Para uma Cultura de Competição


Os gregos antigos, como sabiam que, na sua pequenez perante os deuses, os homens necessitavam de violência para se sentirem realizados, a fim de suprirem essa necessidade sem os custos trágicos da guerra, inventaram os Jogos e, através do prazer lúdico da violência controlada, quer dizer, através do “agôn”(1) da competição e da “areté”(2) da excelência, tornaram a paz gloriosa.

A agonística visava ultrapassar uma visão pessimista e decadente da vida pela constante superação das tensões entre os homens com o objetivo de afirmar a excelência humana na sua verdadeira glória. No mundo grego, era impossível separar a palavra “agôn” da tríade jogo, festa e sagrado. Assim sendo, o sentimento que devia resultar da disputa entre dois rivais valorosos não era o ódio ou a vingança, mas a amizade, na medida em que um antagonista de brio proporcionava ao outro a possibilidade de se conhecer e renovar continuamente as suas forças vitais em busca da excelência. Não se tratava do ridículo fair play que os ingleses descobriram para preservarem o seu estatuto de classe, mas de uma verdadeira ética de conflito que, hoje, em termos deontológicos, deve ser preservada por aqueles que fazem do espírito competitivo o seu modo de vida.

"O País devia olhar melhor para o futebol a fim de tentar perceber como é que uma atividade que, ainda há pouco mais de 20 anos, vivia de vitórias morais, hoje, passou a ser uma indústria de grande sucesso internacional."

Só através de uma cultura de competição é possível renovar, em cada geração, as forças vitais que garantem a excelência que pode promover o progresso do País. Repare-se que, enquanto no relatório da “Global Competitiveness - 2010- 2011” Portugal ocupava o 46º lugar entre 139 países, no ranking da FIFA a seleção nacional ocupava o 11.º lugar entre 208 países.(3)

O sucesso ou o fracasso de uma equipa, seja ela de futebol ou um país, em grande medida, depende da qualidade do comportamento impoluto dos seus líderes condição sine qua non de sobrevivência no ambiente agónico que caracteriza o campeonato da economia que se processa à escala global. Por isso, o País devia olhar melhor para o futebol a fim de tentar perceber como é que uma atividade que, ainda há pouco mais de 20 anos, vivia de vitórias morais, hoje, passou a ser uma indústria de grande sucesso internacional.

Como disse Ortega y Gasset (1883-1955) o passado não nos dirá o que temos de fazer, mas pode certamente dizer-nos o que temos de evitar.”(4) A serem verdadeiras as palavras do filósofo, os políticos de todos os quadrantes, para além de aparecerem nos palanques nos dias de derby, deviam tentar compreender o êxito do futebol. Não ficariam a saber como ganhar o campeonato da política, mas ficariam seguramente a saber como não o haviam de perder.

1) O protagonista (prot – primeiro; “agôn” – luta; sufixo – ista), era aquele que entrava em competição, por isso, o “agôn” inclui, também, o sentido de combate.

2) A palavra é grega, “areté” significa “excelência, virtude”. “Areté” é um nome feminino, e o seu plural é “aretai”.

3) World Economic Forum - Geneva, Switzerland 2010.

4) Gasset, Ortega .(1988). El Tema de Nuestro Tempo, Madrid, Espasa-Calpe, 1ª ed 1938.