A nova vida de Bruno Simão


Depois de sofrer um grave acidente de viação, o jogador do Casa Pia recuperou a saúde, mas não só.

A perspetiva de uma futura carreira como Técnico de Exercício Físico fê-lo recuperar também o entusiasmo.

A vida de Bruno Simão teve uma curva imprevista na manhã de 24 de janeiro, quando o jogador do Casa Pia sofreu um acidente de viação que o atirou, inconsciente, para uma cama de hospital em estado muito grave. Todo o lado esquerdo foi afetado: omoplata e costelas fraturadas, um pulmão perfurado e os tecidos musculares rasgados durante a intervenção médica que lhe salvou a vida.

“O primeiro impacto de que me lembro, ao acordar, foi tentar perceber o que estava ali a fazer. Senti um choque, porque nunca tinha estado hospitalizado na vida. Pensei logo em duas coisas. Uma, foi na minha filha. A outra, foi se iria recuperar totalmente a saúde. E, se isso não acontecesse, como seria a minha vida dali para a frente”, recorda o defesa, de 32 anos, em conversa com a JOGADORES, na última etapa de uma recuperação miraculosamente rápida e completa.

Quando as primeiras notícias animadoras começaram a chegar, ao fim de alguns dias de sofrimento, o passo seguinte foi pensar na carreira de futebolista e na possibilidade de regresso a um mundo que integra como praticante desde os oito anos de idade: “A partir do momento em que tive contacto com a minha filha fiquei mais tranquilo. Ter sobrevivido sem sequelas foi um milagre, mas a partir daí vieram outras interrogações.” Quanto tempo teria pela frente até dar os primeiros passos? Voltaria alguma vez a jogar?

OLHAR PARA O FUTURO
O sucedido reforçou a consciência de que era urgente acautelar um futuro sem chuteiras calçadas, ideia que Bruno já alimentava há algum tempo: “Antes do acidente, já admitia que este ano fosse o último, porque há pessoas muito pouco sérias neste mundo. Na realidade do Campeonato de Portugal, por exemplo, onde já se paga pouco, haver clubes com três meses de atraso em salários abaixo dos mil euros, dá para imaginar o impacto que isso tem na vida de uma pessoa com família, casa e carro para pagar. Não consigo perceber como é que pessoas com responsabilidades nos clubes convivem com o facto de terem jogadores a passar fome”, refere, admitindo algum desencanto com o meio.

Bruno apressa-se a ressalvar que, no seu caso, encontrou uma exceção feliz no último clube que representou antes do Casa Pia, o Pinhalnovense, no qual só teve a oportunidade de jogar uma vez, três dias antes do acidente: “Felizmente as pessoas do Pinhalnovense foram exemplares, muito sérias, e merecem todo o meu respeito. Quando os médicos me confirmaram que na próxima época estaria em condições de jogar admiti logo que poderia renovar, caso assim o quisessem”, admite.

Outro aspeto positivo foi a solidariedade que encontrou, por parte de muitas pessoas com as quais se foi cruzando ao longo de uma carreira bem preenchida: “Senti-me muito acarinhado por pessoas ligadas ao futebol. Jogadores, ex-jogadores, treinadores, diretores e presidentes de clubes por onde passei, com quem já não falava há muito tempo. Até da Roménia e da Moldávia me ligaram. Senti que o mundo do futebol estava comigo e a sensação de não estar sozinho foi muito importante para eu conseguir uma recuperação tão rápida.”

“UMA OPORTUNIDADE FANTÁSTICA”
Pouco depois do acidente, Bruno Simão foi contactado pelo Sindicato dos Jogadores, que lhe abriu a possibilidade de fazer uma formação – com custos integralmente suportados, no seu caso – para Técnico Especialista em Exercício Físico, no âmbito da parceria recém-criada com a Holmes Place Academy.

O futebolista não precisou de pensar muito para agarrar o novo rumo com as duas mãos: “Depois do acidente comecei a ver a vida com outros olhos, a dar importância a outras coisas e a pensar mais a sério no que vinha aí. Já tinha umas luzes, mas nada de muito sério. Até que o Sindicato me proporcionou esta oportunidade fantástica, numa área que já queria seguir há muito tempo, porque tenho muitos amigos nesta atividade”, revela, admitindo que como profissional sempre teve um gosto especial em fazer trabalho de ginásio.

A experiência tem feito com que o jogador do Casa Pia recupere o espírito dos primeiros anos de carreira como jogador: “Estou super entusiasmado, vou para lá todos os dias com muita alegria e admito que já não sentia isto há algum tempo”, afirma, reconhecendo que a realidade crua do futebol lhe tinha feito perder algum encanto com o meio, apesar da alegria com que, durante a conversa, refere o trajeto do irmão mais novo, David Simão, a quem trata carinhosamente por “menino de ouro”.

“Costumo dizer que ao longo dos anos me foram matando o sonho de menino, embora a paixão continue cá dentro”, sublinha.

Agora o desafio é outro, e igualmente exigente, até porque exige uma aprendizagem consistente, ao longo de um ano. Mas Bruno não esconde o entusiasmo com a perspetiva de uma carreira futura que possa prolongar a ligação ao desporto: “Vou ser honesto, isto é um regresso às aulas, uns bons anos depois. Não é fácil, mas eu já tinha sido avisado. Há disciplinas nas quais tenho de estar realmente focado ao máximo, porque há muita coisa nova para mim. Mas estou pronto para o desafio, é realmente isto que quero fazer no futuro. Não sei se continuarei ligado de alguma forma ao futebol, mas ao desporto quero continuar ligado a vida toda”, conclui.