“A profissionalização é o grande desafio da arbitragem”


Árbitro da AF Setúbal em entrevista ao SJPF.

Bruno Paixão defende que a profissionalização da arbitragem é o maior desafio do futebol português.

Em entrevista ao SJPF, o árbitro de Setúbal recorda o dia em que foi despedido porque a sua actividade não era compatível com a política da empresa.

O dia 30 de Novembro de 1997 diz-lhe alguma coisa?
Deve ter sido o meu primeiro jogo na I Divisão. Foi um Estrela da Amadora-Braga. Lembro-me de ter sido um jogo bastante com­petitivo, entre duas boas equipas, e de ter colegas da faculdade na bancada com um cartaz que dizia “Força, Paixão”. Desde aí já somo 212 jogos na I Divisão. Tem sido uma carreira de muita dedicação e que consegui alguns objectivos traçados no início.

Sempre conseguiu conciliar a arbitragem com a sua profissão?
Não tem sido fácil, principalmente devido aos jogos que fazemos durante a semana e às formações. Consegui sempre dar a volta a essa situação, mas ao longo destes 17 anos como árbitro da I Divisão tive alguns dissabores ao nível profissional.

Em que sentido?
Posso contar uma situação em que estava a trabalhar numa empresa há quase três anos. O dono entrou pelo escritório, eu estava numa reunião, e disse-me que ia ser dispensado porque a minha actividade desportiva não era compatível com a política da empresa. E tive de procurar outro emprego. Foi o exemplo mais drástico que tive.

A profissionalização melhorou a arbitragem?
Ainda está numa fase piloto, só abrange os internacionais. Os relatos que me chegam passam pela análise de vídeo, que tem ajudado a melhorar as nossas competências. E a nível pessoal também dá qualidade, porque há mais tempo para a família.

De 0 a 5, que nota daria à arbitragem portuguesa
Tenho de dar o 5! Embora haja muito para melhorar. Podemos dar o 5, mas temos de alterar a escala para chegar ao 10.

O árbitro é o elo mais fraco do futebol?
Já foi mais. Penso que começa a haver mais respeito e mais consciência de que fazemos parte do espectáculo do futebol e do produto futebol. Comparada com a situação de há uns anos a coisa tem melhorado, mas também há muito por fazer aí.

Acha que os árbitros também deviam falar no final dos jogos como fazem os jogadores e os treinadores?
Se nos derem formação, sim. Sinto que não temos formação ao nível da comunicação para o fazer neste momento. Deveríamos ter uma pessoa na nossa equipa para nos preparar para falar­mos no final do jogo. Ainda há muito trabalho por fazer para chegarmos a esse ponto.

É a favor da introdução das novas tecnologias?
Claro que sim, 100% a favor. Elas têm vindo a ser introduzidas e vão aparecer outras.

Como vê a introdução do cartão branco?
Acho que é uma boa medida, no sentido de educar ou formar pela positiva. É uma experiência piloto, mas acho que é uma ideia engraçada e estou curioso para ver o resultado da mesma.

Acha que os árbitros de baliza vieram ajudar?
Os árbitros de baliza foram, nos últimos tempos, a melhor medi­da tomada pela UEFA. Estive envolvido nos primeiros jogos des­se projecto e sem dúvida que facilitou muito a vida às equipas de arbitragem. As pessoas não percebem o que fazem ali, pensam que só estão a ver o espectáculo, mas não. Têm um sistema de áudio para comunicar com o árbitro e ajudam-nos bastante.

Quais são os grandes desafios da arbitragem e que me­didas podem melhorar o sector?
O primeiro grande passo é criar condições para que todos os ár­bitros da I Divisão consigam estar inseridos no actual projecto de profissionalização. Esse será o grande desafio para o sector.

Como analisa a relação entre as associações de clas­se (árbitros, treinadores e jogadores)?
É excelente. Já está a haver uma grande aproximação entre a APAF, associação de treinadores e de jogadores, mas deviam de promover mais acções de formação entre as classes. Seria muito positivo, aumentaria a confiança entre as várias partes.

Como tem visto a actuação do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Sempre que há algum problema está na linha da frente para de­fender os jogadores. Isso tem sido o vosso ponto de honra, pro­tegerem ao máximo a actividade laboral dos vossos associados.

Como deve ser a relação árbitro/jogador?
Muito cordial. Passa por um processo de confiança mútua. Se essa confiança existir, a relação dentro do campo vai melhorar.

Ao longo dos anos, tem notado uma mudança de compor­tamento dos jogadores para com os árbitros?
Claramente. Há mais diálogo e até mais cooperação no desenro­lar do jogo. Os jogadores compreendem melhor as nossas deci­sões e também aceitam melhor os nossos erros.

É conhecido por ser um dos árbitros que mais puxa pelo cartão. Sente que, dessa forma, controla melhor o ím­peto dos jogadores?
Acho que essa imagem tem mais a ver com o meu histórico. Nos últimos dois ou três anos, a minha média de cartões por jogo tem baixado. Mas sei que tenho essa imagem e, se calhar, também tem contribuído para que me respeitem mais.

Ser árbitro é apelativo para os jovens?
Se gostarem muito de futebol e da arbitragem, sim. Só gostando é que nós, ano após ano, e passando por algumas dificuldades durante a nossa carreira, nos mantemos nesta actividade.

Os clubes deveriam ter na sua estrutura ex-árbitros para auxiliarem jogadores, treinadores e dirigentes?
Seria um bom investimento por parte dos clubes. Se aliassem às suas equipas técnicas mais um elemento, cuja missão fosse co­nhecer as leis do jogo, seria uma mais-valia para o espectáculo.

O que sente a arbitrar jogos internacionais? A responsabilidade é maior?
Acho que sim, porque é chegar ao mais alto nível da arbitragem e as responsabilidades são muito acrescidas. Ao chegar a esse nível é preciso fazer tudo para lá continuar e para dar o exemplo a quem lá quer chegar.

Nos seus jogos já viu jogadores talentosos ao ponto de querer sentar-se na bancada a ver? Ou seja, um árbi­tro consegue apreciar a beleza do futebol?
Às vezes, embora o nosso foco dentro do terreno sejam as leis do jogo. Muitas vezes chego ao fim do jogo sem perceber se foi bem ou mal jogado. Mas, pontualmente, percebemos se um golo foi bem conseguido ou se o guarda-redes fez uma excelente defesa.