Mesquita, o pior e o melhor: “Fui do desemprego à Primeira Liga em oito meses”

O lateral direito do Feirense, de 27 anos, fez do desemprego o início de várias conquistas.
Longe vai o tempo em que o pai de Tiago Mesquita o levava aos treinos do Trofense. Mais tarde aos do Ribeirão, clube onde acabou por fazer a estreia enquanto sénior. Viu o emblema minhoto a crescer e a cair de rompante num curto espaço de tempo. A história repetiu-se na Naval, onde o que mais custou foi “ver companheiros de equipa com filhos a serem confrontados com promessas que nunca foram concretizadas”. Hoje, carrega o Castelo ao peito, depois de ter suportado a braçadeira de capitão ao serviço do Boavista.
Tudo começou em 2003, no Trofense. Como é que o Tiago Mesquita nasce para o futebol?
Desde pequeno que sempre tive o bichinho pela bola, aliás desde que me lembro sempre tive uma bola ao pé de mim, e só estava sossegado a brincar com uma bola e então essa paixão foi crescendo na rua junto com os meus amigos, eram dias e dias inteiros a jogar futebol de rua. Até que um dos meus amigos que jogava comigo na rua, estava também a jogar no Trofense. Desafiou-me e aceitei fazer uns treinos para ver o que dava. Fui logo aceite e comecei na época seguinte porque já estava a acabar.
Sempre como defesa-direito?
Comecei como defesa direito, e sempre foi a posição onde joguei mais vezes, mas cheguei a jogar vários jogos a médio-defensivo, defesa central, extremo e até fiz um jogo a ponta de lança.
Quem foi o principal responsável pelo início da tua carreira?
O meu pai, pois foi sem dúvida a pessoa que mais contribuiu para que hoje fosse jogador profissional. Na minha terra não havia escolinhas, então a convite de um amigo, chateei-o que queria ir para o Trofense, que era o clube mais perto que tinha escolinhas, mas teríamos que fazer deslocações de 10 km quase todos os dias. Consegui convencê-lo e assim foi durante seis anos e agradeço-lhe imenso por isso, foi um esforço que compensou.
Mesquita cumpriu duas épocas ao serviço do Trofense
Mais do que o Trofense, o Grupo Desportivo de Ribeirão -agora Ribeirão Futebol Clube- foi importante?
Por volta dos meus 14 anos todos os meus amigos jogavam no Grupo Desportivo de Ribeirão e o cansaço das viagens diárias levaram-me a tomar a decisão de querer jogar no clube da minha terra. Foram dois anos de formação e aos 16 anos já treinava nos seniores. Ambicionava um dia estrear-me na equipa principal, algo que aos 17 anos se concretizou pela mão do treinador Lito Vidigal. Foi um treinador marcante na minha carreira, porque acreditou em mim e fez-me acreditar que podia chegar mais longe.
Foi enquanto atleta do GD Ribeirão que fizeste a estreia nos escalões jovens da Seleção Nacional. Foi a concretização de um sonho?
Para mim já tinha sido um sonho estrear-me no clube da minha terra onde era adepto fervoroso desde pequeno, mas quando surgiu a primeira convocatória para a seleção sub-19 e consequentemente o primeiro jogo pela seleção das Quinas foi o concretizar de um sonho, e uns dos momentos mais altos da minha carreira.
Lateral direito participou no Torneio de La Manga, ao serviço da seleção portuguesa
Que outros jogadores faziam parte da seleção sub-19 e sub-20? Qual o outro atleta que disputava o lado direito da defesa contigo?
Anthony Lopes (Lyon), Pedro Mendes (Montpellier), Nélson Oliveira (Norwich City), Rui Fonte (Lille), Pelé (Mónaco), Roderick (Olympiacos), Wilson Eduardo (SC Braga), David Simão (Boavista) e coincido agora com o João Silva no Feirense, entre outros. O meu concorrente de posição era o Ivo Pinto (Norwich City) e o Dani Coelho (Lusitânia de Lourosa).
Sair do Ribeirão para o Deportivo Alavés foi uma decisão fácil?
Joguei bastante na antiga 2.ª Divisão B, ainda com idade de júnior, aliado ao facto de ser chamado regularmente à seleção sub-19. No final da época estive a um passo do Vitória de Setúbal, mas não se concretizou e surgiu o convite de Espanha. Um histórico estava a tentar reerguer-se de uma grave crise financeira e desportiva. O presidente do Ribeirão na altura ajudou-me muito e disse que não me ia arrepender de ir para lá porque era um grande clube e quando fui pesquisar na Internet, confirmei-o. Sempre fui aventureiro e tinha no pensamento continuar a evoluir e jogar no futebol espanhol era algo muito apetecível. Foram dois anos de constante evolução com condições espetaculares e com profissionais de excelência. Era muito novo, mas julgo que esta mudança repentina foi benéfica para mim. Com 18 anos passei a ter muito mais responsabilidade, pagar contas, cozinhar, lavar a roupa, tive de me tornar independente e isso obrigou-me a crescer rápido.
“Foi duro ver companheiros de equipa com filhos serem confrontados com promessas que nunca se concretizaram”
Em 2011, regressas a Portugal para alinhar na Naval. O sonho transformou-se em pesadelo?
A Naval apresentou-se como a minha porta de entrada no futebol profissional em Portugal. Tinha acabado de descer à Segunda Liga, mas possuía um plantel apetrechado para atacar a subida à Primeira Liga. No primeiro ano não correu bem, em termos desportivos, e no segundo ano em termos desportivos estava a correr bem, mas foi o descalabro em termos financeiros.
O que aconteceu?
Não cumpriram com as suas obrigações salariais e ficámos sete meses sem receber.
Foi o momento mais complicado da tua carreira?
Foram momentos complicados na minha vida, mas como era solteiro, não tinha filhos e tinha a ajuda da minha família foi mais fácil aguentar. Foi duro ver companheiros de equipa com filhos e constantemente serem confrontados com promessas que nunca se concretizaram. Foram acontecendo rescisões de contrato até janeiro, mas a partir daí ficámos poucos jogadores, mas mesmo sem recebermos eramos como uma família, unimo-nos e fizemos uma época acima das expectativas. Ficámos 16 pontos acima da linha de água, mas acabámos por descer na secretaria por salários em atraso.
Na Naval viveu uma das piores fases da carreira
Nesta fase da tua carreira foste apoiado pelo Sindicato dos Jogadores. Em que medida foi importante o auxílio do Sindicato?
Ao longo da minha carreira fui por diversas vezes apoiado pelo Sindicato. Não esqueço o momento difícil na Naval 1.º de Maio em que o Sindicato denunciou publicamente os salários em atraso, fez pressão junto das entidades competentes e acabou por salvaguardar a nossa situação ao acionar o Fundo de Garantia Salarial. Também depois de sair do Trofense atravessei um momento complicado e tive sempre a ajuda do Sindicato. Reconheço o trabalho difícil que fazem na defesa dos jogadores e só posso agradecer a ajuda que me deram quando precisei.
Acabaste por voltar a casa, que é como quem diz, ao Trofense (época 2013-2014). Depois de uma época em que completaste 43 jogos, acabas por ficar sem clube. O que correu mal?
Voltei a uma casa que bem conheço e fiz a minha afirmação na Segunda Liga. No final da época tinha convites das melhores equipas da Segunda Liga, mas a ambição era outra. Queria dar o salto para a Primeira Liga. Promessas e promessas de quem me agenciava fizeram rejeitar todos os convites de Segunda liga garantindo eles que mercado não me faltaria na Primeira Liga. O fecho do mercado chegou e as promessas não foram cumpridas. Fiquei sem clube e diziam eles: “Vamos meter-te no estrangeiro, não te preocupes”. No final nem uma coisa nem outra.
Qual foi a solução encontrada?
Para não ficar parado, comecei a treinar no clube da minha terra, o G.D. Ribeirão, até tentar encontrar uma solução, mas nada aconteceu e então o treinador do Ribeirão (Pedro Hipólito) sugeriu-me ajudá-los dois meses, ou seja, até janeiro, a próxima abertura de mercado, onde iria encontrar novamente colocação e o presidente do Ribeirão não colocaria entraves à minha saída. Ficar desempregado foi o momento mais difícil da minha vida desportiva, mas encontrei abrigo no clube do meu coração e voltei a sentir-me desejado.
Do Ribeirão ao Freamunde, do Freamunde ao Boavista, em oito meses. Com muita esperança, dedicação e trabalho é possível?
Na época 2014/2015 vivi o pior e o melhor da minha vida. Passei de desempregado para a 2.ª B, consequentemente assino em janeiro pelo primeiro classificado da Segunda Liga e em maio de 2015 cumpro o sonho de assinar por um clube de Primeira Liga. Fui do desemprego à Primeira Liga em oito meses. Foi inacreditável e serve de exemplo que tudo na vida é possível se acreditarmos em nós próprios e investirmos nos nossos sonhos. Sempre fui um profissional a 100% e de certo modo ter ficado desempregado mexeu com o meu orgulho e de certa forma sentia que tinha de voltar a provar o meu valor às pessoas. Claro que não me podia esquecer da minha família e da minha esposa que foram um suporte importantíssimo nesta viagem.
No regresso do Boavista à Primeira Liga, Mesquita foi um dos jogadores que integraram o plantel dos axadrezados
Que conselhos podes dar a jogadores que estão a atravessar um momento menos bom na carreira?
É preciso acreditar. Sempre! Ser bom profissional é muito importante, mas só isso não chega. Temos de ser humildes, trabalhadores e tentar ser melhores cada dia.
E ainda carregaste a braçadeira de capitão no Boavista…
Foi importantíssimo para mim. Foi incrível ser capitão de um clube tão histórico como o Boavista. Ao fim de cinco meses naquela casa, tornei-me capitão. Um enorme orgulho, mas também um grande respeito pela braçadeira que carregava no braço. Muito obrigado a todos os adeptos pelo apoio.
Disseram-me que o Mesquita e o Henrique eram os “irmãos Guedes” do Boavista. É verdade?
Eu sempre fui o último jogador a sair do balneário. No Boavista encontrei alguém que rivalizava comigo nesse sentido. Andávamos muitas vezes juntos e sempre na brincadeira com a malta. Então havia pessoal que fazia essa associação, até porque achavam que eramos parecidos. Mesmo depois de ter saído do Boavista, eu e o Henrique continuamos a ter uma forte ligação.
Por todos os clubes por onde passaste fizeste amigos?
Sem dúvida. Desde membros da Direção, jogadores e staff. Por exemplo, o Toni que é técnico de equipamentos do Boavista, super bem disposto e todos os dias tem um sorriso para dar à malta. O Carlos Santos também foi um grande apoio no Boavista e ainda hoje somos grandes amigos. No Trofense, o Tiago e o Hélder Sousa marcaram-me pela simplicidade e humildade que tinham como pessoas, apesar de todo o currículo. O Ricardo Neves, o Diogo Vila e o Marcelo também foram um grande apoio na altura da Naval porque eramos muito unidos.
Foi durante o teu primeiro ano no Boavista que o GD Ribeirão fechou portas. Mais tarde viria a ressurgir, mas como Ribeirão FC. Como acompanhaste o processo de metamorfose de um clube que impulsionou a tua carreira, do André Moreira, do Pizzi e do Ederson?
Foi duro. Mais do que o clube onde cresci, é o clube da minha terra e que sempre apoiei. Não fui só eu, o Ederson, o Pizzi e o André a aparecer no Ribeirão. Muita malta que agora compete na Primeira e na Segunda Liga começou lá. As condições eram incríveis, tudo boa gente, mas a certa altura começaram a ambicionar mais do que aquilo que podiam. Ambição é bom, mas ambição a mais…. acabou em queda. Depois há que aplaudir a atitude da nova Direção que sem grandes condições voltou a erguer o Ribeirão. Não é fácil, mas aos poucos o clube vai voltar ao lugar de onde nunca devia ter saído.
Santa Maria da Feira, Feirense e Nuno Manta Santos…
É um clube familiar, mas com muita ambição, que me recebeu muito bem. Estou a adorar esta experiência. Os adeptos, equipa técnica, colegas de equipa e staff são do melhor que há. O mister é muito profissional, exigente, muito organizado e não tenho dúvidas que ainda vai conquistar muitas coisas boas durante a sua carreira. Jogar de “castelo ao peito” foi uma boa decisão que tomei. Estou a aprender imenso com todos.
Frente ao Estoril, realizou o primeiro jogo a titular esta temporada
E ainda continuas a cortar o cabelo aos teu colegas de equipa?
[risos] Essa era uma brincadeira que fazíamos na Naval e quem cortava o cabelo à malta era o Diogo Vila. Eu só dava apoio. De vez em quando lá cortava e o pessoal achava que ficava bem. No Freamunde, o Filipe Sousa (nutricionista no Aves) também cortava e eu, na brincadeira, dizia: “Ó Filipe, até eu corto melhor do que tu”. No final, ele acabou também por me cortar o cabelo várias vezes, de tal forma que agora corto a alguns amigos e ao meu sogro.
Era uma profissão que gostavas de seguir?
Sem dúvida. Gostava de ter uma barbearia. Vejo-me a fazer isso no futuro. Aprendi a gostar, sinceramente.
Mas também frequentaste a licenciatura em Desporto, na FADEUP…
Essa é outra situação pendente. Também gostava de ser preparador físico ou treinador. Ainda estou em dúvida. Quando acabei o ensino secundário, entrei para a FADEUP, mas depois surgiu uma oportunidade no Alavés. Desde aí que a licenciatura ficou pendente, mas pretendo finalizar. É um objetivo, sim.
Eras bom aluno?
Sim, era. Tinha 15 de média, mas até podia ter tido mais [risos]
As carreiras duais são positivas para os jogadores de futebol?
Têm prós e contras. Não podemos olhar para o futebol como uma profissão que nos garanta uma boa condição financeira até aos 60 anos, como é lógico. Isto antes dos 40 acaba. Vai de cada um formar um bom pé de meia, de maneira a garantir uma vida tranquila no futuro. Além disso, tens de pensar sempre que depois do futebol a vida continua. Se pudermos fazer a preparação do pós-futebol durante o futebol, tanto melhor. Nem sempre dá.
O que ainda falta fazeres no futebol?
Ganhar títulos, sem dúvida. Gostava muito de conquistar uma taça com a camisola do Feirense. Além disso, não já, mas gostava de voltar a ter uma experiência no estrangeiro.
O porquê do número 28?
É uma homenagem à minha avó que era conhecida lá na terra pela “28”. Ela faleceu há alguns anos e decidi fazer-lhe esta pequena homenagem.
Perfil
Nome: Tiago Manuel Oliveira Mesquita
Data de nascimento: 23 de novembro de 1990
Posição: Defesa direito
Percurso como jogador: Trofense (formação), Ribeirão (formação), Ribeirão, Alavés (Espanha), Naval, Trofense, Ribeirão, Freamunde, Boavista e Feirense.