“As coisas conquistam-se com trabalho e temos de nos respeitar”


O capitão do Sporting da Covilhã já usou a braçadeira noutras equipas e tem como exemplo Puyol.

Mereceu a braçadeira de capitão do SC Covilhã. Como foi eleito para o cargo?
Penso que foi devido a já estar aqui há algum tempo e com a saída de alguns jogadores, apesar de ter ficado um ou outro mais antigo no clube, acho que foi uma escolha dos treinadores e da Direção. A partir do meu segundo ano aqui, fiz sempre parte do grupo dos capitães.

Já tinha sido capitão noutros clubes?
Sim. Já tinha sido nas camadas jovens do Boavista, sempre fui um dos capitães nos Sandinenses, de Braga, mas em termos de sénior só mesmo aqui.

Sente que impõe uma liderança natural no balneário?
Tenho a minha forma de liderar, cada um tem a sua personalidade. Se calhar pelo meu caráter, também pela minha entrega, dedicação e profissionalismo, penso que tenha sido por isso que fiquei capitão.

Há algum capitão que tenha como exemplo?
Há um que me salta à vista: o Carles Puyol, pela garra, determinação e entrega que tinha ao jogo, e mesmo pelo companheirismo que sempre teve. É um exemplo que quero seguir e que tenho na memória. De antigos capitães meus recordo o Edgar Sá, que foi meu capitão aqui, sempre me revi nele, tal como no Carlos Manuel, que tive como capitão no SC Espinho. Sempre vi neles uma postura de profissionalismo e uma forma de encarar as dificuldades que são exemplos que tentei seguir, tal como os conselhos deles, porque eram pessoas com muita experiência no futebol e convivi com eles muito tempo. Isso também me ajudou.

Que valores transmite aos mais jovens e a quem chega ao clube?
Tento passar os valores do clube, que não é um clube qualquer, que tem 95 anos de história e excelentes condições. E digo-lhes para serem dedicados, profissionais, para darem o seu melhor porque o clube assim o exige e as pessoas ao terem um compromisso temos de ter um compromisso com elas. E, apesar de não ser daqui, sou de Guimarães, representamos uma região. Também trago um pouco dessa mística que se vive em Guimarães, de puxarmos uns pelos outros e estarmos unidos.

Como capitão, alguma vez precisou de chamar um colega à atenção de uma forma mais dura?
Sim, há sempre alguns casos que surgem quando as coisas não estão a correr bem. Mas é uma questão de falar, de uma forma aberta e sincera, e os jogadores acabam por perceber que se calhar naquele momento não estiveram bem, que foram aqueles cinco segundos em que lhes parou o relógio, mas seguem em frente e aceitam bem os conselhos. Costumo dizer isso aos mais novos, que estamos aqui para os ajudar nas carreiras e dar-lhes os conselhos que também nos transmitiram.

Ter de assumir esse papel é uma situação ingrata ou é natural?
Às vezes é preciso ser um pouco duro porque temos de tomar essas decisões. Não é fácil ter de as tomar, mas têm de ser feitas para o bem do grupo e para que as coisas não tomem outras proporções. Claro que todos queremos singrar na vida, mas não podemos passar por cima dos outros. As coisas conquistam-se com trabalho e temos de nos respeitar. Se não nos respeitarmos é mais difícil atingir os objetivos do clube, que são os mais importantes.

Do que é que os capitães costumam falar quando trocam galhardetes? Muitas vezes vemos os jogadores e o próprio árbitro a rir.
São coisas que surgem no momento. Às vezes já nos conhecemos, por nos defrontarmos noutras vezes, e acabamos por partilhar algum momento ou até comentamos alguma coisa da vida pessoal, mas normalmente desejamos boa sorte, bom jogo, porque também não há muito tempo para conversar, e no final do jogo conversamos mais.

E costuma haver algum tipo de picardia saudável com o outro capitão? Algumas bocas na brincadeira?
Às vezes. Lá está, depende se conhecemos o outro capitão, mas às vezes brincamos um com o outro, “és um palhaço, és sempre a mesma coisa, não mudas nada”, essas coisas assim que surgem no momento.

Os árbitros costumam ser mais tolerantes com os protestos dos capitães?
Acho que tentam ser justos com todos. Por sermos capitães, os árbitros tentam perceber que falamos pelo coletivo. Às vezes não é fácil, mas acho que eles tentam respeitar todos de igual forma, como se não tivéssemos braçadeira. Também depende muito do estatuto dos jogadores, da experiência e da forma como abordam o árbitro.

Alguma vez foi expulso por palavras enquanto capitão?
Por palavras nunca fui expulso. Aliás, só fui expulso duas vezes, uma como iniciado ou juvenil e outra já como sénior aqui no SC Covilhã, num jogo contra o Olhanense, mas foi por duas faltas que fiz.

Cumpre a sua sétima época no SC Covilhã. Qual foi a mais marcante?
Foi quando quase subimos de divisão. Ficámos com os mesmos pontos da outra equipa que subiu, o União da Madeira. Foi até ao último segundo da última jornada, porque o Tondela marcou perto do fim e subiram eles e o União. Nós jogámos com o Santa Clara nos Açores, ganhámos esse jogo, mas precisávamos de alguns resultados e ficou essa marca por termos lutado até ao fim. Fizemos 80 pontos e foi uma época extraordinária.

Jogou uma época na I Liga, pelo Boavista, em 2007/08, e o SC Covilhã não está na principal divisão desde 1988. Acredita que pode regressar a esse escalão ao serviço do clube?
Acredito que sim. O clube está a desenvolver-se nesse sentido e a criar infraestruturas. Claro que custa um pouco, não é de hoje para amanhã, mas penso que já esteve mais longe de acontecer. Hoje, com o trabalho que a Direção tem feito, acho que há uma forte possibilidade de que isso possa acontecer.

Esteve duas épocas no Chipre. Gostou da experiência?
Sim, gostei, mas acabei por me lesionar e não joguei muito na segunda época. Acabei por me vir embora porque eles também prescindiram dos meus serviços. Estive um ano e pouco sem jogar, ninguém queria pagar o meu certificado, andei a treinar à experiência em vários clubes mas ninguém me quis e acabei por ir para a Terceira Divisão, para o Oliveira de Frades. Foi através do Carlos Agostinho, que foi o meu primeiro treinador como sénior, no Penalva do Castelo. Ele tinha ido para lá há uma semana, liguei-lhe e ele disse-me que lhe interessava que fosse para lá. Paguei o meu certificado, tive de pagar para jogar, depois surgiu o SC Covilhã e a partir daí fiquei sempre aqui.

Como tem visto a atuação do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Tem evoluído bastante. Estão mais perto das situações e de tudo o que tem acontecido no futebol, como o facto de alguns clubes não pagarem. Mesmo em situações de solidariedade, estão mais perto dos jogadores e isso para nós é bom. Sabemos que temos sempre alguém do nosso lado, que nos apoia, sobretudo nos maus momentos.


Perfil
Nome: Gilberto Manuel Pereira da Silva
Data de nascimento: 26 de março de 1987
Posição: Médio
Percurso como jogador: Os Sandinenses (formação), Boavista (formação), Penalva do Castelo, Boavista, Ermis Aradippou (Chipre), Oliveira de Frades e Sporting da Covilhã.

Foto: Nélson Manteigas.