“Hoje só não completa o 12.º ano quem não quiser”


O defesa do Penafiel aconselha os jogadores de futebol a, pelo menos, completarem o 12.º ano.

Concluiu o 12.º ano através do Programa de Educação do Sindicato. Como surgiu o interesse para voltar aos estudos?
É uma coisa que toda a gente deve tentar completar, como era o meu caso. Sabia que tinha essa possibilidade através do Sindicato. Falei com o Anselmo, que é meu amigo, tratámos da papelada, inscrevi-me numa escola no Porto e passado meio ano tinha o 12.º ano completo. Só me faltava Matemática para terminar o 12.º. Penso que é uma coisa que hoje toda a gente tem de ter, no mínimo, e foi o que fiz.

A família e o Freamunde apoiaram-no relativamente aos estudos?
Sim. No fundo foi uma decisão minha, mas os meus pais já me tinham dito há bastante tempo para tirar o 12.º. Na altura era miúdo, não ligamos muito a isso, mas depois um dia mais tarde é que damos valor e nos apercebemos que afinal era importante termos essa escolaridade. A minha namorada também me apoiou e, na minha opinião, foi um passo positivo para o meu futuro.

Conseguiu fazer bem a gestão do tempo para os estudos com o futebol?
Consegui porque na escola também temos alguma facilidade. Normalmente ia lá duas vezes por semana, depois fazia o resto em casa e enviava por e-mail para os professores. Digamos que não há muita dificuldade. É uma coisa acessível e é fácil de fazer.

Terminar o 12.º ano sempre foi uma ambição?
Sim, sempre tive consciência de que tinha de acabar o 12.º e quando o Sindicato falou connosco despertou o meu interesse e disse “então vou fazer”. Meti isso na cabeça e passado pouco tempo já tinha feito.

Sentiu alguma dificuldade em readquirir o hábito de estudar?
É um bocado estranho, mas não foi muito complicado. Se nos aplicarmos um bocadinho é fácil de fazer.

Acha que faltam medidas que apoiem a conciliação dos estudos com a profissão de futebolista?
Sinceramente, hoje só não completa o 12.º ano quem não quiser. Temos grandes acessibilidades através do Sindicato. Depois os professores, sabendo a nossa profissão, uma vez que temos de descansar muito e cumprir os nossos horários, também facilitam o nosso trabalho. Estão reunidas as condições para completarmos, no mínimo, o 12.º ano.

Este ano parou os estudos. Pretende continuá-los e tirar um curso?
Sim, já estive a ver o curso de Gestão Desportiva. Este ano não tirei porque vim para o Penafiel e queria dedicar-me mais ao futebol, mas se calhar para o ano vou tirar esse curso. É sempre alguma coisa que temos quando acabarmos o futebol e é quase garantido que vou tirar um curso, só ainda não sei bem qual. A área de Gestão Desportiva foi a que me suscitou mais interesse, mas tenho de ver mais aprofundadamente e depois escolher uma.

Um jogador com formação académica pode ser melhor em campo?
Quem for bom a nível académico tem de ser uma pessoa inteligente. Quem não for inteligente tem sempre mais dificuldade. E um jogador para ter sucesso quanto mais inteligente for melhor jogador será. Tanto dentro de campo como fora dele, na gestão da carreira. Penso que esse é um fator crucial para um jogador de futebol. Não sou um jogador do outro mundo, nem sequer sou ídolo para ninguém, mas considero-me uma pessoa inteligente e penso que isso ajuda-me bastante na minha profissão. E penso que quanto mais nós estudarmos e nos informarmos melhor seremos, seja a nível futebolístico ou a nível pessoal.

Era visto pelos colegas de turma como um exemplo a seguir?
Sentia-me um bocadinho mais acarinhado. As pessoas até perguntavam como é que tinham ficado os resultados e tinham alguma curiosidade em saber como era o nosso dia-a-dia. Algumas pensavam que tínhamos uma vida como aquelas que veem na televisão, o que é mentira. A vida de grande jogador da bola não é a nossa realidade, infelizmente, é a realidade de quem joga em clubes grandes, e as pessoas às vezes pensam que o nosso dia-a-dia é igual.

E os seus colegas de equipa? Viam-no como um exemplo por ter voltado a estudar?
Primeiro ninguém acreditava, mas meti aquilo na cabeça, disse que ia fazer e fiz. Depois disseram-me que fiz bem e se calhar na altura fui um exemplo porque havia pouca gente na equipa que tivesse o 12.º. Penso que fiz ver aos outros jogadores que é fundamental nós, no mínimo, termos essa escolaridade.

Aconselha os outros colegas a não abandonar os estudos, sobretudo os mais novos?
Aconselho todos os jogadores, sejam novos ou com uma idade mais avançada, porque o futebol passa muito rápido. Sei que esta é uma velha máxima, mas é a realidade. Quando damos por ela já estamos na casa dos 30, é um tirinho até acabarmos a carreira. Depois quando acabamos não temos nada a que nos agarrar e se tivermos estudos ficamos com outros caminhos para seguir a nossa vida. Infelizmente, a nossa realidade não nos permite ficar bem na vida quando terminamos a carreira, temos de fazer algo, e se tivermos essa escolaridade até ficamos mais confiantes em relação ao nosso futuro e o das nossas famílias. Penso que é super importante e todos os jogadores devem estudar, independentemente da idade.

Abandonar os estudos precocemente é uma das maiores “pragas” para quem quer ser jogador profissional?
Penso que isso tem a ver um pouco com a nossa maturidade nessa idade. Com 17/18 anos somos um pouco imaturos, pensamos que a vida é um mar de rosas porque vivemos à custa dos nossos pais e nada nos custa a ganhar. Só queremos saber do futebol. A maioria dos jogadores depois nem são profissionais, ou seja, nem têm estudos nem conseguem alcançar o sonho deles e ficam sem nada. Penso que isso é um erro. É fácil falar agora porque já estamos mais velhos, temos a nossa família, somos pessoas mais maduras e é difícil dizer isto a um miúdo dessa idade porque ele não entende, pensa como nós pensávamos quando éramos mais novos. Mas penso que isso também tem a ver com a informação que se passa. Deviam ser jogadores com dimensão muito superior à minha, porque os ídolos são os que jogam nos três grandes, por exemplo, a falar. Se esses jogadores dessem essa informação se calhar os miúdos tinham outra maneira de ver a realidade escolar. Eu posso falar, mas a mim ninguém conhece. Se esses jogadores falassem teria outro impacto.

O Penafiel ocupou sempre os primeiros lugares da II Liga. Qual foi a principal virtude da equipa para uma época tão positiva?
O maior mérito que temos é o nosso grupo, que é fantástico. Ninguém se sente mais do que ninguém, somos todos importantes, cada um na sua posição, e penso que isso foi a nossa maior força. Nós certamente que não tínhamos os argumentos de outras equipas, com outro potencial, que financeiramente tinham outros valores, mas a nossa força era interior, dentro do clube, desde o presidente a todas as pessoas que trabalham no clube. Temos um ambiente muito bom.

Mas a subida era o objetivo para esta época?
O objetivo era a manutenção. Sabemos que nesta divisão há muito equilíbrio e o que queríamos era conseguir somar os pontos que nos dessem a manutenção o mais rápido possível. Depois, dependendo dos jogos que faltassem, tentar conseguir alcançar algo mais e foi o que aconteceu. Conseguimos a manutenção muito rapidamente e depois, claro, com uma tranquilidade maior, conseguimos ir lá para cima tentar alcançar os lugares que davam acesso à subida, que infelizmente não foi possível. Mas penso que ficou uma imagem muito positiva de toda a gente, clube, equipa técnica e jogadores, que só nos valorizou.

Fez mais de 30 jogos, naquela que foi a sua primeira época no Penafiel depois de muitos anos no Freamunde. Satisfeito com o rendimento individual?
Pessoalmente penso que foi um ano positivo. Fiz a maior parte dos jogos e penso que estive num bom nível, dentro daquilo que acho que é o meu valor. Estou satisfeito com isso. Só damos valor ao nível individual se coletivamente a equipa estiver bem e numa boa posição. E foi isso que aconteceu.

Qual é a sua opinião sobre a atuação do Sindicato?
Penso que é super importante porque temos variadíssimos casos, infelizmente já se passou comigo, e o Sindicato sempre esteve lá para apoiar os jogadores, fosse ele qual fosse. É uma segurança que o jogador tem. Felizmente há cada vez menos clubes a não cumprir com os jogadores, mas nos casos em que isso acontece o Sindicato está lá para ajudar o jogador e isso é fundamental para nós.


Perfil
Nome: Luís Pedro Gomes Martins
Data de nascimento: 23 de junho de 1989
Posição: Defesa
Percurso como jogador: Freamunde (formação), Freamunde, Portimonense, Freamunde e Penafiel.