“Dou muita atenção aos objetivos individuais de cada jogador”


Aos 48 anos, MIGUEL LEAL, mostra a massa de que é feita um bom treinador. Doutorado em psicologia, o técnico do Penafiel fala da sua carreira e da sua relação com os futebolistas.

São raros os treinadores estrangeiros nas competições profissionais portuguesas. Como vê esta aposta no técnico português?
É uma aposta que deve continuar, porque está mais que provado que os treinadores portugueses mostram enorme competência, estão muito bem preparados, apresentam resultados. Desde que lhes criem condições, os resultados estão à vista. Não há razões nenhumas para que se desista desta linha. Pelo contrário! Devem reforçá-la cada vez mais. Somos muito bons interna e externamente. Não é para puxar a brasa à minha sardinha, mas os resultados mostram isso.

Tendo em conta a sua experiência, acha que a relação treinador/jogador tem vindo a alterar-se?
Sim, penso que de facto esta relação se tem vindo a alterar porque, hoje em dia, os atletas têm outra cultura, outros conhecimentos e outra educação. E, à partida, isso faz com que a relação seja diferente. Estou no futebol há 20 anos e já tenho uma perspetiva histórica que me permite fazer uma avaliação deste género. Há muitas diferenças nos atletas mesmo no próprio jogo, na psicologia, nas relações humanas. Eles têm outras competências e isso faz com que o treinador também tenha de se adaptar para poder responder da melhor forma face a esta novas exigências que os jogadores e as equipas põem. Sabemos que cada treinador tem a sua forma de liderança e por isso trabalho a minha própria forma de liderança. O doutoramento em psicologia que tenho também é uma mais-valia neste aspeto.

Os dirigentes estão mais pacientes com os treinadores ou as “chicotadas psicológicas” são sempre inevitáveis?
Acho que a paciência continua igual, a melhoria ainda não aconteceu. O que faz com que o treinador se mantenha mais tempo nas equipas tem a ver com a crise. Isto porque cada vez há menos recursos. Contratar e despedir treinadores faz com que aumentem as despesas e tenho a impressão que as pessoas estejam mais comedidas. Por outro lado, como há menos recursos, têm de se escolher melhor os treinadores e a seleção, logo à partida é mais criteriosa. E portanto as equipas têm mais sucesso por causa disso.

Tem alguma referência como treinador?
Não. Já trabalhei com muitos treinadores, tanto portugueses como espanhóis, italianos e brasileiros. De cada um vou tirando o seu melhor, vou aprendendo com eles, logicamente. Tenho de lhes estar agradecido. E aprendo também com outros com quem vou conversando e sobre quem vou lendo, tirando as minhas ilações. Mas não deixo de seguir a minha linha. Acredito que quem quiser ter sucesso não pode andar a semear o sucesso de alguém. Sou a favor de que olhemos para as coisas dos outros, mas devemos seguir o nosso próprio caminho.

Já desempenhou várias funções em diferentes equipas técnicas. De que forma essa transversalidade lhe enriqueceu a experiência de forma a ser um melhor treinador principal?
Tenho uma carreira muito longa. Já fui observador, preparador físico, treinador adjunto… O futebol nunca tinha sido uma aposta séria para mim. Era-me mais fácil ser adjunto do que treinador principal, por questões pessoais e familiares. Ao longo de sete anos, o futebol era um meio de sobrevivência, não era a minha prioridade de vida. A partir do momento em que tudo se recompôs, que por acaso coincidiu com o momento em que fui para a Turquia com o José Couceiro, comecei a ter o futebol como objetivo prioritário. Em relação à minha carreira, sinto que tenho uma grande vantagem. Eu falo com o fisioterapeuta e percebo o que ele me está a dizer, falo com o observador e digo o que pretendo e o que considero melhor. Juntando tudo, é uma mais-valia muito grande e isso tem-me ajudado bastante.

Os jogadores reagem de maneira diferente consoante os responsáveis?
Sim, claro. Abriam-se mais comigo dantes, agora sinto que têm mais reservas. Como tenho essa facilidade de entendimento, percebo isso e chamo-o ao balneário para ter uma conversa com maior profundidade. Partilhamos ideias e objetivos, até porque dou muita atenção aos objetivos individuais de cada jogador. Mas também é verdade que quando eu era preparador físico ou adjunto eles tinham desabafos que não podem ter com um treinador. Mas atualmente consigo identificar os problemas, às vezes até antes de acontecerem. Na nossa equipa raramente temos problemas.

Como está a ver a presente temporada no Penafiel?
Acima de tudo, a temporada seria, se terminasse agora, excelente. Digo mesmo: “super excelente”. Porque construímos uma equipa com pouquíssimos recursos, temos dos orçamentos mais baixos da II Liga, e escolhi os jogadores de acordo com as minhas ideias e determinado tipo de personalidade. E se partirmos do pressuposto em que o objetivo passava apenas pela manutenção, nós olhamos agora para este espaço de tempo e dizemos assim: “Eh lá! Isto está a ser um sonho!” Nesta linha, e já que aqui estamos, vamos pensar jogo a jogo. E depois mais tarde talvez possamos acalentar outros objetivos. Sabemos que não temos as melhores soluções a nível individual, mas a nível coletivo acho exatamente o contrário. A nossa equipa está onde está porque é uma estrela. As expectativas foram altamente superadas. Este ano conseguimos fazer coisas que não estavam na cabeça de ninguém. O prémio de jogar com os três grandes foi excelente, nunca tinha acontecido a uma equipa da II Liga jogar com os três grandes num espaço curto de tempo. No mesmo mês, jogámos com as B dos três grandes também. Fomos duas vezes ao Marítimo e conseguimos superá-los. São coisas que normalmente não acontecem e estamos felizes. Vamos pensar sempre no passo seguinte.

Qual é a imagem que tem do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol?
Vejo muita proximidade entre o Sindicato e os jogadores, parece-me que há muita ação. Quero dar-vos os parabéns, que continuem assim e, se puderem ampliar a vossa ação, façam-no.

Perfil
António Miguel Nunes Ferraz Leal de Araújo
Data de Nascimento: 22/04/1968
Clubes: Régua, Penafiel (sub-19), Leixões (adjunto), Marco, Penafiel (adjunto), Padroense (sub-17), Paredes (adjunto), Beira-Mar (adjunto), Aliados Lordelo (adjunto), Gaziantepspor (preparador físico), Penafiel