Para uma Ética do Conflito


O futebol é um jogo de confronto direto, pelo que um treinador, enquanto não tiver abatido o adversário, mantém-se receoso de ser abatido por ele. Ora, esta circunstância pode gerar uma escalada de violência, na medida em que toda a ação provoca uma reação. Qualquer esforço ofensivo de uma das equipas desencadeia um esforço defensivo da outra equipa que, para ser superado, exige um acréscimo do esforço ofensivo que será, novamente, contrariado por um acréscimo do esforço defensivo e assim sucessivamente. Em consequência deste jogo de parada e resposta, desenvolvido com uma intensidade crescente, pode-se gerar uma espiral de violência que tendencialmente se projeta para uma situação insustentável porque, se um treinador, no quadro dos interesses do futebol moderno, é naturalmente levado a pôr a equipa a jogar no limite da permissibilidade das regras a fim de superar o adversário, este, se não recorrer às mesmas atitudes, procedimentos e ações, pode acabar por ficar numa situação de desvantagem competitiva. Entra-se, assim, numa escalada de violência que, tendencialmente, evoluiu para o limite do “jogo absoluto” caso as entidades encarregues de o controlar não agirem em tempo útil.

É perante esta realidade que o treinador tem de idealizar a grande estratégia para o campeonato bem como a estratégia operacional que há de pôr em ação, jogo a jogo, em função das circunstâncias de cada momento. Por isso, muitas vezes, as suas decisões são completamente incompreensíveis para um mero observador que se limita a acompanhar o campeonato ou a escrever para a imprensa desportiva.

O treinador decide em função de, pelo menos, cinco ideias estratégicas fundamentais:

 

1 - Espaço: Tendo em atenção o país, a região, as instituições, a cultura, o clube, os recursos, os apaniguados e, entre outros aspetos, a competência dos dirigentes, para além da equipa de jogadores e técnicos, o treinador tem de ser capaz de determinar o espaço que lhe resta a fim de organizar a vitória possível;

 

2 - Tempo: Se o jogo é um “continuum” de paradas e respostas, o que é facto é que, muitas vezes, se pode decidir num momento único. O campeonato tem de ser considerado como uma sucessão de pausas entre jogos. O treinador tem de saber fazer uma gestão parcimoniosa do tempo e dos recursos a fim de organizar a vitória antes, durante e depois do jogo;

 

3 - A assimetria entre o ataque e a defesa: Se só o ataque permite a vitória, contudo, a defesa é a forma mais favorável de ganhar o jogo. Enquanto a defesa escolhe os terrenos, os momentos e as condições de luta mais favoráveis, já o esforço ofensivo de quem ataca é possuidor de entropia que o leva ao esgotamento;

 

4 - A informação: A informação é o bem mais precioso do treinador. Permite-lhe medir a incerteza do ambiente desordenado que é o campeonato, de maneira a superar os constrangimentos do azar e do acaso de cada jogo.

 

O futebol é um jogo simples o que não significa que seja fácil. Assim sendo, o treinador na dialética do jogo, tem de dominar a dinâmica de violência que, uma vez fora de controlo, pode destruir o próprio jogo. Ele é o guardião do templo e, por isso, para além do “fair play”, o defensor de uma ética de conflitos que, acima de tudo, deve ser respeitada no mundo do futebol.