Barreirense: Formar é a aposta para o futuro do clube


Equipa do Barreiro está nos distritais com a ambição de regressar ao topo do futebol português.

Um histórico do futebol nacional, com 24 presenças na I Divisão e que chegou a competir nas provas da UEFA, abriu falência em 2009 e mergulhou nos Distritais. Hoje é liderado de forma profissional, com contas positivas, e tem na formação, que tantos talentos deu ao futebol português, a principal aposta.

Fundado em 1911, o Futebol Clube Barreirense rapidamente ganhou força popular e tornou-se um símbolo de resistência do povo do Barreiro, em tempos um importante centro industrial do país, e contrastava com as origens da CUF, hoje Fabril, um clube criado por Alfredo da Silva, o homem que liderava a poderosa empresa da margem sul do Tejo.

Conhecido por ser um dos principais viveiros do futebol português, da formação do Barreirense saíram nomes como Azevedo, Bento, Carlos Gomes, Frederico, Nunes, Carlos Manuel, José Augusto, Chalana, Albano, Pireza, Arsénio, Neno, entre tantos outros.

Estreou-se na I Divisão em 1937/38 e aí permaneceu até 1942, quando desceu pela primeira vez. Regressaria passadas dez épocas e, desde então (1951/52), até 1973/74 somou 18 presenças entre os grandes (tem 24 no seu historial), com cinco descidas de divisão e subidas imediatas nas épocas seguintes, às quais corresponderam também cinco títulos de campeão da II Divisão nesse período.

A época de 1978/79 marca a última presença do Barreirense na elite nacional. Hoje os tempos são bem diferentes, mas as pessoas têm noção do momento que o clube vive. “Todos desejariam muito que o Barreirense pudesse regressar às competições de maior dimensão, mas existe a consciência de que o clube não pode dar passos maiores que as pernas. Tem de viver com os recursos que tem e as dificuldades que hoje vive resultam muito de, não há muitos anos, ter tentado, mais uma vez, dar esse passo de voltar à alta roda do futebol”, analisa o presidente João Fernandes, que nasceu ao lado do Campo D. Manuel de Mello, histórico estádio do Barreirense.

“Em 2009, o clube estava numa situação económica muito comprometida. Conseguimos inverter completamente esse paradigma, mas ainda não é o momento de alimentar sonhos maiores. Nunca dizemos que não a lutar pela subida, tentar mais, mas é mesmo à medida das nossas possibilidades. Pode aparecer um parceiro que queira apoiar o clube e beneficiar do nosso nome, imagem e história. É bem-vindo se vier com boas intenções, mas o clube não está à venda e será sempre dos barreirenses”, diz o líder do clube.

“Fez-se o saneamento financeiro e as últimas Direções conseguiram manter esse rumo e não entrar em devaneios. Hoje o clube está completamente estabilizado, todos os exercícios são positivos”, acrescenta.



ORÇAMENTO MENOR DO QUE UM MÊS DE SALÁRIO DE JORGE JESUS
Com cinco mil sócios, embora apenas cerca de três mil sejam pagantes regulares, a quotização é uma pequena fatia das receitas. Para praticar qualquer desporto no clube é preciso ser sócio, por isso existe uma rotatividade muito grande.

“Quando os miúdos deixam de praticar essa modalidade saem de sócios. Portanto todos os anos entram e saem 150/200 sócios”, diz o presidente. Mas essa não é a principal dor de cabeça de João Fernandes.

“O orçamento total do clube vale menos do que o ordenado do Jorge Jesus num mês! Temos um orçamento anual para todas as modalidades na ordem dos 500 mil euros, para o futebol são cerca de 180 mil euros. O Barreirense está bem organizado, funciona como um clube profissional, mas o desporto hoje não é inclusivo. Pratica desporto quem pode pagar e isso é uma coisa que não tem a ver com a génese do clube”, lamenta.

“Quando era jovem joguei basquetebol aqui e não pagava. Os clubes viviam dos apoios e colocavam isso ao dispor da comunidade. Hoje não é assim. Os apoios do município são mínimos, representam menos de 5% do orçamento do clube, que vive essencialmente das mensalidades que cobra aos atletas”, critica.

O treinador Pedro Amora reconhece que, apesar de as condições não serem as ideais, todos os treinadores ambicionam estar num clube com a dimensão do Barreirense. “Passo a passo, há coisas que estão a ser construídas e penso que é um clube sempre apetecível”, considera o técnico.

Aos 43 anos e a viver a sua segunda época no clube, o treinador diz que trabalhar a este nível dá-lhe ferramentas importantes para o futuro. “Felizmente este ano tenho o campo todo só para mim, mas no ano passado só tinha metade e durante 75 minutos. São condições difíceis que nos fazem crescer, sem dúvida”, admite.

Entre os jogadores do plantel, composto por 40 ou 50% de estudantes, quatro ou cinco licenciados, há engenheiros, arquitetos e até um carteiro. De entre os vários talentos, Pedro Amora diz que há jovens que podem atingir outros patamares. Perante o ingrato pedido de apontar um, o treinador não se intimidou na hora de dar a resposta: “O Fred é um dos casos mais flagrantes de um jogador mais novo que pode dar o salto”.

Como tal, quisemos ouvir o jogador e saber que metas tem traçadas. “Esta época passei a olhar para o futebol de uma forma diferente, até porque já passei por situações menos boas, e pensei que este ano ia jogar apenas para me divertir. É claro que fico chateado por perder, mas tento mais divertir-me em vez de pensar que quero chegar aqui ou ali. Vou fazer as minhas coisas como deve ser e se surgir a oportunidade será muito bom”, diz o defesa de 22 anos.

Formado no Vitória de Setúbal, Fred cumpre a sua segunda época no Barreirense depois de passar por Cova da Piedade e Alcochetense. Tal como o restante plantel, recebe um subsídio do clube para ajudar nas deslocações e pouco mais. “No ano passado estávamos no Campeonato de Portugal e pagavam, agora temos um pequeno apoio para termos algum incentivo. Mas é mais pelo gosto de jogar à bola”, admite o jogador que trabalha na Decathlon em part-time.

“Ao fim-de-semana trabalho ao sábado e folgo ao domingo, porque tenho jogo. Durante a semana trabalho da parte da manhã ou da tarde porque à noite, às 20h, temos treino às terças, quintas e sextas”, conta.



APOSTAR NA FORMAÇÃO É O CAMINHO
“A formação é a grande aposta do clube, não pode haver outra”, dispara João Fernandes. A qualidade do trabalho está à vista e esta época o Barreirense já conseguiu ter três ou quatro juniores na equipa sénior.

“Valorizar os nossos atletas é o único caminho que existe. O que pretendemos com a equipa sénior é dar-lhes visibilidade e experiência para poderem prosseguir uma carreira profissional fora do clube, como foi o caso do João Cancelo, que praticou futebol no Barreirense, ou do Gonçalo Silva, do Belenenses, que nasceu na nossa academia”, refere.

“O que me pediram este ano foi para ter uma equipa competitiva, incluir miúdos da formação no plantel sénior e isso está a ser feito, ainda hoje vieram mais três porque acabou o campeonato deles. Este ano todas as equipas de formação regressaram aos Nacionais e é sempre importante. Teres as equipas nos Nacionais e depois não aproveitares nenhum jogador não faz nenhum sentido”, confirma o técnico Pedro Amora.

Um dos objetivos da atual Direção passa por criar condições para futuramente celebrar contratos de formação com os atletas. Para já o clube não tem verbas para o fazer, mas há outras questões: “É preciso estar certificado como entidade formadora. Para isso o clube tem de ter um conjunto de condições, como um posto médico equipado com recursos humanos e, com isso, proteger o investimento que foi fazendo ao longo do tempo”.

E o presidente faz uma reflexão sobre as diferentes armas que tem ao seu dispor. “Hoje, quando os nossos iniciados jogam contra o Benfica, há uma equipa de miúdos que tem de pagar mensalidades e equipamentos e está a competir com uma equipa que já recebe subsídios e tudo lhes é entregue. Como é que conseguimos competir assim? Só mesmo com qualidade”, constata.

Na formação, o Barreirense tem uma equipa de juniores, duas de juvenis e três de iniciados, mais 250 miúdos a praticar futebol na academia a partir dos cinco anos. Mas também o futebol feminino faz agora parte das contas. “No ano passado constituímos uma equipa de futebol sénior feminino, estamos a competir no Campeonato Nacional de Promoção, e já esta época começámos a constituir uma equipa de Sub-18 e de Sub-16”, refere.

Joaquim Manuel Coelho, massagista de 71 anos, trabalha há 33 anos no Barreirense e conheceu o clube num tempo totalmente distinto. “Isto era um viveiro, sempre cheio de grandes jogadores na formação. Apareciam 200 ou 300 miúdos nas captações. Agora quase que temos de ir buscar os miúdos a casa!”.

E as diferenças não se ficam por aí. “Dávamos-lhes botas, fato de treino, a senha do autocarro para irem para casa, se tivessem fome iam comer… Havia dinheiro com fartura, mas isso agora acabou tudo”, lamenta.



Reformado há dez anos, depois de ter sido operário da CUF, onde trabalhou como técnico de farmácia, este alentejano natural do Alvito, próximo de Beja, trabalhou de perto com grandes craques da história do Barreirense e destaca um nome surpreendente. “Para mim, o melhor jogador que passou por aqui foi o Araújo. É do tempo do Carlos Manuel. Foi para o Benfica, depois aleijou-se, teve um problema grave. Diziam que estava acabado para o futebol, mas ainda foi o melhor marcador da CUF”.

O Barreirense hoje joga no Campo da Verderena, que tem uma média de 200/300 adeptos por jogo, e há dez anos criou uma academia de futebol. “É aí que os miúdos se iniciam na prática do futebol: temos dois campos de futebol de 7 e dois campos de futebol de 5. Hoje já temos atletas na equipa sénior e atletas em equipas dos campeonatos profissionais que começaram a jogar futebol na academia”, realça o presidente.

Além dessas instalações, o Barreirense tem ainda um edifício-sede no centro do Barreiro, que foi concluído em 1958. Demorou dez anos a ser construído pelos sócios, com a sua mão-de-obra e com materiais oferecidos por quem apoiava o clube, como a Câmara e as fábricas da CUF.

“Não existe outro no país e imagino até no mundo porque é um três em um: tem um ginásio grande, um café e a zona social com a sala de troféus, a sala da secção de xadrez, etc.”, descreve o responsável máximo pelo clube.

É um edifício nobre, enorme, mas hoje, passados 60 anos, já não serve completamente os interesses desportivos do Barreirense. “A equipa de basquetebol sénior não pode jogar no pavilhão porque já não tem as dimensões regulamentares para as competições oficiais. Mas quando foi construído era o suprassumo do desporto em Portugal. Foi neste ginásio que foi feita a primeira transmissão televisiva de um evento desportivo em Portugal, um jogo de basquetebol entre o Barreirense e o Real Madrid para a Taça dos Campeões Europeus”, sublinha o presidente.

Com um total de cerca de 850 atletas, o basquetebol é outra das modalidades nas quais o clube apresenta pergaminhos e foi mesmo um dos fundadores da Federação Portuguesa de Basquetebol. “Em termos de palmarés desportivo de equipas seniores, o Barreirense está no top três atrás de Benfica e FC Porto, apesar de todas as dificuldades que a modalidade também viveu ao longo daqueles anos conturbados, mas nos escalões de formação somos a primeira equipa nacional em termos de títulos”, conta João Fernandes.

O massagista Joaquim Manuel Coelho também conheceu de perto essa realidade. “Vinham para aqui americanos ganhar uns mil contos por mês. E eles mereciam, porque vieram ensinar os nossos a jogar. Eram mesmo outros tempos. Agora? Não sei, mas se receberem 500 euros é muito.”



ABRIL, ÁGUAS MIL
A revolução de 1974 trouxe grandes alterações ao país a todos os níveis. Além da democracia, a principal vitória do 25 de Abril, muita coisa mudou e Portugal desenvolveu-se de uma forma diferente.

O Barreiro era um concelho altamente industrializado, com muita atividade económica e emprego, e verificou-se uma alteração da centralidade.

“Todos os outros concelhos à volta, como Almada, Setúbal e Palmela tiveram um desenvolvimento brutal desde o 25 de Abril e no Barreiro foi precisamente o contrário. O desaparecimento das fábricas e do emprego teve reflexo na atividade dos clubes”, aponta o presidente João Fernandes.

“O Barreiro é uma terra com 140 coletividades, é um concelho com uma pujança enorme em termos de associativismo, sempre foi, mas neste momento vivem uma realidade em que apenas sobrevivem”, analisa.

Cabe ao Barreirense dar o exemplo aos vizinhos do conselho, pela resistência que sempre apresentou para superar todos os obstáculos. Este é só mais um.

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