“Fui educado para dar o máximo nos estudos e no futebol”


O Vogal da Direção do Sindicato fala-nos dos seus hábitos e revela-nos o seu lado mais pessoal.

Pizzi disputou 52 jogos na época 2016/17, cumprindo 4250 minutos em campo. O aumento de jogos, de uma média de 30/35 para mais de 50, significa o quê em relação à exigência na preparação, no repouso, nas refeições?
Tem mudanças significativas, claro. Hoje é preciso muito treino, muito trabalho. Durante o dia, no Seixal, além dos treinos, há a outra parte que as pessoas não veem e que é o nosso repouso, a alimentação e isso é muito importante para um jogador profissional, no Benfica e neste nível de exigência. Um jogador que faz tantos jogos numa temporada tem de ter em atenção aspetos como o descanso e a alimentação. É claro que há momentos em que temos uns pequenos excessos, mas o demais é importante para termos um equilíbrio para no final da época podermos dar o máximo como se estivéssemos no seu início.

Esses excessos são raros, imagino, mais a nível da vida pessoal?
Claro, mas são sempre controlados, comer qualquer coisa diferente, descansar um pouco menos, mas sempre de forma regulada.

Como se sente um transmontano que é o terceiro jogador mais caro na história do Benfica? É um motivo de orgulho ou de responsabilidade acrescida, ou não tem assim tanta importância?
É um motivo de orgulho, claro, mas sinceramente não me traz um acréscimo de responsabilidade, pois só jogar no Benfica já é uma responsabilidade enorme. O valor que o Benfica pagou por mim não afeta em nada o meu rendimento porque sei que todos os dias tenho de dar o máximo, sei que tenho de trabalhar sempre nos limites para corresponder à expetativa que o presidente e os adeptos em geral depositaram em mim.

Aos 27 anos renovou com o clube até 2022 e passou a ter uma cláusula de 45 milhões de euros. Gostava de terminar a carreira no Benfica, ou ainda é cedo para pensar nisso e uma nova experiência lá fora não deve ser descartada?
Ainda só tenho 28 anos e falar no final da carreira é bastante relativo. O que posso dizer é que estou muito feliz aqui, renovei contrato até 2022 e a verdade é que estou muito bem nesta casa. Fui sempre acarinhado por toda a gente desde o primeiro momento e se eventualmente terminasse a minha carreira aqui, seria muito feliz porque o faria num clube tão grande como o Benfica.

Ficou com a alcunha de Pizzi devido aos muitos golos que marcava quando era criança. Se nessa altura jogasse a médio, como agora, que alcunha gostaria de ter tido. Há quem, agora, lhe chame Maestro…
A alcunha deve-se ao facto de na altura, quando jogava com os meus amigos, usar uma camisola do Barcelona quando jogava lá o Pizzi. Por isso começaram a dar-me essa alcunha e acabou por ficar até hoje. Não foi algo que eu quisesse ou sonhasse, mas foi ficando e agora, sinceramente, é uma alcunha bonita e de que todas as pessoas gostam. Sou médio e gosto quando as pessoas falam do Maestro, mas isso não é importante. O que importa é ser mais um jogador, no meio ou na frente, a ajudar o Benfica.

O futebol entrou cedo na sua vida, mas alguma vez sonhou ter outra profissão, bombeiro, aviador, cosmonauta?
Desde pequeno que tinha a ambição de ser jogador de futebol profissional, mas a verdade é que sempre completei os meus estudos, sempre tentei dar o máximo na escola e no futebol. Os meus pais sempre me obrigaram a estudar para conseguir fazer as coisas bem no futebol, e devido a essa educação acabei por entrar no curso de fisioterapia. Mas como a certa altura já não conseguia conciliar o estudo com o futebol, acabei por deixar. Claro que não era um sonho ser fisioterapeuta, mas foi uma coisa que surgiu a certa altura e estava a gostar bastante, mas não consegui continuar. Graças a Deus que correu tudo bem com o futebol.



A forma como celebra os golos, ao fazer a continência, deve-se a um grupo de amigos de Bragança. Continuam a ser pessoas importantes na sua vida? Explique lá a história da continência.
Sim, são amigos desde sempre de Bragança e quase todos jogaram comigo nas camadas jovens do clube. Convivemos desde crianças, morávamos todos próximos uns dos outros, até porque Bragança é uma cidade relativamente pequena e toda a gente se conhece. Isso da “tropa” surgiu uma vez em que estava em Espanha e os meus amigos pediram um dia para festejar um golo batendo a pala, para celebrar a nossa amizade e união. Agora celebro sempre assim porque eles foram pessoas que me ajudaram sempre bastante a nível pessoal e profissional.

Nos infantis do Bragança, houve um jogo em que marcou 18 golos! Recorda-se como foi?
Claro. Foi num jogo contra o Mirandela, ainda naquele campo de futebol de sete, mais pequeno, e nós ganhamos 29-0 e eu fiz 18 golos. Foi uma marca muito bonita e até hoje ficou como algo especial na minha passagem pelo Bragança.

Aos 16 anos já jogava nos seniores do Bragança. Como foi essa transição?
Tive de ir fazer um exame para poder subir dois escalões, para saber se estava em condições físicas para o fazer. Era um miúdo e ver-me ali no meio daqueles craques do Bragança, que eu ia ver jogar aos fins-de-semana com o meu pai e o meu irmão, foi uma alegria enorme. Foi uma ajuda muito grande para o que veio a seguir, pois ajudou-me a crescer como jogador e como pessoa.

Depois de ter sido contratado pelo Sp. Braga foi emprestado ao Ribeirão. Nessa altura chegou a temer pelo futuro profissional?
Sim, nessa altura cheguei a ter dúvidas. Não em desistir do futebol, mas a pensar no que fazer. Estudava fisioterapia, tinha contrato com o Sp. Braga e tinha de decidir um rumo. Tive que optar por deixar os estudos e dedicar-me ao futebol. Estava na segunda divisão B, que é um escalão muito diferente da primeira liga, e tive muitas dúvidas. Será que isto vai dar, será que vou conseguir chegar ao topo? Felizmente, consegui concentrar-me e as coisas correram bastante bem.

Jogou depois no Sporting da Covilhã, Paços de Ferreira, três clubes em Espanha – At. Madrid, Deportivo e Espanyol. Com foi essa experiência em Espanha?
Há diferenças para o futebol português. Fui para Espanha com 21 anos, bastante novo, e passei do Paços de Ferreira para o Atlético Madrid, que é um clube enorme. Claro que foi complicado para mim, não tinha bem a noção do que era o futebol em Espanha e custou-me adaptar-me de início. Mas com a ajuda da minha família, da minha mulher, Maria, dos meus amigos, consegui dar a volta por cima. Não fui muito feliz no Atlético por causa dessas dificuldades que referi, mas nos dois anos seguintes, no Deportivo e no Espanyol, foram muito bons. Joguei com muita regularidade, fui importante no desempenho das equipas e isso fez-me crescer bastante.

Na época passada, o Pizzi bateu o seu anterior recorde de golos, 11 ao serviço do Paços de Ferreira. Era uma meta que havia estabelecido para si próprio ou foi algo que aconteceu pela própria evolução do seu estilo de jogo, pela posição em campo?
Nunca fui de estabelecer muitas metas. Temos de dar o máximo todos os dias, treinar bem e jogar bem para atingir coisas cada vez maiores. Foi isso que aconteceu. Desde o primeiro momento, qualquer jogador quer fazer golos e ser importante, mas o meu foco foi apenas a equipa, ajudar a equipa a conquistar vitórias. Estou feliz porque foi uma marca histórica para mim, consegui passar o meu recorde de golos e ajudei o Benfica a ser tetracampeão.



Já tinha trabalhado com Rui Vitória no Paços de Ferreira e reencontrou-o no Benfica. É caso para dizer que os dois estão diferentes para melhor?
Ao longo dos anos, os jogadores e os treinadores evoluem consoante a própria evolução do futebol. O futebol está sempre em mudança, em termos de tática e de cultura, e tanto eu como o míster Rui Vitória estamos diferentes em vários aspetos e acho que é para melhor, pois está à vista de toda a gente. No Paços de Ferreira já tínhamos conseguido coisas boas, como chegar à final da Taça da Liga, frente ao Benfica precisamente, uma boa classificação no campeonato e agora aqui, no Benfica, nestes dois anos conseguimos todos estes títulos. Estamos os dois mais velhos, mas melhores.

Ao longo destes anos, no Benfica, o Pizzi jogou na direita, no centro, conforme as presenças em campo de jogadores como Enzo Pérez ou Renato Sanches. Tem sido uma espécie de pau para toda a obra. Será que isso o torna melhor jogador, mais exigente consigo próprio e visado pelos adeptos e críticos?
Eu desde que comecei a jogar futebol fui evoluindo. Comecei a ponta-de-lança, depois fui para uma linha, depois para a outra… Fui habituado a jogar em várias posições e penso que é bom para os treinadores terem este tipo de jogadores polivalentes. O ideal, para o jogador, é fixar-se numa posição e tentar evoluir aí. Mas consoante a necessidade da equipa fui-me adaptando às circunstâncias. No primeiro ano no Benfica comecei a jogar a 8, depois fui para a direita e na última época comecei nas linhas e voltei para 8. Sempre tentei dar o máximo em prol da equipa e penso que as coisas correram sempre bem.

O nascimento do seu filho Afonso, em abril de 2016, mudou de alguma forma a sua vida, tornou-o num jogador melhor?
Mudou muito na minha vida. Cada vez que entro em campo tenho mais uma pessoa em quem pensar e pela qual dar o máximo. O nascimento de um filho é sempre o ponto mais alto na vida de uma pessoa e tanto eu como a minha mulher ficámos muito felizes com o nascimento do Afonso. Já tem quase dois anos e ajuda-nos bastante.

Regressou à Seleção Nacional. Espera estar no Mundial de 2018 na Rússia?
Qualquer jogador quer fazer parte do lote de escolhas do míster Fernando Santos e eu não fujo à regra. É um prazer e um orgulho enorme representar a Seleção Nacional e o que faço é todos os dias no Benfica dar o meu melhor para poder ser chamado. Se vou ser chamado para o Mundial da Rússia ou não, acho que isso só cabe ao míster Fernando Santos decidir.

Como viveu o Europeu de França?
Acho que como todos os portugueses, com uma alegria enorme, um orgulho por ver aqueles jogadores, toda a Seleção Nacional, levantar a taça. Fui mais um adepto por fora a torcer e felizmente acabou tudo bem. Eles foram uns guerreiros dentro do campo e contrariaram todas as expetativas.

O que recorda do momento em que foi chamado pela primeira vez à Seleção Nacional por Paulo Bento, acabando mesmo por marcar um golo ao Gabão?
Foi uma alegria enorme. Lembro-me que ainda estava no Deportivo e foi uma felicidade gigantesca e tive a sorte de fazer um golo na estreia. Representar a Seleção Nacional é o expoente máximo na carreira de um jogador e já concretizei esse senho.



Lê jornais ou nem por isso?
Não muito… Agora com as redes sociais acabamos por estar ligados a tudo, mas comprar e ler jornais nunca foi um hábito meu. Se isso é bom ou mau, não sei. Não preocupa muito o que possam dizer sobre mim ou o Benfica. Acho que um jogador tem de se focar no que consegue controlar, e o que conseguimos controlar é o nosso trabalho, a entrega diária à profissão.

E tempos livres, cinema, teatro, televisão?
Cinema gosto muito. Agora nem tanto por causa do nosso filho, mas eu e a minha mulher gostávamos muito de ir ao cinema sempre que podíamos. De teatro não sou muito fã e claro que televisão, em casa, está sempre ligada.

Um prato favorito e aquele que mais detesta. Gosta de cozinhar?
Por acaso sei cozinhar e sempre que posso lá vou eu para a cozinha. Não sou grande especialista, atenção, mas dá para desenrascar. O meu prato favorito é arroz de marisco e o que mais detesto… acho que nenhum pois sou um bom garfo, como se costuma dizer, e como quase tudo o que me aparece à frente.

O Pizzi e Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, são ambos naturais de Bragança. Alguma vez se encontraram na terra natal?
Lá, em Bragança, por acaso não. Mas por Lisboa e outros locais, imensas vezes. Agora também não tenho tanto tempo para voltar a Bragança.

Foi eleito para vogal da Direção do Sindicato para o mandato de 2017/2021. O que o levou a aceitar este desafio e que opinião tem sobre o trabalho desenvolvido pelo Sindicato?
Além do presidente, Joaquim Evangelista, ser meu conterrâneo, sempre apreciei as ações do Sindicato e a partir do momento em que ele me convidou aceitei logo no primeiro momento, porque é uma boa causa.

Perfil
Nome: Luís Miguel Afonso Fernandes “Pizzi”
Data de nascimento: 6 de outubro de 1989
Posição: Médio
Clubes que representou: Bragança (formação), Bragança, SC Braga (formação), Ribeirão, SC Covilhã, Paços de Ferreira, SC Braga, Atlético Madrid (Espanha), Deportivo (Espanha), Espanyol (Espanha) e Benfica.