“Nos Estados Unidos joga-se muito com o coração”


O defesa central é um exemplo de como uma carreira pode sofrer grandes oscilações. Um longo castigo podia tê-lo afastado do futebol, mas o apoio do Sindicato dos Jogadores e a sua qualidade levaram-no ao topo.

Cumpriu a segunda época no estrangeiro, ao serviço do Chicago Fire. Como foi a experiência?
No global, gostei muito. Estamos habituados a viver muito o futebol em Portugal. Nos Estados Unidos da América, o desporto é mais pelo espetáculo e pelo negócio. Em Portugal é tudo muito intenso, parece que vai acabar o mundo. Foi uma experiência espetacular.

Que diferenças existem entre a MLS e a Liga Portuguesa?
Em Portugal pensa-se muito mais o jogo, também devido à luta pela permanência, Europa e tudo mais. Há mais cautela no momento do ataque, não se pode errar. Basicamente, qualquer erro em Portugal é um golo. Nos Estados Unidos não. É muito mais físico e joga-se muito com o coração. Os americanos têm muito a ideia de avançar, marcar golo e dar espetáculo. Por vezes esquece-se um pouco a defesa e há goleadas na MLS de 4-0 ou 5-0 quase todas as semanas.

Na última época contou com o contributo de Schweinsteiger na sua equipa. Como é que lidaram com isso?
O Chicago Fire reforçou-se muito melhor no meu segundo ano no clube. Foram reforços com experiência da liga e de futebol, que é muito importante, e conseguimos fazer muito melhor do que no ano anterior. Chegámos ao play-off, algo que não tínhamos conseguido em 2016.

Como foi a adaptação aos Estados Unidos?
Adoro o meu país, sou completamente doente por Portugal e estou sempre a falar do meu país, mas adorei os Estados Unidos. É um país muito desenvolvido, Chicago é uma cidade fantástica. Consegui fazer alguns amigos e adaptei-me muito bem. Ao nível do futebol custou-me um pouco devido à mentalidade. Estava adaptado a estágios, àquela pressão antes do jogo, nos Estados Unidos não há tanto disso.

O que há em Chicago que é obrigatório visitar?
A América é completamente diferente do que se vê na Europa. Nos Estados Unidos temos os arranha-céus e os rooftops, temos a Riverwalk, que entra pela cidade, parece Veneza, e temos um lago gigantesco, que faz uma praia. Há dois anos quis levar uns amigos à ópera, porque é muito conhecida lá, tal como o jazz e os blues, e é mais a atração dos desportos, o basquetebol e a NFL. É mais o que eles querem ver.

Chicago também é uma cidade conhecida pela criminalidade. Alguma vez se sentiu inseguro?
Uma vez fizemos uma ação de solidariedade em que houve um tiroteio a 15/20 metros de mim. Mas isso é mais fora da cidade, nos subúrbios. Mesmo na cidade nunca vi tanta segurança. Num dia de folga dá para ir jantar, beber um copo e caminhar até casa e em Portugal se calhar isso é impensável.

Quando ia a Portugal havia alguma coisa que fazia questão de levar na mala para Chicago?
Não, o que estou a habituado a comer e a usar em Portugal também há nos Estados Unidos. Mas em Chicago não há um restaurante português e às vezes sentia a falta de um arroz de marisco ou de uma feijoada.

Esteve três épocas no Belenenses e a primeira coincidiu com o regresso à Primeira Liga. Foi um ano marcante?
Foi talvez o mais importante da minha carreira. Depois de me acontecer o caso de doping, foi a tempestade e veio a bonança. Jogava bem, estava feliz, também muito devido à pessoa que tínhamos à frente da equipa, o Mitchell [van der Gaag]. Foi o treinador que mais me marcou. Funcionávamos como uma família. No Natal levei dois colegas, o Desmarets e o Mamadou [Diawara] para jantarem na minha casa com a minha família, abrimos prendas... Foi um ano único.

Tem 30 anos. Pensa voltar a jogar em Portugal ou pretende experimentar outra liga no estrangeiro?
Nunca se sabe as propostas que podem surgir, mas vejo-me mais no estrangeiro. Isto são oportunidades que a vida nos dá. Também depende da família, fui novamente pai... Tenho 30 anos mas sinto-me muito bem, com juventude, força, ânimo e experiência.

Ainda acredita numa chamada à Seleção?
Tudo depende do próximo clube. No último ano estive no Chicago, se calhar não é uma liga atrativa para ser chamado à Seleção porque há jogadores à frente, mas nunca se sabe. Amanhã posso estar numa liga atrativa, em que as coisas me corram bem. É o meu sonho.

Inscreveu-se no Sindicato dos Jogadores dos EUA?
Sim, somos obrigados e todos os meses nos tiram dinheiro da conta! [risos] Pagamos uma percentagem do salário, no meu caso foram 1300 dólares por ano. Dão-nos uma ajuda quando chegamos à MLS, de 7500 dólares brutos. Aqui temos de alugar casa, temos de pagar tudo do nosso bolso, e eles dão-nos essa ajuda. Claro que a MLS tem coisas espetaculares mas não é tão fácil como as pessoas pensam.

Alguma vez recorreu aos serviços do Sindicato dos Jogadores de Portugal?
Já e se não fosse o Sindicato provavelmente hoje não jogava. Devido ao castigo que tive por causa do doping, os doutores Evangelista e Nogueira da Rocha ajudaram-me mesmo muito e conseguiram que o castigo fosse mais curto. Era de dois anos e passou para oito meses. Ainda hoje falo com o presidente e foi sempre espetacular. Só lhe posso agradecer tudo o que fez por mim.

Que opinião tem do trabalho realizado pelo Sindicato dos Jogadores?
Todos os jogadores deviam ser sócios. É um apoio gigante que temos e, quando precisamos, são as primeiras pessoas que estão lá.

Perfil
Nome: João Diogo Serpa Meira
Data de nascimento: 30 de abril de 1987
Posição: Defesa
Clubes: Vitória de Setúbal (formação), Vitória de Setúbal B, Cova da Piedade, Mafra, Atlético, Belenenses e Chicago Fire (Estados Unidos da América).