“Coloco-me sempre no lugar dos jogadores”


A relação jogador-árbitro dentro de campo.

Antigo jogador na Distrital do Porto, Manuel Oliveira diz que arbitrar nunca foi uma dificuldade.

Adorava poder ir aos estádios, assistir a jogos ao vivo, mas sabe que em Portugal isso é impossível.

Estreou-se na I Liga num Olhanense-Moreirense, em 2012. O que recorda desse encontro?
Tinha esse sonho e quando recebi a nomeação era como se fos­se apitar na Liga dos Campeões! Quando cheguei a este patamar havia coisas a que não estava habituado. Tinha alguma dificul­dade em falar para muitas pessoas nas reuniões e tive de supe­rar isso. O mais fácil era arbitrar. Cometo erros, como os outros, quero evoluir, mas arbitrar, para mim, nunca foi uma dificuldade.

Ser árbitro é apelativo para os jovens?
Sim. Quem vai para árbitro adora desporto e, geralmente, ou jo­gou ou gosta muito de futebol. Eu joguei nalguns clubes, mas nem todos conseguem ser jogadores e a arbitragem foi a via que encontrei para continuar ligado ao futebol.

A Academia vem fazer a diferença no futuro?
Não tenho dúvidas. Passei por esse processo e os árbitros que frequentam a Academia chegam à I Liga com muitos jogos. Ago­ra há um curso intermédio em que os árbitros têm mais um ano de experiência na II Liga para estarem melhor preparados para a realidade da I Liga. São muitas horas de formação a nível técnico, físico, psicologia de desporto, movimentação, tudo.

No que é que a profissionalização melhorou o sector?
O futuro passa por aí. Não sou profissional, mas estou inserido num projecto como voluntário e a Federação quer que todos os árbitros da I Liga o integrem no futuro. Trabalhamos com os in­ternacionais, que partilham a experiência connosco, analisamos vídeos, fazemos estudos mais profundos sobre as equipas... São três dias por semana e é uma mais-valia para nós.

Sempre conciliou bem a arbitragem com o trabalho?
Era industrial da padaria, trabalhei 19 anos na área. Com os jogos à quarta e à sexta-feira deixou de ser compatível. Outro motivo foi querer apostar tudo na arbitragem. No ano passado podia ter sido indicado para internacional. Não fui, mas fiquei mais focado e a arbitragem cada vez exige mais de nós. Não há patrão que aguente um empregado a faltar dois ou três dias por semana.

Acha que os árbitros também deviam falar no final dos jogos, como fazem os jogadores e os treinadores?
Se calhar não era bom. Pode haver um ou outro lance mais duvi­doso mas, quando acaba o jogo, sabemos se as coisas correram bem ou mal. E não sei até que ponto seria benéfico porque, com o cansaço, às vezes dizem-se coisas sem pensar, depois passado um ou dois dias tínhamos de pedir desculpa porque não fomos correctos, etc.. Acho que todos os árbitros gostavam de falar mas, com tantos conflitos, é melhor assim.

De 0 a 5, que nota daria à arbitragem portuguesa?
Está no top mundial. Temos árbitros muito bons em Portugal se compararmos com o que vemos nas principais ligas europeias. Não vou dizer 5, mas estamos num 4, sem dúvida.

Quais são os grandes desafios da arbitragem e que me­didas devem ser tomadas para melhorar o sector?
Estamos sempre com coisas novas. Só havia as bandeiras nor­mais, agora temos sistema de áudio, já há a tecnologia da linha de golo... Ainda não a temos, mas já foi implementada nas finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga e pode ser que venhamos a ter. A arbitragem evoluiu muito na última década.

É a favor das novas tecnologias no futebol?
Pelo menos a da linha de golo faz sentido, são lances extrema­mente difíceis. É verdade que pode decidir um campeonato, mas são lances que acontecem duas ou três vezes numa época, não sei se é rentável. Mas quanto mais coisas trouxerem mais estra­gam o espectáculo porque daqui a pouco vão pôr um chip num jogador que se estiver fora-de-jogo vai apitar no relógio do árbitro assistente. Aí não há erros e perde-se a essência do futebol.

Ao longo dos anos tem notado uma diferença de com­portamento dos jogadores para com os árbitros?
É certo que quando é um árbitro mais novo os jogadores tentam pressionar um bocadinho. Falo por mim, é o meu quarto ano na I Liga e já sinto outro respeito. Mas os jogadores entendem melhor a arbitragem, sabem que temos objectivos: subimos, descemos e queremos errar o menos possível. No calor do jogo há sempre um ou outro que reclama porque não concorda com a decisão, faz parte. Também temos de saber lidar com isso e ponho-me sempre no lugar dos jogadores, porque joguei e percebo-os.

Em que clubes jogou?
Nas camadas jovens joguei no Gondomar e no Ataense, e como sénior joguei no Covelo, no Medense e no Monteselo, todos na I e na II Divisão Distrital do Porto.

O árbitro é o elo mais fraco do futebol?
Acho que não. Por vezes servem-se de nós para justificar uma derrota ou um empate. Às vezes até dá jeito. Mas as pessoas que percebem de futebol respeitam muito os árbitros.

Nos seus jogos já viu jogadores talentosos ao ponto de querer sentar-se na bancada a assistir?
Adoro o futebol e a arbitragem, só que, em Portugal, ser árbitro é só mesmo para arbitrar. Adorava poder ir aos estádios ver os jogadores e os meus colegas a apitar ao vivo, mas é impossível.

Perfil
Nome: Manuel António Rodrigues Oliveira
Data de nascimento: 24 de Outubro de 1977
Associação: Associação de Futebol do Porto
Estreia na Primeira Categoria: 2012