“A minha ambição é maior que as dificuldades”


O médio do Sporting conquistou cinco prémios de Melhor Jovem do mês depois de cinco anos em Itália.

Parabéns pela mão cheia de prémios! Com tantas distinções seguidas, esperava que a sua época de estreia na Primeira Liga fosse assim tão fácil?
Fácil é uma palavra forte. Não esperava ter tantos prémios logo nos primeiros tempos, mas foi bom para a minha adaptação e o meu crescimento para o resto da época. Deu-me um grande impulso para melhorar e trabalhar a cada dia para receber mais reconhecimento. Estas distinções são importantes para qualquer jogador, são sinal de que o nosso trabalho está a ser bem feito… mas pode vir a ser melhorado.

Teve um percurso invulgar, concluindo a formação no futebol italiano, onde cumpriu as primeiras épocas de sénior. Estreou-se na I Liga aos 22 anos. Sente que foi a altura certa, em termos de maturidade, para voltar a Portugal?
Acho que sim. Estes cinco anos em Itália foram muito produtivos, para mim e para o meu crescimento. Ter ido para Itália sozinho, desde muito cedo, e adaptar-me a uma realidade completamente diferente foi muito importante. Quando voltei, vinha pronto a jogar num clube como o Sporting. Porque a questão, para mim, não era tanto a de voltar a Portugal e ao futebol português, mas sim a de estar preparado para um grande clube, com as responsabilidades que isso traz.

Quando se confirmou a vinda para o Sporting definiu objetivos? Acreditou que ia impor-se como elemento importante da equipa logo na época de chegada?
Acreditava que vinha para ajudar a equipa e com um objetivo pessoal, que era conquistar títulos. Ora o meu objetivo é também o do clube, o que facilita as coisas e me ajuda a ter motivação para trabalhar. Porque o Sporting dá-me mais do que motivos e condições para tentar chegar aos títulos. O mais importante para mim, nesta opção de carreira, era poder ganhar campeonatos, taças e por aí fora. Conseguimos ganhar a Taça da Liga.

Voltando um bocadinho atrás, começou no Infesta e fez quase toda a formação no Boavista. O que o levou a ir com 18 anos para o futebol italiano, mais concretamente para o Novara?
Apareceu-me a possibilidade de ir para Itália, e achei que tinha de correr o risco. Na altura, infelizmente, o Boavista não estava a passar uma boa fase, acabou por ir para divisões inferiores, e nunca me foi dada a possibilidade de jogar pela primeira equipa, o que é uma das recordações menos positivas que tenho de um clube de que continuo a gostar muito. Tinha o sonho de jogar lá, desde que entrei nos escalões de formação, e isso acabou por não se concretizar. Nessa altura saí um pouco triste, mas sabia que indo para Itália tinha uma grande possibilidade, ao mesmo tempo que corria um grande risco. Para mim, nessa altura, a ida para Itália representava a maneira mais certa de singrar e de ser alguém no futebol.

Já tinha a ambição de jogar fora de Portugal quando começou a formação?
Não, a ambição inicial era a de chegar à primeira equipa do Boavista, um objetivo ao mesmo tempo realista e bem definido. Na altura em que eu começo a formação era um clube de grande dimensão, com grande estrutura, que tinha acabado de ser campeão duas ou três épocas antes. Isso não aconteceu, e talvez tenha sido a minha sorte, porque se calhar acabaria por ficar um bocadinho preso ali. O destino quis que eu fosse para fora e acredito que foi o melhor para mim.

O seu caso foi uma exceção ou acha recomendável que um jogador de 18 anos saia à procura de uma oportunidade no futebol estrangeiro?
Acho que é uma questão de ambição, de querer e vontade. Se houver esta ambição de ser jogador, quando te apresentarem uma proposta desportiva no estrangeiro que te pode fazer crescer e fazer chegar a patamares mais altos, acho que deves arriscar. Mas tens de estar consciente de que esse risco te pode tirar muitas coisas no imediato, mas no futuro te pode dar outras, muito melhores.



Viveu alguma situação insólita nesses primeiros tempos?
Os napolitanos têm a superstição de nunca passarem o sal da mão de uns para outros. Na equipa júnior eu tinha um colega napolitano, a quem um dia à mesa pedi para me passar o sal. Em vez de esperar que o pousasse na mesa, antecipei-me e tirei-lho da mão. E ele fez questão de me obrigar a atirar sal para trás das costas, para limpar os maus-olhados. Tanto insistiu que eu, para ele ficar satisfeito, lá lhe fiz a vontade…

Chega para a equipa sub-20 do Novara, mas rapidamente passa à equipa principal. Nunca teve dúvidas acerca das suas capacidades?
Os primeiros tempos foram difíceis. Não falando italiano, e sendo os treinos em Itália muito físicos, para mais em tempo de pré-epoca, não consegui mostrar logo o que podia dar à equipa e quais as minhas qualidades. Mas após os primeiros amigáveis as coisas começaram a correr bem. E a partir do momento em que os teus colegas percebem o tipo de pessoa que és em campo, isso ajuda a que te tratem ainda melhor fora dele. Depois, o meu treinador da equipa júnior [N.R.: Giacomo Gattuso], que acreditava muito em mim, esteve uns jogos à frente da equipa principal, como interino, e deu-me os primeiros minutos. Como as coisas correram bem quando o novo treinador chegou deu-me a possibilidade de jogar com regularidade, passado algum tempo.

Para quem vê de fora a progressão é muito rápida. Afirma-se como titular em Itália, com 18 anos, na primeira época como sénior. Dá o salto imediato para uma equipa de série A, a Udinese, onde também se impõe na temporada de estreia…
Houve dificuldades, mas senti sempre que a minha ambição era maior do que as dificuldades com que me deparava. Sempre fui muito ambicioso, sempre tive objetivos bem definidos, e estes passam sempre por jogar, independentemente da equipa onde esteja. O ter acabado de chegar, o ser novo, o ser melhor ou pior do que os outros não me desviam do objetivo de trabalhar sempre no máximo das capacidades para poder estar em jogo.

Em Itália já era abordado nas ruas?
Isso aconteceu mais na Sampdoria. Udine é uma cidade mais pacata, onde as pessoas gostam de futebol, mas deixam-te sossegado. Em Génova as pessoas são mais apaixonadas, principalmente porque a cultura do dérbi é muito forte e a rivalidade entre a Sampdoria e o Génova é muito grande. Por isso, quando as pessoas me viam na rua faziam questão de ir ter comigo, de tirar uma foto, essas coisas…

O que lhe deu o futebol italiano por comparação com um percurso em Portugal ou em outros campeonatos?
Principalmente a maturidade tática, cresci muito taticamente em Itália. Na formação, mesmo no Boavista, sempre joguei em muitas posições: a central, lateral direito, médio centro e até mesmo ponta de lança. Isso foi-me ajudando a estar sempre disponível para o jogo. Depois no futebol italiano, com o trabalho tático específico, aprendemos outras coisas. Independentemente de estarmos a treinar a médio, apercebemo-nos dos movimentos do lateral direito, do lateral esquerdo, do avançado, do extremo. Isso torna-nos mais atentos ao que se vai passando no treino, ao que o treinador vai dizendo a uns e a outros.

Em Itália trabalha-se uma visão mais global do jogo, é isso?
Vamos captando um pouco de tudo e isso faz-nos crescer, porque todos temos de ter a mesma competência tática. Há momentos em que devemos compensar a posição de um colega e é importante sabermos o que ele deve fazer naquele momento, porque isso pode ser fulcral para salvar um golo, para ajudar a equipa a recuperar bolas, ou simplesmente para manter a equipa bem organizada. Ao longo dos anos as equipas italianas têm vindo a demonstrar que são mestres da tática, são as mais organizadas em campo - isto independentemente de terem mais ou menos sucesso, de marcarem poucos golos ou muitos – e são equipas que ao longo dos anos têm passado grandes informações a todas as outras.



Isso facilitou a relação com Jorge Jesus, um treinador que reconhecidamente dá muita importância a essas questões?
Sim, o mister também gosta muito de trabalhar a organização tática. Tem como preferência estar bem organizado em campo, estudando bem a equipa adversária e os seus movimentos. A tática não é só defensiva, existe também a parte ofensiva, que passa por estudar onde os adversários podem ter mais dificuldade e trabalhar os movimentos para aproveitar esses pontos. Ao longo dos anos o míster Jorge Jesus tem mostrado que entende o jogo assim, sabe trabalhar os jogadores e fazê-los crescer nesse aspeto.

Tem mais do dobro dos golos em relação à sua melhor época em Itália. Mudou a maneira de jogar, no Sporting, ou isso deve-se à realidade diferente do futebol português?
Obviamente que tem a ver com a maneira de jogar do Sporting. Até aqui chegar jogava em equipas – o Novara, a Udinese, e mesmo a Sampdoria - que não entravam em todos os jogos com a obrigação de vencer. Nenhuma delas tem a ambição que o Sporting tem, nenhuma podia lutar pelo título. Sendo o Sporting uma equipa mais forte, e com jogadores melhores do ponto de vista técnico, isso ajuda a que eu esteja melhor, mais perto da baliza e com mais situações para remate.

Falemos desse remate, que é uma das suas características mais notadas. É uma aptidão natural ou resulta de trabalho específico?
Sempre tive alguma facilidade, desde a formação. Mas ao longo dos anos trabalhei muito em cima desse ponto forte. Sabia que poderia chegar a um nível superior, em que as coisas saem mais facilmente, em que há mais noção do que temos de fazer quando estamos fora da área, quando temos mais ou menos espaço, como controlar a bola em cada situação e como coordenar o corpo em função disso. Porque chutar uma bola toda a gente sabe, a bola não é pesada, por isso qualquer pessoa faz chegar a bola de fora da área até à baliza. O difícil é a coordenação do corpo e do movimento, para que a bola saia com mais precisão.

Houve referências para esse trabalho?
Tive um treinador, o Paolo Miano, que tinha sido jogador da Udinese, que me ajudou muito a melhorar. E depois tive a sorte de trabalhar com o Di Natale, um finalizador nato, que me ensinou muito ao nível da coordenação. Com ele aprendi que o remate nem sempre tem de ser muito forte, porque a força é uma consequência da coordenação com que abordamos a bola. O foco deve ser esse.

E referências como jogador. Em quem se revia no período de formação?
A única pessoa em quem me revia e revejo é o meu pai. Porque era, e é, uma pessoa ambiciosa e lutadora. Obviamente que adorei ver alguns jogadores. Tive este ano a possibilidade de defrontar um dos jogadores que mais admiro, o Iniesta. Em Itália tive a oportunidade de defrontar um jogador como o Pirlo, que já foi número 10, já foi interior e acabou a carreira como 6. Admiro esses dois, pelo que são ou foram como jogadores, mas também como pessoas. Tive ocasião de falar e de trocar de camisola com o Iniesta, que confirmou ser alguém espetacular, de uma simplicidade absoluta.



Chegou relativamente tarde às seleções jovens. Não receou ser esquecido pelo facto de não ter um trajeto notado em Portugal?
Não, acho que foi um percurso normal. Fui chamado aos sub-21 antes do Europeu de 2015, onde fomos finalistas vencidos. Fiz o estágio e acabei por ser um dos dois preteridos, por opção do míster. A verdade é que tínhamos uma seleção com muita qualidade e jogadores que estão agora quase todos na Seleção principal. O único que por enquanto ainda não chegou lá é o Sérgio Oliveira, de resto o meio-campo tinha William Carvalho, João Mário e Bernardo Silva, o que explica muita coisa. E eu tinha a possibilidade de jogar mais um Europeu, como veio a acontecer, tendo o prazer de capitanear a Seleção.

A estreia na Seleção principal foi o passo seguinte, em novembro, já depois de se afirmar como titular no Sporting…
Já tinha esse objetivo bem definido desde que estava em Itália, não foi o ter vindo para o Sporting que acelerou a ambição. Mas obviamente que estar numa equipa grande facilita. A chegada ao Sporting ajudou-me a desenvolver capacidades, jogando ao mais alto nível, na Liga dos Campeões e na Liga Europa, com equipas ainda mais fortes do que as que estava habituado a enfrentar. Isso fez-me melhorar nos pontos fracos, tornou-me melhor jogador, e completou um ciclo que me fez chegar à Seleção principal.

Falou há pouco da ambição como uma das principais características. É suficientemente grande para daqui a uns anos se poder dizer que deixou a sua marca no futebol português?
Vou tentar deixar a minha marca no Sporting. Espero que um dia, se acontecer eu sair deste clube, as pessoas tenham uma boa recordação de mim, como jogador e, principalmente, como pessoa. A valorização de um jogador é relativa, num ano estás bem, logo a seguir estás mal e de um dia para o outro acabas por ser esquecido. Por isso quero começar por deixar uma grande imagem junto das pessoas com quem trabalho, com quem partilho o balneário e os momentos da equipa. Espero que essas pessoas se lembrem de mim como um bom jogador, mas principalmente como uma grande pessoa. E espero que os adeptos também me recordem assim, porque nós jogamos para eles e a nossa vida é feita para lhes dar alegria e esperanças.

Se não fosse jogador, o que gostaria de ter sido?
Desde pequeno tenho uma grande paixão por animais. Sempre pensei que se não tivesse possibilidade de ser jogador gostaria de ser veterinário. Não sei se teria as capacidades para isso, mas é uma profissão de que gosto.

Passou-lhe pela cabeça seguir estudos nessa área?
Não, porque saí cedo de Portugal. Quando saí estava num curso de gestão desportiva, que é uma coisa de que gosto e que queria levar até ao fim. Acabei por não conseguir, faltam-me dois anos, mas um dia mais tarde posso recomeçar o curso e completar o que me falta.



Em que gosta de ocupar os tempos livres?
Sou uma pessoa muito caseira. Gosto de estar com a família, e especialmente gosto de estar com a minha filha de um ano [N.R.: Matilde], de passear com ela, porque ultimamente passo pouco tempo em casa. De resto vejo muitas séries e muitos filmes. O meu género preferido é a comédia, mas um dos filmes de que mais gostei e que me marcou muito foi o “2012”, um filme-catástrofe sobre o fim do mundo.

E tipo de música preferido, tem?
Não, sou muito aberto a todos os géneros de música. Não sou daqueles que no balneário põem sempre o mesmo estilo, gosto bastante de reggaeton, música clássica, rap português ou americano, até o funk brasileiro. Gosto de quase tudo.

Qual é o significado da tatuagem que tem no braço?
O “B” é de Bruno, mas também de Borges, que é o último nome da minha mãe. O “F” é de Fernandes, que é o último nome do meu pai. O “8” é um número de que gosto muito, porque era o número com que o meu pai jogava e é o dia do meu nascimento.

Tem alguma superstição antes dos jogos?
Não. Ultimamente ganhei o hábito de falar com a minha filha. E antes de entrar no balneário gosto de ter uma foto dela naquele preciso momento, esteja a dormir ou acordada. É um empurrãozinho, digamos assim, uma motivação extra.

A fechar, qual a sua opinião acerca do papel do Sindicato dos Jogadores?
Ao longo dos anos tem vindo a crescer. Acho que o Sindicato desempenha um papel importante, porque muitos jogadores não têm as ajudas que deviam ter. Nos últimos anos este mundo dos empresários tem estragado jogadores, porque há agentes que por vezes nem sabem os nomes dos jogadores que têm e acabam por deixá-los cair no esquecimento. O Sindicato tem ajudado nessas situações, e também pode ser útil aos que estão em bons clubes e têm a possibilidade de ter uma boa vida. Por isso, continuem, tenho a certeza de que vão ser úteis a muito mais gente.


Perfil
Nome completo: Bruno Miguel Borges Fernandes
Data de nascimento: 8 de setembro de 1994
Posição: Médio
Percurso como jogador: Infesta (formação), Boavista (formação), Pasteleira (formação), Boavista (formação), Pasteleira (formação), Boavista (formação), Pasteleira (formação), Boavista (formação), Novara (formação), Novara (Itália), Udinese (Itália), Sampdoria (Itália) e Sporting.