Para onde corre o futebol português?


Sob este mesmo título, o presidente da Direcção do SJPF (um dirigente exemplar e por isso orientador, renovador, didacta, guia, amigo) escreveu um artigo, no último número desta revista, que merece ser lido, relido, pelos dirigentes do futebol, designadamente os de maior notoriedade política e administrativa. E o que assinala o Dr. Joaquim Evangelista? Sobre o mais, que se impõe “a defesa do jogador português nos vários escalões competitivos, o que pressupõe uma aposta na formação, com a consequente garantia de progressão na carreira”.

De facto, entontecidos pelo que vêem, mormente nos jornais, na rádio e na TV, o iniciado e o juvenil são tentados a perspectivar e antecipar um futuro radioso, no futebol profissional. E chegam mesmo a pôr de lado a sua formação académica, julgando-se, mais dia, menos dia, como o Cristiano Ronaldo ou o Lionel Messi. Os próprios pais (alguns deles) são os primeiros a motivá-los a um “salto no escuro”, parecendo desconhecer que, no desporto altamente competitivo, é o rendimento que se procura, sem quaisquer outras considerações.

É costume (e muito bem) apresentar-se o desporto como um humanismo, isto é, como um espaço de realização integral do praticante, no conjunto dos seus valores vitais, sociais, éticos e políticos. Não se trata de um humanismo de erudição unicamente, mas onde o físico, o biológico e o antropossociológico (usando as palavras de Edgar Morin) se estudam e promovem e desenvolvem, como elementos da mesma complexidade.

O desporto e, como tal, o futebol, deve percepcionar-se como um processo onde, desde a formação até ao alto rendimento, o Homem se cultiva, isto é, numa palavra só: se educa! Só que a esmagadora maioria dos nossos dirigentes desportivos está o mais a sotavento possível do sentido do essencial, numa política desportiva. E assim de “formação” nada sabem, ou nada querem saber, e jogadores têm-nos às centenas, na América do Sul, à espera de um prato de sopa e de um magro ordenado. E assim, segundo o artigo do Dr. Joaquim Evangelista, “a aposta maciça e desenfreada em jogadores estrangeiros, quer ao nível das camadas jovens, quer nos demais escalões” assenta numa política de lucro fácil e de visão apenas do imediato. Daí, “o desemprego galopante com que se depara o jogador português, obrigado a emigrar, apesar da sua qualidade inata; a perda da competitividade dos clubes e selecções nacionais; a redução da massa salarial, a delapidação patrimonial de clubes históricos (...); o descrédito dos dirigentes desportivos, ferindo de morte o negócio do futebol”.

Sem o talento certeiro de multiplicar o humano, em si e à sua volta, a “formação” é trabalho que estes dirigentes não entendem. Para eles, o mundo está dividido em duas classes: os que têm e os que não têm dinheiro! E assim nasce uma hierarquia, em muitos clubes de futebol, que não precisa de explicações orais ou escritas, não supõe raciocínios muito nítidos – basta o dinheiro! Tudo se passa como se a ciência e a consciência não fossem necessários.

Rapaz nado e criado por dois transmontanos “exilados” em Lisboa (não conheci nunca, em jovem, a burguesia individualista e usufruente dos começos do século XX), continuo fiel ao desapego da importância, à singeleza do trato, ao reconhecimento muito cristão de que todos somos iguais. Recuso-me também a eleger amizades, segundo estratégias de partido ou de seita. Para mim, Deus está em quem precisa dos meus fracos préstimos. Mas, não defendendo qualquer tipo de classismo, estou com o Dr. Joaquim Evangelista numa postura assumidamente comprometida com reformas inadiáveis, no futebol português. “Impõe-se, por isso, uma discussão aberta, sem tabús e condicionamentos, no âmbito das entidades que superintendem o futebol, concretamente a Federação e a Liga” propõe o presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. De facto, o amorfismo geral precisa de ser sacudido, diante deste problema da “formação”, no futebol português e... suas consequências!

E se a voz do Dr. Joaquim Evangelista não for escutada, nem respeitado o seu magistério socrático, a sua comunicação vibrátil, a discussão aberta e sem tabus far-se-á, inevitavelmente. Ainda há quem admire muito a sua presença doadora e receptiva – que não consente subserviência ou louvaminha!

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