“Se os pais fossem mais rígidos, muitos não abandonavam os estudos”


O internacional angolano de 33 anos regressou à escola e está a concluir o ensino secundário.

Está a concluir o 12.º ano no Centro Qualifica, através do Programa de Educação do Sindicato. Como surgiu o interesse para voltar aos estudos?
Já há muito tempo que queria concluir os meus estudos. Numa das visitas que os delegados do Sindicato fizeram aqui na zona norte tive a oportunidade de falar com o Anselmo, que me disse que também tinha concluído e muitas pessoas o fizeram, como o João Paulo. E a minha vontade materializou-se. Ele mostrou-me que era possível estudar em vários sítios do país e, como vivo no Porto, ele indicou-me a Escola Secundária Fontes Pereira de Melo. Ao princípio foi um bocadinho difícil readquirir aqueles hábitos da escola, de ler e estudar, mas depois de começar, aquele bichinho ganhou forma e agora é difícil parar.

A família e o Boavista apoiaram-no relativamente aos estudos?
Sim. A minha mulher foi a primeira a dar-me força e o Boavista não estava muito a par porque quando comecei a estudar ainda estava no Arouca. Vim já com os estudos em andamento e claro que quando se aperceberam que precisava de ir para a escola, ficaram felizes e aconselham outros colegas a estudar. Neste momento veem-me como um exemplo a seguir.

Acha que faltam medidas que apoiem a conciliação dos estudos com a profissão de futebolista?
Exige um sacrifício maior, mas acho que é possível conciliar e temos muitos exemplos de colegas de profissão que o conseguiram fazer. Muitos são doutores e engenheiros. Conseguiram terminar os estudos sem deixar de jogar.

Consegue fazer bem a gestão do tempo para os estudos com o futebol?
Sim. O futebol é a nossa vida há muitos anos, mas arranja-se sempre tempo. Quem quiser mesmo estudar arranja tempo.

Terminar o 12.º ano sempre foi uma ambição?
Neste momento estou no 11.º e sempre foi uma ambição, claro. Queria pelo menos terminar o 12.º ano até para ter uma base de formação para o pós-carreira.

Quando terminar o 12.º ano pretende continuar a estudar e tirar um curso?
Por acaso é uma das coisas em que sempre pensei. Depois de terminar o 12.º ano vou pensar num curso que me fascine para o fazer.

Tem ideia da área pela qual irá optar?
Penso tirar Gestão Desportiva. É a área que melhor conheço e, se for possível, continuar ligado ao desporto. Para mim seria o ideal.

Um jogador com formação académica pode ser melhor em campo?
Não influencia muito porque o talento não se mede pelas capacidades intelectuais ou pelo grau académico. Claro que um jogador inteligente consegue perceber melhor os momentos do jogo, a forma como aborda o jogo e a própria carreira. Aí faz a diferença. Mas em termos de ser melhor ou pior acho que não. O talento é o mais importante.

É visto pelos colegas como um exemplo a seguir?
Sim, apesar de muitos não ligarem muito. Alguns, quando sabem que estou a estudar, dizem que também o deviam fazer. Olham-me como um exemplo nesse sentido.

Aconselha-os a não abandonar os estudos, sobretudo os mais novos?
Sim, aconselho muito, mas sabes que é um bocadinho difícil a juventude ter consciência disso. Só quando veem as coisas a seguir por outros caminhos é que pensam que deviam ter continuado os estudos.

Abandonar os estudos precocemente é uma das maiores “pragas” para quem quer ser jogador profissional?
Quando se começa a jogar futebol a um nível profissional muito cedo e és obrigado a mudar de cidade, os jogos são ao fim-de-semana, a meio da semana, mais os treinos, muitos jogadores acabam por optar primeiro por se afirmar no futebol em detrimento dos estudos. Mas penso que tem muito a ver com a família. Se a família te impuser que tens de terminar pelo menos o 12.º para depois poderes jogar... Mas muitos pais vivem na ilusão do sonho do filho ser futebolista e deixam a formação em detrimento do sucesso a nível futebolístico. Se os pais fossem mais rígidos com a formação, muitos não abandonavam os estudos.

O Boavista ocupa o sétimo lugar, logo atrás dos habituais candidatos às provas europeias. Qual é a principal virtude da equipa para uma época tão positiva?
Penso que é o grupo de jogadores que se conseguiu formar. É uma mescla de jogadores mais experientes com muita juventude e com bastante qualidade. O plantel é muito competitivo. E temos um treinador, que entrou no decorrer do campeonato, o Jorge Simão, que é muito bom e competente naquilo que faz, e tem sabido tirar o melhor proveito da equipa. Conseguiu montar uma fortaleza no Bessa e é difícil perdermos jogos em casa. A grande força da nossa época tem sido os pontos que fazemos em casa.

A nível individual tem seis golos em 25 jogos a contar para o campeonato, números superiores aos das últimas épocas. A que se deve esta subida de rendimento em termos de eficácia?
Sim, a época a nível individual tem estado a correr-me bem. Em relação às épocas anteriores, nas quais joguei mais e fiz menos golos, penso que nesta época tenho estado nos momentos certos, na hora certa. Se calhar, com o passar dos anos, vamos abordando os jogos de uma maneira mais inteligente, não tanto a nível físico, mas a nível mais de posicionamento e de leitura de jogo, e estamos sempre frescos e disponíveis na hora de fazer o último remate. O segredo tem estado aí. É para dar continuidade e superar essa marca. Temos ainda seis jogos por fazer e claro que o objetivo é aumentar esse número de golos.

Apesar de ser angolano, está em Portugal há muitos anos e conhece bem o futebol nacional. Quais são as suas perspetivas para a equipa de Fernando Santos no Mundial?
Penso que terá uma palavra a dizer, mas não coloco Portugal no lote dos favoritos a ganhar o torneio, como são Brasil, Espanha, Alemanha e França. Será um outsider, mas, como campeão da Europa, terá sempre o respeito por parte das outras seleções. Espero que Portugal consiga fazer uma participação muito boa e se possível surpreender o mundo, tal como aconteceu no Europeu. Temos perspetivas positivas para que tudo possa correr bem para Portugal e que o Ronaldo esteja em boa forma também!

Qual é a sua opinião sobre a atuação do Sindicato?
O trabalho do Sindicato tem sido muito bom ano após ano, apesar das armas limitadas que temos tido. Penso que tem estado na luta em todas as frentes, sempre defendendo os nossos interesses, e eu, como associado, estou muito feliz porque tenho tido sempre apoio do Sindicato em tudo o que preciso.


Perfil
Nome: Mateus Galiano da Costa
Data de nascimento: 19 de junho de 1984
Posição: Avançado
Clubes que representou: Desp. Beja (formação), Desp. Beja, Sporting B, Casa Pia, Lixa, Gil Vicente, Nacional, 1.º de Agosto (Angola), Arouca e Boavista.