“Aqui dão mais valor ao jogador português do que a outro estrangeiro”


Há três anos na Grécia, o médio defensivo português do AEK considera que fez uma escolha acertada.

Que balanço faz das três épocas que leva na Grécia?
Faço um balanço bastante positivo. Na altura foi uma aposta minha ir para o estrangeiro porque precisava de ter uma sustentabilidade que nos clubes pequenos em Portugal não se pode ter. Arrisquei vir para um projeto de um clube que vinha da Segunda Divisão, mas que era um grande clube e já sabia que as coisas iam correr bem. E, claro, este título que ganhámos na temporada passada ainda me dá mais razão e, de facto, estou bastante satisfeito com a escolha que fiz porque foi uma aposta acertada.

Na sua primeira época, o AEK venceu a Taça e na última foi campeão. O que é que isso significa na sua carreira?
Foi muito marcante para mim. Saí do Moreirense, uma equipa pequena em Portugal, e vim para um projeto de uma equipa muito grande. Era um gigante adormecido, um clube que tinha estado nas divisões inferiores, que precisava urgentemente de títulos e consegui-los logo na primeira época foi muito importante. Festejámos imenso, ficámos muito felizes, mas claro que não há comparação quando se trata de ganhar um campeonato. Foi uma loucura completa o que aconteceu aqui! Ganhar uma liga 24 anos depois.… Não sei se as pessoas têm noção da emoção que se vive.

Ter sido campeão enquanto capitão teve mais impacto?
Sim, também, claro que teve mais impacto. Eu não era o capitão de equipa, é um grego, mas como ele teve uma lesão grave e prolongada, uma lesão no joelho, passei a usar a braçadeira e a liderar a equipa. Claro que isso conta muito. O papel de um capitão realmente é muito importante num grupo e foi muito marcante para mim. Foi um prazer imenso usar a braçadeira e guardei-a para mim porque é uma história que fica para contar: fomos campeões 24 anos depois e, nesse último jogo do campeonato, era eu que estava com a braçadeira.

Chegou à Grécia numa fase muito conturbada do país. Equacionou regressar durante esse período?
Não, nunca pensei em regressar por causa disso. Cheguei numa altura de muitas manifestações políticas, o país vive uma situação de crise, como tivemos em Portugal, mas tem vindo a melhorar. Mas nunca pensei abandonar o projeto desportivo por uma situação política do país.

Teve como colegas de equipa os compatriotas Hélder Barbosa, Hugo Almeida e Hélder Lopes. Foram importantes para a sua adaptação?
Sim, foram muito importantes, principalmente o Hélder Barbosa, que estava cá quando cheguei. Fez a ligação com os outros jogadores e até com a própria cidade. O Hélder Barbosa já jogava aqui há um ano e foi bastante importante para mim na adaptação à cidade e ao clube. Depois fiz essa ligação com o Hugo Almeida e agora com o Hélder Lopes que, atualmente, é o único que está comigo. Mas é sempre bom termos alguém do nosso país porque é com essas pessoas que nos relacionamos melhor e que estamos mais vezes.

Que diferenças existem entre a Liga grega e a nossa?
Em termos de equilíbrio, a liga portuguesa é mais forte. Os grandes são mais fortes e também há desequilíbrios como aqui na Grécia, dos grandes para os pequenos. Creio que a grande diferença é que em Portugal os estádios estão mais compostos e é mais seguro, as pessoas podem ir aos estádios com a família. Aqui há mais fanatismo. Nos estádios há mais homens e fazem tudo: barulho, tochas, fumo, tudo. Passei de um clube humilde para um clube que é gigante, com imensos adeptos, que num jogo normal põe 30 mil pessoas no estádio.

Inscreveu-se no Sindicato da Grécia?
Aqui somos obrigados a inscrever-nos no Sindicato. É obrigatório, todos os jogadores têm de estar inscritos e acho que é uma boa medida. Acho que os jogadores dos clubes grandes devem contribuir para que os jogadores dos clubes mais pequenos, que às vezes não recebem, tenham um sítio onde se apoiarem.

Tem espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Sempre tive o objetivo de jogar noutros campeonatos. Claro que damos sempre preferência a um clube grande do nosso país, esse é o maior objetivo de um jogador português, mas como isso não aconteceu decidi sair do país porque tinha um projeto muito atrativo. Mas não sou muito aventureiro no sentido de descobrir países. Aqui tive sorte de ser um país bastante parecido com Portugal: o clima, a comida, as pessoas também são bastante simpáticas…. Não sou aquele tipo de jogador que vai para qualquer lado. Isso não dava para mim.

Como é viver em Atenas? A cidade é conhecida pelo trânsito caótico.
Sim, mas nós não vivemos mesmo em Atenas. Vivemos numa parte calma, num bairro de praia. Passamos um bocado ao lado dessa parte do trânsito. Mas sim, aqui a condução é diferente de Portugal. É o desenrasca. Se for preciso passam por cima do passeio, pela direita, vale tudo! Não ligam tanto às regras.

A língua é bastante difícil: já fala alguma coisa?
Consigo dizer palavras e consigo perceber quase tudo, mas é muito difícil ter uma conversa em Grego. É uma língua bastante complicada. Mas já consigo apanhar bastantes coisas.

Já ganhou algum hábito da cultura grega?
Já ganhei um hábito, mas é uma coisa normal. Eles aqui bebem o café frio, com gelo, mas acho que qualquer pessoa que venha para aqui habitua-se a esse café frio por causa do clima. Não dá para beber nada quente.

Mas quando vem a Portugal bebe com gelo à mesma?
Não, em Portugal é um expresso, nada de gelo. Um cafezinho curto ou uma meia de leite é o que sabe melhor. [risos] Em Portugal gosto de ser português. Gosto de comer um bacalhau, beber um vinho tinto, um cafezinho, essas coisas.

E em relação à comida: há algum prato grego que costume cozinhar?
Não. Prefiro comer a comida típica que comemos em Portugal. A comida grega também é boa, é muito parecida com a nossa. Comem muito peixe grelhado, não há grandes diferenças. Têm a moussaka, que é uma espécie de lasanha, mas eu não como muito disso.

Já viveu algum episódio caricato na Grécia?
Na rua as pessoas agarram-te, é diferente. Ainda para mais, em Portugal joguei num clube humilde, no Moreirense não estava habituado a isso. Quando vou passear com a minha mulher no centro da cidade, por exemplo, as pessoas começam a olhar para mim, reconhecem-me, agarram-me e eles aqui gostam muito de dar beijos. Chegam à tua beira, apertam-te a mão e dão-te dois beijos. E tu ficas… não estás à espera. Mas para eles é uma situação normal. E vivi um episódio engraçado: quando fomos campeões festejámos num autocarro de caixa aberta na zona onde estão a construir o novo estádio e começou a chover. Estivemos para aí duas horas em cima do autocarro à chuva. Mas ninguém quis saber. Era dia de festa, não havia nada que nos parasse! Foi uma loucura!

Sente que na Grécia lhe cobram mais por ser estrangeiro ou, por outro lado, é mais protegido por isso?
Creio que em todos os países, no futebol, assim como se vê em Portugal, dão mais valor aos estrangeiros. Aqui é igual. E aqui dão mais valor ao jogador português do que a outro estrangeiro. O jogador português, aqui e em todo o lado, ganhou fama de trabalhador. Não há nenhum jogador português que vá para o estrangeiro e não se agarre à oportunidade. Somos muito assim. Chegamos a qualquer lado e é para trabalhar, não é para passar férias. Consigo perceber isso até pelos treinadores: eles procuram muito o jogador português porque confiam mais em nós. Chegamos lá e é para trabalhar, já sabem o que a gente dá. E sinto que as pessoas gostam de mim e dos outros portugueses porque vamos à luta, metemos o pé, a cabeça, metemos tudo!

Pensa em regressar a Portugal ou prefere continuar a carreira no estrangeiro?
É difícil responder a isso. Claro que gostava muito de jogar no meu país, claro que sim. Estou num grande clube no estrangeiro, não podia voltar para um clube qualquer, mas se me dessem uma oportunidade de jogar num grande em Portugal claro que gostaria de voltar. Quem é que não gostava de ficar em casa, perto da família e dos amigos? Estares a fazer o teu trabalho e logo num clube grande, que te dá tudo e a mesma projeção que tenho aqui?

Nunca jogou pela seleção principal. Uma vez que foi tão bem acolhido na Grécia, seria capaz de seguir o exemplo do Zeca e alinhar pela seleção grega?
É muito difícil responder. Só mesmo quando a situação acontecesse é que era o momento de decidir. É difícil pensares que podes representar outro país quando tens amor ao teu país e à tua seleção. Claro que qualquer jogador tem o sonho de jogar na seleção portuguesa e esse sonho é sempre uma possibilidade. Nunca se sabe o dia de amanhã, onde é que podes estar a jogar e se não se abrem as portas da seleção. Não podemos estar a ir para outro lado e fechar as portas do nosso país. Mas nunca vou dizer que não porque não sei o dia de amanhã.

O que é que leva na mala sempre que vem a Portugal?
Não levo nada. Encontro tudo o que preciso aqui.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Acho que o que tem feito tem sido bastante importante. Ainda há tempos li uma reportagem de um jogador que estava na Grécia, que pediu ajuda e até nesses casos, de jogadores que estão no estrangeiro, o Sindicato tem ajudado. Acho que é de louvar o que têm feito. Já agora, quero agradecer pela mensagem de saudação que me mandaram quando fomos campeões. O Sindicato é sempre uma ajuda para todos os jogadores, é uma mais-valia e os jogadores têm de contribuir para que o Sindicato depois consiga ajudar outros jogadores, que é o que estamos a fazer aqui na Grécia.


Perfil
Nome completo: André Luís Gomes Simões
Data de nascimento: 16 de dezembro de 1989
Posição: Médio
Percurso como jogador: FC Porto (formação), Padroense (formação), Leixões (formação), Padroense, Santa Clara, Moreirense e AEK Atenas (Grécia).