“O jogador português é bem visto em qualquer parte do mundo”


Raphael Guzzo está em Espanha há duas épocas e falou com o Sindicato dos Jogadores.

O jovem médio de 23 anos representa o Reus, de Espanha, há duas épocas e não pensa voltar a Portugal.

Terminou a sua segunda época no Réus com apenas 9 jogos, muito por culpa de uma grave lesão no joelho ainda durante a pré-época. Sente-se completamente recuperado?
Sim. Recuperei em cinco meses, depois demorei a entrar e já não consegui jogar o que queria, apesar de ainda ter feito uns jogos. Mas a nível coletivo foi uma temporada tranquila para a nossa equipa e conseguimos a manutenção numa liga que é bastante difícil.

Ter mais três jogadores portugueses na equipa (Vítor Silva, Luís Gustavo e Ricardo Vaz) facilita?
Acaba sempre por ser bom. Quando cheguei, o Vítor e o Ricardo foram muito importantes para mim, ajudaram-me muito na adaptação. É um país novo, outra cultura, outra língua, outros companheiros e, nesse aspeto, eles foram espetaculares comigo. Damo-nos super bem. Entretanto depois chegou o Gus e temos uma família portuguesa ali. Como estamos longe do nosso país e da nossa família, acabamos por criar outro tipo de ligação. É como se fossemos uma família, passamos muito tempo juntos.

Que diferenças existem entre a Segunda Liga espanhola e a nossa?
Há muitas diferenças. Em Espanha há muita qualidade e, mesmo na Segunda Divisão, há estádios que têm 20 e tal mil pessoas e na nossa isso não acontece. Isso já diz muito da qualidade do futebol espanhol, da liga espanhola e gosto de estar lá, apesar de neste momento não saber o que vai ser da minha vida para o ano. Sinto-me muito bem lá e o futebol espanhol não tem estas polémicas, o futebol português está cada vez mais sujo. Cada vez mais os jogadores pensam se vão voltar para Portugal ou não pelo que se passa no futebol português. É muito feio para nós e há que valorizar outras coisas em vez de tanta polémica.

Inscreveu-se no Sindicato de Espanha?
Não. Era para me inscrever, mas depois não sabia como ia ser a minha vida no ano seguinte e acabei por não me inscrever.

Tem espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Sempre disse ao meu pai e à minha família que gostava de jogar no campeonato espanhol. O meu objetivo era jogar na Primeira Divisão, mas houve a oportunidade de vir jogar para o Réus e achei que era um projeto bom e que podia ser positivo para mim. Gosto muito de estar lá, de viver lá, as pessoas são super simpáticas, ao contrário do que às vezes se diz dos espanhóis, que não recebem bem. É verdade que nós, portugueses, recebemos sempre bem qualquer tipo de nacionalidade quando vêm jogar para Portugal, mas também fui muito bem-recebido pelos espanhóis. Não tenho qualquer razão de queixa.

Habituou-se bem à língua, comida, trânsito ou houve alguns percalços pelo meio?
Sim. A comida é boa, come-se muito bem. O facto de viver perto de Espanha [em Chaves] e de ter ido muitas vezes a Espanha de férias também ajudou com a língua. Hoje compreendo bem a língua e falo bem.

Como é viver em Réus?
É uma cidade muita calma. Tem 100 mil habitantes, está perto de Tarragona, que é a capital de distrito, e fica a 50 minutos de Barcelona. Mas é uma cidade calma, não gosto de sítios com muita confusão. Em Réus encontrei o tipo de vida de que gosto.

O que é que leva na mala sempre que vem a Portugal?
Às vezes a minha mãe manda-me um folar, quando é o tempo do folar, aqui no Norte faz-se muito, e às vezes pastéis de Chaves também.

Ganhou algum hábito da cultura espanhola, como dormir a sesta, por exemplo?
Uiii, isso é todos os dias! Aqui em Portugal não tinha esse hábito, mas lá, se não durmo um dia, à noite já não passo bem. Durmo sempre, ainda mais porque em Espanha come-se mais tarde do que em Portugal. O facto de almoçarmos mais tarde acaba por dar mais sono. O único hábito que mudei foi esse da sesta. De resto tenho a minha vida como sempre tive, faço as mesmas coisas.

Já viveu algum episódio caricato em Espanha?
Já tive muitos até, alguns não posso contar! [risos]

Nasceu em São Paulo, mas veio logo com um mês para Portugal. Que ligação mantém com o Brasil?
Forte, não é? Ao fim e ao cabo foi o país onde nasci, tenho lá a minha família toda e acabo por ter uma ligação forte com o Brasil. Nunca vivi no Brasil, só fui lá para nascer. Vivi sempre em Portugal e quando terminar a carreira é o país no qual quero viver.

Pelo Chaves, em 2014/15, fez uma excelente época na II Liga. Houve um jogo no qual teve uma disputa de bola com Fernando Ferreira em que levou dez pontos na testa e o então jogador do Marítimo B fraturou a perna. Ficou marcado por esse lance?
Na altura, nos primeiros meses, fica sempre aquele receio… Também nunca fui um grande cabeceador nem um jogador muito agressivo pelo ar. Essa foi uma das poucas bolas em que fui com mais agressividade e acabei por me aleijar e levar dez pontos na cabeça. Mas isso são coisas passageiras, depois o medo passa. Pior ficou o Fernando na altura, que ao cair teve a infelicidade de partir a tíbia e o perónio. O trauma para ele deve ter sido bem pior do que para mim. Inclusivamente a carreira dele se calhar nunca mais voltou a ser a mesma por causa dessa lesão. Mas são coisas que acontecem, infelizmente.

Na época seguinte teve oportunidade de se estrear na I Liga pelo Tondela. Como recorda essa época?
Foi uma época na qual muitas coisas se passaram. Nunca era para ir para Tondela. Tive propostas muito melhores, mas o Benfica não me deixou sair. Quis que eu fizesse a pré-época, depois que fosse para Tondela. Disse que não queria, mas acabei por ir. Depois a meio da época voltei para o Benfica porque não estava feliz. Não tenho razão de queixa e agradeço às pessoas do Tondela. Se calhar nem saí da melhor forma, mas quis voltar porque não estava feliz lá. Depois surgiu a hipótese de vir para Espanha. Mas são águas passadas. Nunca se sabe o que poderia ter sido a minha vida na altura em que saí do Mundial, mas pronto, há que recuperar o tempo perdido.

Nesse mesmo ano renovou com o Benfica e chegou a ter uma cláusula de rescisão de 45 milhões de euros. Por que é que nunca teve uma oportunidade na equipa principal?
Não sei. Na altura o treinador Rui Vitória achou que não devia jogar e tenho de respeitar. O Benfica tinha muitos jogadores de qualidade. Na pré-época não fiz nenhum jogo e tenho de respeitar. E respeito. Não vale a pena pensar no que já aconteceu, há que pensar no futuro porque o tempo não volta para trás. Por culpa minha ou não, não aconteceu, e só desejo o melhor ao Benfica.

Pensa em regressar a Portugal ou prefere continuar a carreira no estrangeiro?
Já falaram comigo para voltar a Portugal, mas não foi algo que me agradasse. Este ano foi muito mau para mim, por isso procuro um projeto bom, com um treinador que me queira, depende também da equipa, se joga mais ao ataque ou se é mais defensiva. Nesta altura tento encontrar algo que me possa ajudar. Há que recuperar o tempo perdido e preparar-me bem na pré-época. Se tiver de ficar em Espanha ficarei, não sei o que me vai trazer o futuro. Apesar de ter mais três anos de contrato, vamos ver como se desenrolam estes dois/três meses.

Sente que em Espanha lhe cobram mais por ser estrangeiro ou, por outro lado, é mais protegido por isso?
Acho que, depois do que Portugal fez no Europeu, as pessoas cada vez mais valorizam o futebol português. O jogador português é bem visto em qualquer parte do mundo, sabem que temos muita qualidade.

Em 2015 participou no Mundial de Sub-20, na Nova Zelândia. Tem saudades de representar a Seleção?
Muitas, muitas… Ainda agora estivemos de férias três ou quatro amigos desse tempo: eu, o Rony [Lopes], o Rebocho e o Chico Ramos. Passámos muitos bons momentos e temos recordações que ficam para o resto da vida.

O que espera de Portugal no Mundial?
Portugal tem dois jogos e quatro pontos num grupo em que, teoricamente, pelo nome das seleções, podia ser fácil, mas não é. Marrocos tem muitos jogadores de qualidade e que jogam nos grandes campeonatos, tal como o Irão, que tem imensa qualidade e um treinador português. Portugal está bem encaminhado para os oitavos-de-final. Tem de ir passo a passo, nenhum jogo é fácil e nestas competições não adianta muito jogar bem. O que importa são os três pontos e foi o que Portugal conseguiu hoje e foi o que tentou fazer com a Espanha.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Acho que acaba por ajudar muito os jogadores que passam por mais dificuldades. Na II Liga, Campeonato de Portugal e Distritais há jogadores que têm de sustentar famílias, muitas vezes com salários em atraso e, nesses casos, o Sindicato protege muito os jogadores.


Perfil
Nome: Raphael Gregório Guzzo
Data de nascimento: 6 de janeiro de 1995
Posição: Médio
Percurso como jogador: Flaviense (formação), Chaves (formação), Benfica (formação), Benfica B, Chaves, Tondela, Benfica B e Réus (Espanha).

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