Quando o discípulo ultrapassa o mestre...


O meu trabalho, diário, é atenção aos meus alunos. Dentro da rotina, relacio­no-me com eles na tentativa de que me vejam como um exemplo, de que me sigam não porque sim mas porque se identificam com a minha forma de estar e trabalhar, porque todos nós precisamos sempre de ter alguém para quem olhar.

Esta companhia educativa tem dentro o desejo de cada um deles me superar… Ou seja, educo os meus alunos para serem melhores do que eu! Um educador tem de ter clara esta missão e, nesse sentido, um professor é uma verdadeira figura pública: tudo o que dizemos e fazemos é visível e, por isso, alvo de uma avaliação muito eficaz e genuína por parte de cada um deles.

Ser treinador, seja a que nível for, tem obrigatoriamente uma vertente formativa, porque o Homem, independentemente da idade, está sempre em formação e esta experiência vem da própria vida, ou seja do seu modo de se relacionar com os outros e com tudo o que o rodeia.

Portanto, um treinador é sempre, mas sempre um formador. Há uns anos, a partir de um gosto de um aluno meu pelo treino, ajudei-o a perceber melhor o jogo; hoje é o treinador mais jovem do país, já foi capa de revista e alvo de diversas entrevistas e, se continuar a trabalhar, com seriedade e humildade, dará muito que falar neste nosso mundo apaixonante do futebol.

Ontem enviou-me uma reflexão sobre o futebol, que merece ser pública. O Francisco tem 18 anos.

“QUERIDO FUTEBOL,

Antes de começar esta minha reflexão, gostaria de pedir desculpa por te tra­tar por tu, mas, sem saber porquê, sinto-me à vontade para isso. Todos os dias se fala de ti, a começar por mim, que faço de ti a minha profissão e grande parte da minha vida, mas, como este texto não é virado para o meu egocentris­mo, falemos sobre o teu...

Como disse, diariamente és tema de conversa, seja em telejornais (onde a primeira notícia é sobre ti), jornais (onde és manchete constantemente) e mesmo em programas de televisão (onde toda a gente se sente à vontade para tecer opiniões) e tudo o que toca nos teus assuntos parece interessar a uma sociedade geralmente desinteressada...

E tu nada fa­zes por este frenesim, nem agradeces pela atenção, nem repreendes por se meterem na tua vida. Por isso te pergunto, será que és assim tão importante? Será que as pessoas te conhecem assim tão bem? Como pessoa preocupada e como treinador, tudo o que gira à tua volta me interessa e há uns tempos reparei que tens uma enorme capacidade de gerar sentimentos e emoções e tens outra capacidade que eu invejo todos os dias, consegues fazer nascer beleza.

Claro que não és só tu, não sejas egocêntrico, se não fosse a nossa a ajuda (jogadores, treinadores, árbitros, adeptos, etc..) essa beleza não era tão interessante, mas também fomos nós que criámos em ti a capacidade de seres rude e, muitas vezes, tornas-te desagradável. Por isso, pela tua mestria na criação de beleza ou falta dela te considero uma arte.

Como qualquer tipo de arte, há várias formas de a fazer, mas a tua grande diferença para a pintura, a escrita ou o cinema, é que consegues ser mais mediático e mais controverso e, por isso, tens um grande dever que deves cumprir (desculpa se estou a ser moralista, ainda por cima és bem mais velho do que eu) - tens a obrigação de ser um motivo de alegria e tens a obrigação de agradar às pessoas, pois quem te vai ver a um estádio, vai com dois objetivos - o de ganhar e o de ver um espectáculo.

Aproveito para citar Arrigo Sacchi, alguém que te serviu de forma digna, que refere: “a vitória fica marcada nos livros, mas a forma de a conseguir fica marcada nas pessoas”.

Não sei como é contigo, meu caro amigo futebol, mas parece-me que há gente que só está preocupada com o resultado final é só olha para esse produto, sem perceber que ele é fruto de um processo, processo este que pode ser melhor ou menos bom, mas que é de difícil entendimento e só quem te estuda o pode perceber.”