O individual e o colectivo: pequena reflexão histórica


“Não é com onze jogadores que se faz uma equipa, mas com onze jogadores que se relacionam e se subordinam às exigências do todo.”

Todos sabem e o repetem: uma equipa de futebol não são onze jogadores. E é verdade: onze jogadores, com o mesmo treinador e as mesmas camisolas não constituem automaticamente um “team” de futebol. Para haver um colectivo, é preciso haver uma determinada qualidade, no relacionamento entre todos os elementos que constituem um departamento de futebol, incluindo os atletas superdotados e super treinados. E ainda uma determinada quantidade onde a qualidade se concretize e realize.

Uma equipa não é um dado imediato. É o resultado concreto de um trabalho que se realizou em conjunto e deliberadamente. A mera aglomeração de jogadores, mesmo que discutindo problemas e tomando decisões, não faz imediatamente uma equipa. Porque o colectivo não nasce de um instante, é obra permanente de constituição e de exercício. Ele faz-se porque se vai fazendo...

Não pode exigir-se aos adeptos apaixonados uma profunda capacidade reflexiva e crítica. Eles vão aos jogos, acima do mais, para aplaudirem as vitórias dos seus clubes. Dificilmente compreenderão (e aceitarão) que uma equipa recém-formada, mesmo com atletas de reconhecido valor, só pela conjunção de factores favoráveis poderá render tudo o que está ao seu alcance. E os dirigentes, pressionados pelos sócios, assumem por vezes posicionamentos, onde a paixão obnubila a razão, onde a sensatez mal se vislumbra. Ouçamos, a propósito, José Barata-Moura: “O característico de uma visão imediata do real é precisamente esta permanência do disperso, no separado, no isolamento dos diferentes elementos que a experiência nos fornece ou impõe. Neste sentido, poderemos verdadeiramente dizer que uma visão imediata da realidade objectiva constitui, no fundo, uma visão abstracta, isto é, uma visão do mundo onde aspectos essenciais foram deixados ou postos de parte, não apenas em virtude de uma legítima e necessária delimitação (…), mas com o intuito, deliberado ou não, de (…) proceder a uma certa absolutização do parcelar, do momentâneo, do finito” (Totalidade e Contradição, Livros Horizonte, p. 121).

Hão-de ser os investigadores, os estudiosos (despidos da máscara rude dos que se julgam donos da verdade, teorizando só e sem relação interdisciplinar com a prática), a propor: não é com onze jogadores que se faz uma equipa, mas com onze jogadores que se relacionam e se subordinam às exigências do todo. O Marx dos Grundisse pode aqui ser invocado: “A sociedade não consiste em indivíduos, mas expressa a soma das ligações e relações que esses indivíduos têm entre si”. E assim uma equipa coesa não nasce de um dia para o outro. Faz-se e... demora tempo!

Quando se tem em conta as contradições de que o todo se compõe, percebe-se o processo moroso onde a unidade não exclui, antes exige, a estrutura dialéctica dos contrários... internos e externos à própria equipa. Aliás, são as contradições que permitem o desenvolvimento do todo. E assim um grande jogador só o é, em função do seu vínculo às necessidades da equipa. Não existem praticantes de invulgar capacidade individual, desinseridos da equipa. Também o praticante está situado num espaço e num tempo e é daí que ele surge como atleta de eleição. Efectivamente, cada atleta, em plena competição, é um dos momentos de uma totalidade em devir, é o imediato que, para compreender-se, há-de saber integrar-se num mais amplo e complexo sistema de relações.

Com isto, não se defende que um Messi, ou um Cristiano Ronaldo, ou um Neymar, devam morrer, na férrea prisão de uma táctica castradora, mas que nela se devem criar condições para que o atleta se realize. Ser um atleta genial é sem dúvida distinguir-se pelos primores técnicos, pela inteligência táctica e pelo alto rendimento, em relação aos demais colegas de equipa, mas é também estar essencialmente em relação com todos eles.
Mais Opiniões.