“O treinador português é como um camaleão”


O treinador do Famalicão, que iniciou a carreira a convite do SJPF, considera que a liderança é a principal virtude para conquistar um grupo de trabalho e que os técnicos portugueses estão mais qualificados.

Em entrevista à JOGADORES, Nandinho diz que os treinadores portugueses se adaptam a diferentes contextos.

O que o levou a aceitar o convite do Famalicão?
Em primeiro lugar pelo projeto, depois pela grandeza do clube e pelo que representa para a cidade e para a região. É um clube com ambição e que tem um projeto de futuro e que um treinador ambicioso como eu não poderia rejeitar.

Na I e II Ligas são raros os treinadores estrangeiros. É um sinal do valor do treinador português?
Penso que sim. Há um reconhecimento, não só cá dentro, mas também em termos internacionais. Hoje, o treinador português está no futebol como estavam os brasileiros há uns anos, fruto do reconhecimento da capacidade e do nível de formação.

Os treinadores portugueses estão mais qualificados?
Sim, mas não só pelos cursos, é também pela vontade de aprender mais. Além disso, temos uma grande capacidade de trabalho e de abnegação. Costumo dizer que o treinador português é como um camaleão: adapta-se a todo o tipo de situações. O treinador português tem vindo a ser valorizado muito justamente.

Como surgiu a entrada no mundo do futebol?
Sempre tive o sonho de ser jogador. Depois de ter terminado a carreira estive afastado cinco anos e formei-me. A oportunidade de ser treinador surgiu, curiosamente, através do Sindicato. O Dr. Joaquim Evangelista, um grande amigo dos tempos de jogador, convidou-me para treinar a equipa do Sindicato. Estive duas épocas no Estágio para jogadores sem contrato e serviu para testar se era esta a carreira que eu queria abraçar.

Foi uma experiência enriquecedora?
Foi fundamental. Foi aí que decidi que queria abraçar esta profissão. Ali não exigiam resultados, mas é uma realidade diferente. Era uma situação difícil de gerir porque quando há um jogador sem contrato que assina por um clube e os outros que lá estão vão continuando sem nada, a frustração vai aumentando e alguns acabam mesmo por desistir.

Qual é a principal virtude que um treinador deve ter para conquistar um grupo de trabalho?
Liderança, sem dúvida. O treinador tem de ser um líder para que a sua mensagem seja vista pelos jogadores como a ideia que têm de assimilar e tomá-la como se fosse sua.

Os dirigentes estão mais pacientes e não recorrem tanto à chicotada psicológica ou é inevitável?
Os dirigentes são pacientes se houver resultados. Se em termos de treinadores e jogadores o futebol evoluiu, penso que ao nível do dirigismo não houve a mesma evolução. Há dirigentes que estão no futebol português há muitos anos, mas estamos em processo de reciclagem. Seria benéfico que a formação abrangesse também os dirigentes, o futebol seria melhor para todos.

A classe dos treinadores é unida?
Não. Acho que isto é uma ‘selva’ e a mim custa-me ver treinadores que começam a trabalhar e colocam em causa o trabalho dos colegas que estavam antes. Esquecem-se que muitas vezes têm telhados de vidro. Temos de perceber que, muitas vezes, a competência é analisada pelo resultado. Infelizmente é assim e nós, treinadores, temos de ser mais ponderados e unidos.

Dos ensinamentos que adquiriu enquanto jogador, quais são os que está a aplicar como treinador?
Aquilo que aprendi de bom, em termos de liderança, de trabalho de campo e o que apreciava nos treinadores tento transmiti-lo aos meus jogadores. Aquilo que não gostava tento não cair nesse erro, como colocar um jogador a treinar à parte. Nunca vou fazê-lo, a não ser que haja um processo disciplinar. Posso não contar com um jogador, mas nunca o irei afastar do grupo de trabalho.

Os treinadores que foram jogadores têm mais aptidões para gerir um grupo de trabalho?
Temos algumas vantagens, como por exemplo uma maior sensibilidade para perceber o ambiente do balneário, mas não significa que quem foi jogador é melhor treinador do que quem não foi.

Quais são as suas referências como treinador?
Sinceramente, não tenho referências. Enquanto treinador vou-me socorrendo do conhecimento empírico enquanto jogador e da forma como lidei com os meus treinadores.

Até onde quer chegar enquanto treinador de futebol?
Sou como qualquer um. Quero ganhar sempre, chegar o mais longe possível e atingir patamares elevados, mas com os pés assentes na terra. Costumo dizer que não alimento ilusões porque senão a desilusão pode ser catastrófica. Quero fazer a minha carreira a pulso, de forma sustentada, como tem sido até aqui.

Que impressão tem da ação do SJPF?
O Sindicato faz um trabalho importante. Penso que todos os jogadores deveriam ser sindicalizados, porque só se lembram do SJPF em casos de despedimento e incumprimento. A classe dos jogadores também não é muito unida. Mas penso que o trabalho desenvolvido pelo Sindicato tem sido extraordinário e é importante para o futebol português.

Perfil:
Nome: Fernando Manuel de Jesus Santos “Nandinho”
Data de nascimento: 17 de março de 1973
Clubes como treinador: Gil Vicente (juniores), Gil Vicente e Famalicão.