"Matrioskas"


O futebol português continua a revelar-se uma autêntica “caixa de pandora” no que respeita a condutas impróprias, lesivas da ética e da verdade desportiva. O problema da falta de receita dos clubes portugueses não é novo. Trata-se de um fenómeno enraizado na cultura desportiva nacional, que o SJPF acompanha com evidente preocupação, quer por determinar a perda de capacidade de investimento e competitividade da esmagadora maioria dos clubes nacionais, quer por criar “terreno fértil” para actos de gestão danosa, que agudizam os problemas financeiros e punem, inevitavelmente, os protagonistas do espectáculo.

Neste contexto, tendo em conta que ninguém vive de “receitas mágicas”, a fiscalização continua a ser a chave. Basta analisar o número de clubes em dificuldades financeiras, em especial os que enfrentam processos especiais de revitalização ou processos de insolvência, para perceber que algo falhou e continua a falhar nesta matéria.

Eis que surge a operação “Matrioskas”, levada a cabo pela Polícia Judiciária, com o objectivo de investigar negócios ilícitos que envolvem o maior accionista da SAD do União de Leiria. Não vislumbro melhor exemplo da necessidade de alterações que há muito o SJPF propõe: é preciso rever urgentemente os mecanismos de fiscalização e clarificar as ‘regras do jogo’ para os investidores.

Sabemos que o futebol português integra um mercado à escala global e, por isso, não pode deixar de captar o investimento estrangeiro e de se abrir a novas fontes de receita. Contudo, a obtenção de financiamento não pode ser feita a todo o custo, transpondo os limites da legalidade. Se nos escusamos a aferir a idoneidade dos investidores, bem como a legitimidade dos recursos financeiros de que dispõem, abrimos a porta a novas “matrioskas”, tornando o mercado português apetecível para aqueles que, ao invés de contribuírem para o sucesso desportivo das equipas que controlam, promovem o crescimento das organizações criminosas que gerem. 

A importância deste tema vai muito para além da criminalidade fiscal: o fenómeno das apostas ilegais, os resultados desportivos combinados (match-fixing) e o tráfico humano são apenas alguns dos flagelos que consentimos de forma encapotada. É preciso agir!

Artigo de opinião publicado em: jornal Record (10 de Maio de 2016)

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