A cultura do clube


Recordo a "malta" da Académica, pelas ruas de Lisboa, com uma ale­gria que nenhuma adversidade parecia vergar e proporcionando um saborosíssimo convívio a quem dela se aproximasse. Acompanhava a equipa de futebol da Associação Académica de Coimbra (AAC), que se deslocava à capital a cumprir o calendário do Nacional de Futebol da I Divisão.

Ladeando o retângulo onde os futebolistas da Universidade de Coimbra defrontavam o Benfica, o Sporting, o Belenenses, o Atlético, o Estoril ou o Oriental, a claque, de capa e batina vestida, erguia cân­ticos, soltava piadas, levantava-se como um nunca apaziguado vulcão de protesto ou em momentos de alegria incontida. Mas o que dava côr e vida aos cânticos, às piadas, às palavras-de-ordem era o húmus cultural donde brotavam.

As equipas e as claques do clube eram a Universidade de Coimbra, a "Alma Mater", a tradição tantas vezes secular de um espírito imorredouro, que o próprio futebol transfor­mava e enobrecia. Desde o Tibério, o José Maria Antunes, o Faustino, o Alberto Gomes, etc., etc., que eu, passados 76 anos, ainda trago na lembrança, como vencedores da primeira Taça de Portugal, passando pelo Curado, pelo Wilson, pelo Torres, pelo Bentes, pelo Azeredo e até às equipas onde pontificava o Rocha, coadjuvado pelo inconformismo dos irmãos Campos, do Gervásio, etc. - em todos havia uma expressão corporal, que era também (não devemos esquecer a liderança de, en­tre outros, Cândido de Oliveira e Mário Wilson) o símbolo de um ideal interior.

"Os tempos são outros! Sem vencimentos de muitos milhares de euros não se conseguem jogadores de classe", sentenciam os que vão acompanhando o futebol. E assim é. Só que, na década de sessen­ta do século XX, já o Benfica, o Sporting e o FC Porto ofereciam orde­nados mensais que não estavam ao alcance da Académica e, mesmo assim, em Coimbra, praticava-se um futebol que ombreava com que as equipas dos "clubes grandes" jogavam.

Estou a descambar numa lírica e adocicada evocação, desconhecendo a dialética da História? Aceito, naturalmente, que os tempos são outros e o futebol outro é. A globalização planetária, atualmente, nada mais é do que a Economia ao serviço do Mercado. E assim não há democracia possível, porque tudo se encontra ao serviço do mercado, incluindo o Desporto.

O Dr. Joaquim Evangelista, presidente de comprovados méritos do SJPF, pelo trabalho que vem desenvolvendo no apoio aos antigos jogadores, já se tornou credor do mais vivo reconhecimento público... No entanto, continuando a AAC uma emanação da sua Universidade, o seu futebol profissional poderá ambicionar transferir, para os estádios, os senti­mentos, os símbolos, os apelos e até as ilusões de uma das mais pres­tigiadas universidades do mundo.

A AAC criou um dos últimos mode­los de jogo em que o futebol era mais do que futebol. E em que, por isso, o Futuro, mais do que um enigma, era uma força e um horizonte, uma aspiração e uma vontade, uma luz e uma fé. Os clubes não são apenas uma equipa de futebol. São também (e sobretudo) um ideal e uma força moral. Só que há quem o esqueça...

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