusto que realcem apenas os extremos formados no clube?
[risos] Não sei se é coincidência ou se é por alguma coisa que metem na água, a verdade é que o Sporting tem dado muitos extremos de grande qualidade, mas houve jogadores de outras posições que provaram ter valor. Agradeço tudo o que o clube fez por mim, como é óbvio, apesar de não ter chegado à equipa principal, mas foi um orgulho ter passado pelo Sporting.

No segundo ano de iniciado foi dispensado do Sporting, que mais tarde o voltou a contratar ao Sacavenense. Como é que lidou com a desilusão?
Não vou negar que me caiu tudo, foi um dos períodos mais difíceis da minha vida. Serviu para perceber que para estar no Sporting tem de ser a 200% porque há muitos miúdos que têm os mesmos sonhos que nós. Tive a sorte de ir para um clube com boas con­dições e que ia buscar miúdos dispensados dos grandes. Fez-me muito bem ter passado esses três anos no Sacavenense. Ajudou-me a desenvolver e a perceber que o futebol não é só rosas.

Jogou dois anos no Sporting B, que deixou porque foi extinto, e esteve dois meses no Salgueiros, que também foi extinto. Temeu pelo seu futuro?
Depois também fui para o Felgueiras e fechou... Realmente tive ali um, dois anos complicados. A nível futebolístico e pessoal as coi­sas correram-me muito bem. O míster Norton de Matos acreditou em mim quando não renovei contrato com o Sporting. E quando fui para lá, o Salgueiros era considerado um histórico. A solução encontrada surgiu numa conversa entre os místeres Norton de Matos e Diamantino, que estava a precisar de jogadores para o Felgueiras e o míster sugeriu-me a mim, ao Moretto e a mais dois ou três jogadores do Salgueiros. Acabámos por fazer uma época extraordinária, quase sem receber ordenados! [risos]

Recorreu ao Sindicato nessa altura?
Não recorri, mas o Sindicato esteve sempre presente e a batalhar pelos nossos direitos. Como o clube acabou e existiram tantos problemas não foi possível reaver aquele dinheiro. Mas quero dei­xar uma palavra ao Sindicato, que sempre nos ajudou. Nessa al­tura, como vivia perto da minha avó, em Penafiel, ela acabou por ajudar-me muito e vi o Felgueiras mais como uma rampa de lan­çamento para a minha carreira. Graças a Deus, resultou. Fiz uma grande temporada, o míster Norton de Matos foi para Setúbal e, mais uma vez, deu-me a mão. A partir daí foi sempre a subir.

No Vitória voltou a viver o drama dos salários em atraso, situação que o levou a rescindir contra­to. Como é que foi viver esse período?
Foi difícil. Infelizmente é uma situação muito recorrente em Por­tugal e é óbvio que é difícil. Nem todos os jogadores têm contra­tos milionários e na altura foi extremamente difícil. Lembro-me que até foi o Benfica, quando me contratou em Dezembro, que me pagou os ordenados que tinha em atraso. Foram três ou qua­tro meses difíceis mas que, mais uma vez, serviram para apren­der outra lição e foi outra rampa para voos maiores.

Alguma vez pensou em deixar o futebol?
Não, isso nunca me passou pela cabeça. Sempre tive a força, a ambição, o querer e a confiança de que ia chegar longe e que nun­ca iria desistir. Graças a Deus consegui chegar onde cheguei, com muito trabalho e dedicação.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho do SJPF?
É um trabalho importantíssimo. Recebo sempre a revista em In­glaterra e acompanho aquilo que o Sindicato tem feito. Espero que o futebol português consiga erradicar o problema dos salários em atraso com novas regras. Aqui isso é impossível. Nunca vi um jogador ficar sem receber mais do que 15 dias.



Depois surgiu a proposta do Benfica. Contou que estava em Liège para assinar pelo Standard quando recebeu uma chamada de Luís Filipe Viei­ra. O que lhe disse para o fazer mudar de ideias?
Não foi preciso dizer muito, para ser sincero. É verdade, estava com o Michel Preud’Homme e com o Luciano D’Onofrio, com o contrato à frente, e recebi a chamada do presidente. Perguntou-me: “o que é que andas aí a fazer?”, respondi que ia assinar, tinha o contrato à frente e não tinha hipótese de sair dali. E ele disse: “vais fazer o seguinte: pede 24 horas.” Foi o que fiz. Disse que pre­cisava de pensar melhor e apanhei o primeiro avião para Lisboa. Foi uma situação engraçada, de algum stress, mas o facto de as­sinar pelo Benfica tem grande peso em qualquer jogador.

Esteve emprestado ao Paços de Ferreira e depois integrou uma digressão do Benfica a Moçambique. Como foram esses tempos?
Foram bons. Fiz meia época em Setúbal e quando assinei pelo Benfica fui emprestado ao Paços de Ferreira. Foi uma boa segun­da metade de época e no final do ano integrei essa digressão. Foi uma experiência espectacular, as coisas correram-me muito bem, depois fiz também a pré-época no Benfica. O Ronald Koe­man, que agora é o meu treinador no Southampton, saiu e entrou o míster Fernando Santos. As coisas estavam a correr-me bem, mas infelizmente tive uma lesão que me afectou o resto da pré-temporada. Mas sinto que deixei boa impressão ao míster.

Seguiu-se novo empréstimo, ao Estrela da Amado­ra de Daúto Faquirá.
Decidimos que para mim, com 23 anos, seria importante jogar regularmente e fui emprestado ao Estrela, onde eu e o Amoreiri­nha, também emprestado pelo Benfica, fizemos uma das melho­res temporadas das nossas carreiras. No final dessa época tinha esperança de ficar no Benfica mas não foi possível. Decidi tentar outros campeonatos e foi aí que apareceu a oportunidade de ir para Inglaterra, para o Crystal Palace.

Foi pelo projecto ou foi mais para estar perto do seu irmão [Rui Fonte, jogador do Sp. Braga], que também estava em Londres, no Arsenal?
Foi um pouco das duas coisas. Para estar perto do meu irmão e foi também um risco que corri porque vinha da I Liga, com 50 e tal jogos e uma passagem pelas provas europeias, e fui para o se­gundo escalão de Inglaterra. Demorou algum tempo para chegar à Premier League, mas mais vale tarde do que nunca.

Depois o Arsenal emprestou o Rui ao Crystal Pa­lace, onde jogaram juntos meia época. Como foi?
Foi engraçado, mas por vezes difícil porque temos uma relação muito forte e sempre que estávamos em campo eu estava mais preocupado com a exibição dele ou se ele sofresse uma entrada mais dura do que com o meu próprio jogo! [risos]. Mas as coisas correram bem, ele fez muitos jogos e foi uma experiência positiva.

O Sp. Braga é o clube certo para ele?
Sem dúvida. Havia propostas do estrangeiro, talvez até mais van­tajosas financeiramente, mas a primeira coisa que lhe disse foi que o melhor para ele seria ir para Braga. Jogar com regularida­de numa equipa como o Braga, que luta pelos lugares cimeiros, joga um futebol ofensivo, com um treinador que não tem medo de apostar nos jovens, acho que tudo isto favorece as qualidades do meu irmão. Disse-lhe logo para fechar os olhos e assinar.

Além do seu irmão, o vosso pai também foi fute­bolista, nomeadamente do Belenenses e do Pena­fiel. Lembra-se de o ver jogar?
Tenho uma vaga ideia de ir para os treinos com ele e ainda tenho algumas imagens de estar na bancada e de o ver jogar. Foram tempos muito bons. Foi aí que nasceu o bicho pelo futebol.


Foto: Diogo Pinto/FPF

Chegou a Inglaterra com 23 anos e começou a fa­zer musculação para acompanhar os avançados. Em Portugal não se valoriza o treino físico?
A diferença é que quando cheguei ao Championship encontrei um campeonato completamente diferente daquele que tinha na I Liga em Portugal, em que a velocidade do jogo e o tipo de jogadores obrigam-te a desenvolveres-te fisicamente para poderes ganhar os duelos. Foi o que tive de fazer. Enquanto os outros estavam de folga, ia para o ginásio porque sentia que tinha de melhorar esse aspecto. Foi um processo que ainda hoje me ajuda a competir.

Ser capitão reforça ainda mais a sua satisfação em vestir a camisola do Southampton?
É uma grande responsabilidade, que gosto de ter, e acredito que me ajudou a melhorar como jogador. Gosto de liderar a equipa. É com grande satisfação que envergo a braçadeira e que tento ajudar os meus colegas da melhor maneira possível.

Soubemos que foi Ronald Koeman que lhe deu o es­tatuto de capitão para o motivar a renovar...
[risos] Sempre fui um dos capitães desde que assinei em 2010 e fui capitão em vários jogos, mas foi o míster Koeman que me deu a braçadeira e a responsabilidade de levar a equipa mais para cima. É uma pessoa que acredita muito em mim e nas minhas qualidades e tenho de agradecer-lhe pelo que tem feito por mim.

Falam dos tempos que ele passou em Portugal?
Ele fala sempre da grandeza do Benfica, de Cascais, da Quinta da Marinha, do tempo, da comida, do golfe... Adorou o tempo que passou em Portugal e ter treinado o Benfica.

O que é que sente ao ouvir os adeptos cantar “José Fonte baby, José Fonte oooh” [como no refrão do tema don’t you want me, dos Human League]?
É sempre especial. No futebol ninguém se lembra do ontem, é só o hoje, portanto dá-te força para estares sempre bem.

Gareth Bale, Theo Walcott, Oxlade-Chamberlain, Luke Shaw… qual é o segredo para o Southamp­ton formar tantos jogadores de qualidade?
Foi aqui implementado um sistema de recrutamento muito bom, desde os Sub-10. Temos bons treinadores nas camadas jovens, mas acho que o principal factor é que damos oportunidades a quem tem qualidade. Se aparecer um miúdo com 16 ou 17 anos com qualidade vai ter uma oportunidade na equipa principal, de treinar connosco, e só assim é que ele vai poder desenvolver ain­da mais as suas capacidades. Somos um clube formador, mas também não temos medo de apostar nos miúdos.

O Southampton tem 16 nacionalidades diferen­tes no plantel. O balneário é unido?
Esse é um dos factores do nosso sucesso. É a mística que temos, os valores que são passados e quem chega é bem tratado. Te­mos as nossas regras e é importante que eles entendam isso. As coisas têm corrido bem e o nosso espírito de grupo tem-nos dado força para fazermos as grandes épocas que temos feito.



Como capitão, gosta de assumir esse papel?
Não tenho de gostar, é esse o meu papel. Tenho de transmitir ao grupo ambição e vontade de ganhar. Estamos na melhor liga do Mundo, sabemos que é difícil vencer qualquer jogo, mas a nossa mentalidade é ir para o jogo para ganhar, seja contra quem for. Este ano já conseguimos entrar nas competições europeias, mas queremos sempre mais. Falta só o último degrau para começar­mos a competir com os grandes a sério.

Cédric tem-se adaptado bem?
Muito bem. Até surgiu uma notícia de que estatisticamente é o melhor lateral direito em Inglaterra. A adaptação foi fácil para ele, tendo-me aqui. Está feliz e está a jogar a um nível muito alto.

Fernando Santos dispensou-o quando o Sporting B foi extinto, voltou a fazê-lo no Benfica, mas agora tem apostado em si na Selecção. É caso para dizer que à terceira foi de vez?
[risos] Tenho noção de que há 10 anos não era o jogador que sou hoje, portanto foram decisões que o míster tomou e que aceitei com normalidade, mas isso ainda me deu mais força para con­tinuar a trabalhar. Não foi possível continuar a minha ligação ao Sporting nem ao Benfica, mas não guardo mágoa. Continuei a trabalhar e a tentar ser melhor jogador todos os dias. Acima de tudo, tenho de agradecer ao míster por ter reconhecido o meu valor aos 30 anos e por me ter dado a oportunidade de ser inter­nacional. É com muito orgulho que chego à Selecção e que vou dar a vida pelo míster e pelos meus colegas.

Usou agora essa expressão muito forte. Por que é que jogar pela Selecção é assim tão especial?
Porque é o teu país, são os melhores jogadores do teu país e es­tás entre eles. Significa estares a representar o país inteiro, a tua família, os teus amigos, por isso para um jogador o maior sonho é representar a Selecção. Qualquer jogador vai dizer-te o mesmo.

É um daqueles casos em que precisou de emigrar para se impor no futebol português. Tem ainda mais orgulho na sua carreira por isso?
Quando se emigra é difícil. Estamos longe da família, dos amigos, da cultura, da comida, de tudo. Tenho orgulho naquilo que atingi e foi tudo feito com muito trabalho e sacrifício, mas não quero ficar por aqui. Atingi o topo por estar na melhor liga do mundo e ser internacional, mas ainda quero chegar à Liga dos Campeões, jogar no Euro, no Mundial... Tenho muito trabalho pela frente.

Chegou à Selecção com 30 anos. Sente que mere­cia ter tido uma oportunidade mais cedo?
Tenho noção que para chegar à Selecção é importantíssimo jogar na I Divisão de qualquer país e aos 27 ou 28 anos estava a jogar no Championship. Só quando cheguei à Premier League é que tive mais visibilidade. Não aconteceu mais cedo, o míster Paulo Bento tinha outros jogadores de grande qualidade à disposição, e eu tenho de respeitar a decisão. O míster fez um grande trabalho e é um grande treinador, mas sempre acreditei nas minhas capa­cidades e nunca deixei de trabalhar para chegar à Selecção. Gra­ças a Deus, o míster Fernando Santos reconheceu o meu valor.

Considera que os jovens portugueses têm pou­cas oportunidades no nosso futebol?
Acho que agora está a mudar um bocadinho, porque como há pouco dinheiro em Portugal tem de se apostar mais nos jovens, que são mais baratos. É ridículo que o jogador da casa não tenha mais oportunidades e não lhe seja dado mais valor, porque o jo­gador português tem grande qualidade e é muito respeitado no Mundo. É preciso apostar cada vez mais nos jovens portugueses e dar-lhes oportunidades. Só assim eles vão crescer e chegar a outros patamares.



Não chegou a coincidir em campo com o seu irmão, mas já foram chamados para a Selecção. Sente que estão perto de concretizar esse objectivo?
Há poucos avançados em Portugal. Tenho-lhe dito que se conti­nuar a fazer o trabalho que tem feito, a jogar sempre a titular no Braga e a fazer alguns golos tem todas as condições para chegar à Selecção e concretizarmos esse sonho de jogarmos juntos. Te­nho a certeza de que ninguém mais do que ele vai lutar por isso.

Portugal é um dos favoritos a conquistar o Euro?
Queremos ganhar o Europeu e o primeiro objectivo era qualificar­mo-nos. Isso está feito, a partir de agora é começar a preparar o Europeu, a delinear bem o plano porque o nosso objectivo é ganhar. Temos condições para isso, grandes jogadores, o melhor do Mundo, por isso é normal termos estas ambições.

Tirando as análises que faz com a equipa técnica, costuma ver os seus jogos?
Normalmente vou ver os jogos em que estive menos bem, tento analisar aquilo que posso melhorar. Também tenho atenção à estatística. Sei que não é tudo, mas ajuda-te a ver que aspectos podes melhorar, se estás a falhar muitos passes ou desarmes, se tens de te antecipar mais ou ser mais agressivo. Tanto no clube como em casa tenho esse cuidado de ver onde posso melhorar.

Colecciona as camisolas que vai trocando com os adversários ou que os colegas lhe oferecem?
Costumo guardar daqueles por quem tenho mais estima, dos amigos e também de grandes jogadores. Todos os jogadores gostam de trocar camisolas e tenho várias de alguns craques.

Qual é o central que mais admira?
Há alguns, não tenho só um. Actualmente gosto de ver o Vara­ne, o Pepe sempre foi um jogador que admirei muito e o Ricardo Carvalho tem sido um exemplo de longevidade e de qualidade.

E quem era a sua referência na infância?
Gostava do Maldini e do Nesta. Também gostava muito de ver o Puyol, um jogador com uma raça incrível.

Tem 31 anos e está no melhor momento da sua carreira. Pensa jogar até que idade?
Tenho a sorte de nunca me ter lesionado com gravidade. Agora tenho ainda mais cuidados ao nível físico, de recuperar, de fazer os banhos de gelo... Há vários jogadores que passaram os 40 anos com grande capacidade. Se chegar aos 37 ou 38 já não é mau, ainda tenho uns bons anos pela frente.

Gostava que o seu filho Luca, de dois anos e meio, continuasse a ligação da família ao futebol?
Claro. [risos] Se ele tiver jeito e se gostar, claro que vou ajudá-lo. É preciso dar-lhe liberdade e deixá-lo crescer e divertir-se, que é o mais importante. Nunca descurando os estudos.