O TAD e os danos colaterais


O Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), criado pela Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro, iniciou funções como entidade jurisdicional “independente” no dia 1 de Outubro de 2015, tendo sido atribuída ao Comité Olímpico de Portugal (COP) a tarefa de promover a sua instalação e funcionamento. Há muito que a criação desta instância arbitral era cogitada no ordenamento jurídico português, retardada pela discussão em torno da constitucionalidade do projecto de lei.

O TAD foi idealizado com o objectivo de assegurar a adequada realização da justiça desportiva através da universalidade, autonomia e especialização.

Logo na concretização destes princípios, a nova jurisdição arbitral levanta uma “dúvida existencial”: cabendo ao COP a sua instalação e funcionamento, estará garantida a tão desejada autonomia? E quando aquela entidade for parte em juízo? Uma das notas essenciais da nova jurisdição resulta do “arrepio de caminho” em relação ao projecto de lei inicialmente concebido, em nome do direito à tutela jurisdicional efectiva.

Atendendo a que o referido princípio constitucional tem na “garantia contenciosa dos administrados” uma das suas mais importantes projecções, não é de estranhar que a nova lei, ao mesmo tempo que regula a arbitragem desportiva necessária, assegure o acesso aos Tribunais Administrativos em sede de recurso, ou seja, que a regra estabelecida seja a recorribilidade das decisões proferidas em sede arbitral.

Entre as atribuições do TAD destaca-se a competência exclusiva para apreciação dos litígios emergentes de sanções aplicadas pelos órgãos disciplinares das federações desportivas e ligas profissionais, ou das deliberações tomadas pela Autoridade Antidopagem de Portugal, em matéria de violação das normas antidopagem, atribuições que o investem nas competências de um “Conselho de Justiça”.

Além destas matérias, o novo Tribunal Arbitral apreciará a famigerada justa causa de “rescisão” do contrato de trabalho. Com a referida alteração, a apreciação da justa causa de “rescisão” no plano desportivo recairá sobre o TAD e não sobre a Comissão Arbitral Paritária (CAP), regulada pelo artigo 55.º do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre o SJPF e a LPFP, a qual será extinta.

Indo mais longe, a lei do TAD dita o fim das Comissões Arbitrais Paritárias em Portugal. Será esta solução realmente vantajosa? Ganhará o desporto, e o futebol português em particular, ao nível da “especialização da justiça desportiva”? E quanto à celeridade das decisões, conseguirá a estrutura do TAD responder da mesma forma e atender às particulares exigências do “mercado desportivo”?

Só o tempo demonstrará a bondade das soluções legais, sendo certo que a intenção de extinguir as comissões arbitrais paritárias não foi apoiada pelos parceiros sociais, nem resultou de directriz europeia. A nova lei provocou uma alteração na repartição da competência material para dirimir litígios emergentes do contrato de trabalho desportivo, desconsiderando o disposto na Lei 28/98 de 26 de Junho (em processo de revisão) e, principalmente, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho vigentes no sector.

Assim, a revogação destas disposições, imposta pelo legislador, respeitou o princípio da autonomia colectiva, arreigado na liberdade de contratação colectiva, enquanto pilares constitucionais da regulamentação colectiva de trabalho?

A apreciação global da nova jurisdição não pode alhear-se de um juízo prático e, por isso, de uma análise em torno do padrão médio de vida, da diligência normal e expectável do cidadão comum que recorre à justiça desportiva.

Pois bem, para o atleta “comum”, os custos de acesso à nova justiça desportiva são inequivocamente elevados. Veremos se, e em que medida, contaminam a lógica “garantística” que tanto se procurou proteger.

A portaria n.º 301/2015 de 22 de Setembro apresenta um elenco de taxas de arbitragem e encargos com o processo arbitral inacessíveis, atendendo à conjuntura económica e capacidade financeira da esmagadora maioria dos praticantes desportivos em Portugal: 750,00 € de taxa de arbitragem, 2.500,00 € para honorários dos árbitros e 75,00 € de encargos administrativos são os “valores mínimos” estabelecidos pela portaria nas acções de valor inferior a 30.000,00 €.

O problema que se julgava ultrapassado dá azo a nova inquietação. Os custos de acesso ao TAD não excluirão de forma “indirecta” o acesso a uma justiça desportiva que se pretendia universal? Não estará a condicionar-se a “jusante” aquiloque parecia garantido a “montante”?

O regime jurídico de acesso ao direito e o sistema de apoio judiciário foram concebidos, justamente, para garantira igualdade de meios e oportunidades, independentemente da capacidade financeira dos cidadãos. Conseguirá este sistema responder eficazmente no plano desportivo?

Se pensarmos que um atleta pode abdicar do recurso de uma sanção disciplinar que considere injusta/ilegal, ponderando não o risco de uma decisão desfavorável mas as custas do processo, estaremos em condições de aplaudir, sem quaisquer reservas, a concretização prática do novo modelo?

Também no plano das custas é de destacar a importância da CAP para o futebol, apesar da “morte anunciada”. Dotada de autonomia, especialização e capacidade para proferir decisões céleres, a CAP tem sido fundamental na resolução dos diferendos entre jogadores e clubes, destacando-se pela isenção e percepção da realidade do futebol nacional. Trarão os ventos de mudança as mesmas garantias?

Conjecturas à parte, olhando à integração da justiça desportiva no nosso ordenamento jurídico, não podemos olvidarque a estrutura e o alcance do novo Tribunal Arbitral do Desporto constituem uma evolução, assente na universalidadee independência em relação aos órgãos jurisdicionais, organizações desportivas e órgãos da administração pública.

Fica, no entanto, a vexata quaestio: que modalidades “alimentarão” financeiramente o novo sistema? Será que foram devidamente ponderados os “danos colaterais”?