“Fui sempre capitão, mesmo quando joguei no estrangeiro”


O centrocampista do Famalicão impõe uma liderança natural no balneário.

Mereceu a braçadeira de capitão. Como foi eleito para o cargo?
Logo no meu primeiro ano no Famalicão, na altura o treinador era o Daniel Ramos, passado algum tempo incluiu-me no lote dos capitães. Entrei no grupo dos quatro capitães, foram saindo alguns jogadores até que fiquei eu. Agora estou com muito orgulho a capitanear a equipa do Famalicão.

Já tinha sido capitão noutros clubes?
Por onde passei fui sempre capitão, mesmo quando joguei no estrangeiro. Cheguei a ser capitão na Grécia e no Chipre. Já nas camadas jovens do Vitória de Guimarães fui sempre capitão.

Sente que impõe uma liderança natural no balneário?
Sim. Às vezes é o próprio caráter das pessoas que faz com que os treinadores façam essas escolhas. Se calhar os treinadores viram essa característica em mim e optaram por essa situação.

Há algum capitão que tenha como exemplo?
Há vários, mas em tempos gostei muito do Figo. Sempre achei que era um exemplo para os mais jovens pela sua determinação dentro de campo, pela sua liderança, e por outros motivos extrafutebol que fui ouvindo sobre ele. Sempre tive boa impressão e admiração pelo Figo.

Sendo capitão e um jogador tão experiente, que valores transmite aos mais jovens?
Os mais velhos, e ainda para mais sendo capitão, tentam incutir o espírito que se vive no balneário, o próprio espírito do clube. Nem sempre é fácil lidar com os mais jovens, mas tentamos fazer o melhor trabalho possível para que possam aprender algo connosco.

Como capitão, alguma vez precisou de chamar um colega à atenção de uma forma mais autoritária?
Tento chamar à atenção sempre da melhor maneira possível. Às vezes é como um pai para um filho: avisa uma, avisa duas e se não entendem é preciso dar um “puxão de orelhas”. Já me aconteceu, até foi quando joguei lá fora, e penso que ele entendeu a situação. 

Ter de assumir esse papel é uma situação ingrata ou foi natural?
Foi uma situação que se passou dentro de campo e, como os capitães são os líderes dentro de campo, tentei, de uma forma que não fosse muito vistosa, chamá-lo à atenção. Depois, já no balneário, tive de impor-me mais um bocadinho porque já só estava o grupo e também serve de aviso para o resto do pessoal.

Do que é que os capitães costumam falar quando trocam galhardetes? Muitas vezes vemos os jogadores e o próprio árbitro a rir.
Sim, há árbitros que promovem esse bom ambiente. Como já tenho uma certa experiência e se o capitão adversário também for para a minha idade, os árbitros até costumam brincar um bocadinho: “vá lá, somos todos velhotes, já não vamos entrar em maluqueiras, transmitam também isso aos miúdos”. É mais para ajudar a descontrair e penso que é bom quando os árbitros põem os jogadores assim à vontade. É uma atitude de enaltecer até para que o jogo corra da melhor maneira possível.

E costuma haver algum tipo de picardia saudável com o outro capitão, algumas bocas na brincadeira?
Se já tivermos uma certa confiança com o capitão adversário há sempre aquela boquita: “atenção que hoje não é para brincar. A partir de agora acabou-se a amizade”. Mas sempre no bom sentido. Ou bocas como: “vamos lá com calma, não me venhas lixar a vida”. Sempre dentro do fair-play, nada mais do que isso.

Os árbitros costumam ser mais tolerantes com os protestos dos capitães?
Sim, sem dúvida. Então se for um capitão já com alguma experiência são muito mais tolerantes do que em relação a outro jogador, sobretudo mais jovem. Também porque sabem que é um momento do jogo, sabem que os capitães e os jogadores mais velhos falam de outra maneira e se agimos no impulso é sempre dentro da lealdade e da educação. E às vezes os jovens não conseguem ter esse discernimento.


Alguma vez foi expulso por palavras enquanto capitão?
Curiosamente, em toda a minha carreira nunca fui expulso por falar. Por acaso os meus colegas até brincam comigo e dizem que é impossível nunca ter sido expulso porque estou sempre a contestar. Dentro de campo sou um bocadinho impulsivo, mas nunca ultrapasso o limite. Às vezes, quando protestamos mais, só pelo olhar do árbitro sabemos que temos de parar. Essa tal experiência vem ao de cima e sabemos que temos de parar ali. E muitas vezes os jogadores mais jovens continuam a gesticular e acabam por ser expulsos.

Jogou em Espanha, Escócia, Grécia e Chipre. Notou muitas diferenças em relação aos árbitros?
O campeonato de que mais gostei, mesmo em termos de árbitros, foi o escocês. Sem dúvida. É exatamente como no campeonato inglês. O árbitro conversa com o jogador, que muitas vezes está a protestar, fica quieto a ouvir e só quando o jogador se acalma é que ele começa a falar. Achei isso muito curioso. Aqui em Portugal há árbitros que não toleram isso. A minha passagem pela Escócia foi uma experiência muito boa nesse aspeto. Em relação aos árbitros dos outros países, são parecidos com os portugueses.

Do que é que gostou mais na liga escocesa?
O meu primeiro ano lá foi um pouco a mudança da mentalidade do futebol escocês. Sempre muito físico, jogo muito rápido, com poucas paragens. Antes de ir para lá pensava que não se jogava tanto, que era mais a bola pelo ar, como era o futebol inglês antigamente. E no meu primeiro ano lá houve um bocadinho essa mudança. Os outros portugueses que estavam lá também notaram. Mas a intensidade, a forma como se vive o futebol fora e dentro do campo, foi uma experiência que adorei.

E ganhou algum hábito dessas culturas, como a sesta dos espanhóis?
Não. Os gregos também têm esse hábito. Depois de almoço vão dormir a sesta, tanto que na Grécia o comércio fecha das 14h00 às 17h00. Por natureza os gregos já não gostam de trabalhar, por isso o país está na situação que está, preferem dormir a sesta ou ir para os cafés, depois às 17h00 começam a abrir as lojas. Mas não ganhei esse hábito.

O Famalicão está há três épocas na II Liga e a fazer uma campanha tranquila. Qual é o segredo para esta estabilidade?
O segredo é os próprios jogadores tentarem adaptar-se o mais rápido possível. O Famalicão, mesmo na II Liga, é daqueles clubes onde se vive de uma maneira diferente em relação a outros. Tem uma massa adepta muito exigente, mas que também apoia muito, e os jogadores que vêm para o Famalicão procuram adaptar-se o mais rápido possível a esta realidade. E nós, os mais velhos, tentamos ajudá-los a entrar nessa alma que é o Famalicão. Acho que esse é um dos grandes segredos.

Tem 36 anos. A carreira de treinador será o passo seguinte ou não sente vocação para esse papel?
Sinceramente, acho que não é o papel que gostaria de assumir. Talvez diretor desportivo ou diretor de scouting seria uma função na qual estaria mais interessado. Nunca podemos dizer nunca, mas se puder escolher não vou optar por ser treinador.

Como tem visto a atuação do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Sou sócio há vários anos e acho que todos os anos tem melhorado. Tem feito coisas muito boas em prol do futebol, para que as pessoas gostem cada vez mais de futebol. E é de salutar todas as pessoas que têm feito para que isso possa acontecer.


Perfil
Nome: Vítor Manuel Lima Santos
Data de nascimento: 10 de agosto de 1981
Posição: Médio
Clubes que representou: Vitória de Guimarães (formação), Salamanca (Espanha), Zamora (Espanha), Caçadores das Taipas, Académico de Viseu, Falkirk (Escócia), Ethnikos Piraeus (Grécia), Doxa Dramas (Grécia), Ethnikos Achnas (Chipre), Iraklis (Grécia) e Famalicão.