“Podiam limitar a utilização de estrangeiros em Portugal”


A jogar no Luxemburgo, João Coimbra ainda é lembrado como "o ex-jogador do Benfica".

Que balanço faz dos primeiros meses no Luxemburgo?
Estou a gostar desta nova experiência. É uma realidade diferente, mas estou a gostar muito. Tenho a família junto de mim e isso é logo uma grande ajuda. Se não viessem se calhar eu também não viria, até porque as minhas filhas estão numa fase de crescimento que não quero perder. Não faria sentido vir sem elas. Mesmo elas estão a integrar-se bem. A mais velha anda na escola e tem aulas em francês, não percebe muito bem, mas espero que dentro de umas semanas já esteja a falar melhor que o pai! [risos] Outro dos motivos que me fez vir para cá é o facto de o nosso treinador, o Paulo Gomes, ser português. Ele já está cá há alguns anos e também me convenceu a vir.

Como é viver aí?
Como aqui o futebol é semi-profissional, ou amador, a maior parte dos jogadores trabalha e então, já a contar com isso, os treinos são ao final do dia. É uma realidade um pouco diferente daquela que costumava ter. Acredito que não seja fácil treinar aqui principalmente para os treinadores porque na minha equipa, por exemplo, vamos começar o treino e ainda estão jogadores a chegar do trabalho e outros a avisar que vão chegar atrasados. Começámos o campeonato com jogadores de férias do trabalho e aproveitaram para ir de férias, ou seja, é tudo um pouco diferente, mas também há qualidade. Para já estou a gostar, as coisas têm-me corrido bem, tenho jogado e tenho-me sentido bem. Isso é o mais importante.

É um país com uma forte comunidade portuguesa. Isso tem ajudado na sua adaptação?
Sim, claramente. A qualquer lado que vá há sempre um português. Isso tem sido bom também para a minha esposa, que no trabalho praticamente só fala português.

É reconhecido e abordado na rua?
No campo de futebol sim, nos treinos ou nos jogos noto algum reconhecimento por parte de algumas pessoas. Na rua não, mas na parte desportiva há um certo reconhecimento.

As pessoas lembram-se do seu passado no Benfica e nas seleções jovens ou reconhecem-no pelo presente?
A verdade é que ainda me associam muito ao facto de ter jogado no Benfica. Quando se está ligado a um clube grande o reconhecimento é sempre diferente, independentemente da carreira que se possa ter. Muitos ainda dizem, até quando me apresentam a outras pessoas: “é o João Coimbra, que jogou no Benfica.” Estive mais ou menos uma época e meia na equipa principal do Benfica, nem foi muito, mas aqui, se calhar também para demonstrar o valor do jogador, muitas vezes referem isso.

Tem sido titular e jogado os 90 minutos de praticamente todos os jogos. Esse era um dos objetivos ao assinar pelo US Mondorf-les-Bains?
Um dos objetivos era voltar a uma Primeira Liga, independentemente do país que fosse, e estou num país que procura o desenvolvimento do futebol. Esta época tem pela primeira vez uma equipa na fase de grupos da Liga Europa, o Dudelange, é um país que está a crescer no futebol. E sempre é o voltar a uma Primeira Liga, onde não estava há uns três anos.

Que diferenças existem entre a Liga luxemburguesa e a nossa?
Tenho gostado da qualidade. Mesmo o próprio jogador luxemburguês tem qualidade e quer evoluir. Para mim dentro do campo não me é fácil avaliar as diferenças. Claro que existem, estamos a falar de uma competição em que muitos jogadores trabalham e isso, mesmo em termos físicos e de intensidade no jogo, reflete-se no relvado. Mas há equipas muito boas. Ainda agora foquei o Dudelange, que é uma equipa que ganhou ao Légia de Varsóvia e ao Cluj para se apurar para a fase de grupos da Liga Europa e amanhã vai jogar com o AC Milan. Acho que isso demonstra bem como está a evolução do país em termos de futebol.

Sente que lhe cobram mais por ser estrangeiro ou, por outro lado, é mais protegido por isso?
Acho que depende sempre daquilo que demonstrar dentro do campo. No segundo jogo ganhámos 2-0 a uma das melhores equipas, que é o Fola Esch: estive muito bem nesse jogo e estive no onze da semana. Senti que muitos falaram de mim, por ter estado muito bem, mas no jogo a seguir não estive assim tão bem e já cobraram mais. Na semana a seguir fomos ganhar 4-1 ao Dudelange e já voltaram a falar bem…. Acho que isso vai depender sempre do que fizer lá dentro, mas claro que aqui o estrangeiro tem de acrescentar qualidade até porque o campeonato tem uma regra que exige a presença de pelo menos sete luxemburgueses na convocatória. Acho que esta regra também podia ser aplicada em Portugal para valorizar mais o jogador português. Podiam criar uma regra para limitar a utilização de estrangeiros em Portugal. Não digo numa Primeira Liga, mas numa Segunda ou até no Campeonato de Portugal.

Inscreveu-se no Sindicato do Luxemburgo?
Não. Nem sei se tem, uma vez que a competição é amadora. Continuo inscrito no Sindicato português, sei que estou sempre salvaguardado!

É o terceiro país estrangeiro no qual joga, depois de Roménia e Índia. Já viveu algum episódio caricato nessas experiências?
Aqui até agora não. A principal diferença acaba mesmo por ser o facto da maioria dos jogadores trabalhar. E se calhar a maioria ganha mais no trabalho do que no futebol. É um país com um salário mínimo alto, comparando com o nosso, e se calhar essa também é uma forma de os clubes conseguirem chamar os jogadores. Na Índia sim, vivi algumas situações caricatas, mas mais pela diferença cultural. É um país muito pobre e é um choque tremendo. Lá quando tinha uma folga se calhar preferia ficar no hotel em vez de sair. Vi miúdos na rua a baixarem as calças, a fazerem as necessidades que tinham a fazer e voltarem a vestir-se para continuarem a jogar críquete. Isto com porcos, macacos e vacas a passarem ao lado, tudo como se nada se passasse. É uma realidade muito diferente. Mas quero realçar a humildade do povo indiano, que sempre me tratou bem, sempre me acarinhou muito e fiquei com amigos lá.

Tem espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Se pudesse estar em casa, em Portugal, estava. Acho que não há nada como estarmos com os nossos, com a nossa família, principalmente para dar uma maior estabilidade à nossa família. E adoro o nosso país, adoro a zona onde vivo, vivo perto dos meus pais e dos meus sogros…. Por mim, se me estivesse a sentir bem em termos profissionais e a jogar até mesmo numa Segunda Liga se calhar manter-me-ia por aí. Mas as oportunidades surgiram e decidi aceitá-las. Também tenho espírito aventureiro, acredito que não seja qualquer um que vá para a Índia ou mesmo para a Roménia, mas tenho a sorte de ter uma família que me apoia nessas decisões e que quer acompanhar-me.

O que é que leva na mala sempre que vem a Portugal?
Acima de tudo, quando volto a Portugal é sempre para o colinho da mamã e do papá, como se costuma dizer, para comer boa comida e estar com os amigos. O que sinto mais falta é mesmo a família e os amigos. A única coisa que trago sempre comigo é a PlayStation para os tempos mortos que possa ter, embora agora não seja fácil com as duas miúdas.

Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Já me ajudou duas ou três vezes, esteve sempre lá para mim. Tem evoluído muito, tem cada vez mais uma palavra a dizer no futebol português e é de louvar o trabalho do presidente em defender cada vez mais o jogador português. Acho que passa por aí: o jogador português tem muita qualidade e tem vindo a ser cada vez mais valorizado. Sempre que precisei o Sindicato esteve lá para mim e o presidente, juntamente com todos os colaboradores, tem sido inexcedível nesse sentido. E, no que for preciso, também estarei disponível para ajudar.

 

 

Perfil
Nome: João
Carlos Amaral Marques Coimbra
Data de nascimento:
24 de maio de 1986
Posição:
Médio
Clubes:
Amora (formação), Benfica (formação), Benfica B, Benfica, Nacional, Gil Vicente, Estoril, Académico de Viseu, Rapid de Bucareste (Roménia), Kerala Blasters (Índia), União de Leiria, Trofense e US Mondorf-les-Bains (Luxemburgo).

US Mondorf-les-Bains