A Lei do Chicote


Qualquer treinador deve saber que só pode planear aquilo que controla. Se não o souber, por mais empenhado que seja no seu trabalho, este não passa de um mero exercício de inutilidade. Assim, o pensamento estratégico do treinador, que se traduz no processo de planeamento, deve ser organizado tendo em atenção que existem três tipos de acontecimentos:

1. Conhecidos certos;

2. Conhecidos incertos;

3. Desconhecidos.

Acontecimentos conhecidos certos.

Estes acontecimentos são previsíveis e, por isso, estão dentro do controlo do treinador. Geralmente repetem-se, pelo que o treinador deve montar as rotinas necessárias que vão desde aquelas que garantem a vida da equipa no clube, até às formas jogadas, passando pelas relações de ordem e disciplina que devem acontecer dentro do grupo. Quer dizer que o treinador não tem de estar todos os dias a inventar a roda. Ele cria e planeia as rotinas que passam a funcionar automaticamente. Mas, no domínio dos acontecimentos certos, o treinador deve ainda considerar no seu plano estratégico os compromissos necessários a fim de estabelecer dentro dos prazos mais convenientes todos os acordos com terceiros: com os jogadores; com os dirigentes; com outras entidades internas ou externas à equipa e ao clube. Portanto, estamos no domínio dos acontecimentos considerados certos e, como tal, controláveis, quer dizer, planeáveis: estão dentro da esfera de acção do treinador. Este tipo de acontecimentos constitui a base do planeamento do treinador.

Acontecimentos conhecidos incertos.

O treinador deve também considerar os acontecimentos conhecidos que, numa lógica contingencial, podem ou não acontecer e, se acontecem, eventualmente acontecem de diversas maneiras. Quer dizer, ele conhece-os mas não os controla. Estes acontecimentos obrigam a planos de contingência, já que devem considerar as hipóteses mais plausíveis no que diz respeito à sua eventual ocorrência. Por exemplo, a organização do treino pode ter de considerar se chove ou não; a organização do jogo se o adversário vai ou não jogar à defesa e de que maneira o vai fazer; no domínio do clube quais as hipóteses da direcção contratar este ou aquele jogador. Assim sendo, os acontecimentos incertos podem ser equacionados em função das diversas hipóteses alternativas. Estas hipóteses podem, inclusivamente, ser consideradas no planeamento (opção B, C, etc.). Em conformidade, o treinador tem de prever soluções e os respectivos planos alternativos. No entanto, não é possível realizar um planeamento exclusivamente na base de planos de contingência.

Acontecimentos desconhecidos.

Em terceiro lugar, existem acontecimentos desconhecidos. São surpresas positivas ou negativas que se limitam a acontecer. Por isso, requerem da parte do treinador uma grande capacidade de adaptação às situações provocadas pelos imprevistos que o obrigam a encontrar respostas ajustadas e, tanto quanto possível, em tempo de efeitos ainda úteis. Trata-se da capacidade de improvisação, de “desenrascanço”. Mas o que é o “desenrascanço”? “Desenrascar” significa a “habilidade” para resolver problemas sem ter o tempo necessário, os conhecimentos certos, as técnicas próprias e as ferramentas essenciais, através de processos expeditos que procuram ajustar o tempo, os conhecimentos, as técnicas e as ferramentas à necessidade de superar situações inesperadas. Só por si, o “desenrascanço” não é uma coisa má. Só o é, quando passa a ser o único instrumento de gestão que o treinador utiliza. Mas atenção: a adaptação através do improviso ou do “desenrascanço” só resulta se as rotinas estiverem montadas, os compromissos estabelecidos e as contingências consideradas. Um treinador que se limite a resolver a contingência com o “desenrascanço”; o compromisso com a contingência; e as rotinas com os compromissos, porque não tem rotinas montadas que lhe permitem manter o sistema de manutenção de vida do grupo de trabalho, a única surpresa que pode esperar é a “lei do chicote” e quando esta chegar já não há adaptação que o possa salvar.