Opinião: “O Facebook e a liberdade de expressão dos jogadores”


João Leal Amado comenta a utilização das redes sociais por parte dos futebolistas.

Num artigo de opinião publicado na revista JOGADORES, do Sindicato, João Leal Amado, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, comenta a utilização das redes sociais por parte dos jogadores de futebol:

“A liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião constitui um dos pilares da democracia, constitui um direito fundamental consagrado, a justo título, no art. 37.º da nossa Constituição e constitui hoje, inclusive, um direito expressamente reconhecido aos trabalhadores no art. 14.º do Código do Trabalho.

Ora, nos dias que correm, a liberdade de expressão exerce-se, em grande e sempre crescente medida, através das redes sociais. As redes sociais transformaram a maneira como as pessoas – todas as pessoas, sejam ou não trabalhadores, sejam ou não atletas – comunicam entre si, como se exprimem, como manifestam a sua opinião, como vivem.

E é inegável, hoje como ontem, que a liberdade de expressão pressupõe o direito de crítica, este constitui uma irrecusável dimensão daquela. Ao abrigo da liberdade de expressão, o trabalhador pode, sem dúvida, criticar a sua entidade empregadora.

O trabalhador é um ser livre, que se relaciona com a entidade empregadora através de um negócio jurídico de direito privado, o contrato de trabalho. O trabalhador não é um servo ou um vassalo, ligado por laços de tipo feudal ao seu patrão.

É claro que a liberdade de expressão do trabalhador tem de se articular com os deveres de subordinação, respeito e urbanidade do trabalhador para com a entidade empregadora, deveres estes que estão no âmago do contrato de trabalho.

Estes direitos e deveres entrecruzam-se e limitam-se reciprocamente, pelo que a liberdade de expressão (e o inerente direito de crítica) não autoriza o trabalhador a insultar, caluniar, difamar, ofender ou lesar a honra e o bom nome da entidade empregadora.

Liberdade de expressão e direito de crítica, de um lado, dever de respeito e urbanidade, do outro, têm de coexistir em qualquer relação de trabalho. Isto implica que, na prática, perante um concreto litígio, se tenha de proceder a uma ponderação casuística dos diversos valores em presença e em eventual rota de colisão – um balanceamento de bens complexo, sem dúvida, mas indispensável para a correta resolução do litígio.

No caso que recentemente veio a lume, envolvendo declarações de jogadores profissionais de futebol do SCP, divulgadas através de uma rede social, o juízo do intérprete não envolve, porém, qualquer dúvida ou dificuldade.

Com efeito, os atletas limitaram-se a reagir, em termos extremamente comedidos, ponderados e moderados, a declarações críticas bastante contundentes publicadas, na mesma rede social, pelo Presidente do SCP.

Os atletas limitaram-se a exprimir publicamente o seu desagrado ou desconforto pelas críticas públicas de que foram alvo, sem jamais desrespeitarem a sua entidade empregadora. Ora, a liberdade de expressão é um direito de que também os atletas profissionais gozam, como resulta com meridiana clareza do art. 12.º da Lei n.º 54/2017, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo.

Não vivemos, de facto, numa qualquer República das Bananas. Vivemos em democracia, pautados por leis a que todos devem obediência, inclusive aqueles que atuam no seio do futebol profissional.

Ameaçar os atletas que exercem um direito tão básico e fundamental como é o da liberdade de expressão com medidas como a suspensão preventiva e a instauração de um procedimento disciplinar constitui, isso sim, um despautério.

Parece que o bom senso terá imperado e que o SCP arrepiou caminho. Fez bem, porque, creio, qualquer sanção disciplinar que viesse a ser aplicada aos jogadores neste contexto traduzir-se-ia numa sanção disciplinar abusiva, cujos efeitos reverteriam, decerto, contra o próprio SCP.

Eis a lição a retirar deste a vários títulos lamentável episódio: antes de serem “ativos” e trabalhadores do clube, os atletas são pessoas e cidadãos; e, se forem destratados enquanto pessoas e cidadãos, os atletas poderão, inclusive, deixar de ser “ativos” dos clubes…”

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