Paulo Oliveira, horas depois de fazer história: “No dia a seguir, 8h, toca o despertador e voltamos à rotina”


Defesa do Lusitano de Vildemoinhos e o dia em que fez história na Taça de Portugal.

O Lusitano FC de Vildemoinhos foi a única equipa do Campeonato de Portugal a derrubar um emblema da Primeira Liga, na terceira eliminatória da Taça de Portugal. Vitória por 4-3 frente ao Nacional, após prolongamento, e fazia-se história em Viseu.

O jogo terminou e o balneário estava impávido e sereno. O silêncio dos homens, que “mais pareciam ter saído de uma derrota”, era no fundo o refletir daquilo que tinham conseguido. Todas as histórias e conquistas daquele dia saíram da cabeça de Paulo Oliveira, homem das contas que, por estes dias, é tido como o herói da terra.

Sonha com um sorteio que dite o SC Braga como adversário na quarta eliminatória da Taça de Portugal, clube que em muito contribuiu para o homem e profissional que é hoje. Na partida e no regresso a Viseu, a certeza de que o esquecido interior tem muito para mostrar ao país.

Ainda a pensar na vitória ao Nacional…
Muito sinceramente, sim. Foi uma vitória muito saborosa. Dentro das nossas possibilidades acreditávamos que tínhamos as nossas chances de vencer, assim como o Nacional também acreditava. Estivemos sempre em desvantagem: 0-1, fizemos o 1-1, eles fazem o 1-2, nós o 2-2, 2-3 e conseguimos dar a volta até ao 4-3. Mostra claramente a alma da nossa equipa. Foi muito saboroso eliminar uma equipa da Primeira Liga, pois fomos o único clube do Campeonato de Portugal a conseguir isso. Dá-nos mais alento para o futuro.

Durante a semana falavam na possibilidade de ultrapassar o Nacional?
Sem dúvida. Durante a semana trabalhámos muito para chegar a domingo e vencer. Sabíamos das dificuldades, pois eles [Nacional] treinam todos os dias e são profissionais. Têm um andamento que nós não temos. Sempre acreditámos em nós e no nosso trabalho. Acreditando naquilo que estamos a fazer, temos sempre mais probabilidade de ganhar.

Festejos dos jogadores do Lusitano de Vildemoinhos após a vitória sobre o Nacional.

Qual a reação da equipa quando viram que o sorteio ditou um Lusitano vs. Nacional?
Foi um misto de sensações. Quando vimos o sorteio pensámos: ‘Epá, é uma equipa de Primeira Liga. Vamos ter muitas dificuldades’. É lógico que as nossas chances baixaram um bocadinho. Mas ao mesmo tempo queremos mostrar que somos valentes. Quem viu o jogo percebeu que o sermos inferiores é só mesmo na teoria e que dentro das quatro linhas não se viu isso. É de realçar a atitude que a equipa teve. Acreditar em cada um de nós foi fundamental.

Houve festa em Viseu?
Ainda ontem dizia a um colega que quando descemos para o balneário, no final do jogo, parecia que não tínhamos ganho. Havia ali um silêncio um bocado estranho. A verdade é que ainda não tínhamos caído em nós. Os ânimos acalmaram e aí sim houve festa. Percebemos que tínhamos feito história, porque o Lusitano nunca tinha passado a esta fase.  

Segunda-feira não foi dia de trabalho?
Sou funcionário público na Câmara Municipal de Castro Daire. Trabalho na contabilidade. Segunda-feira, 8h da manhã, toca o despertador e voltamos à rotina. Claro que tudo isto com um sorriso nos lábios. É bom porque recebemos solicitações dos colegas de trabalho e isso é muito gratificante. Sentes que fizeste o trabalho bem feito. Chegar a segunda-feira, depois de ter eliminado uma equipa de Primeira Liga, ter feito o golo perto do final do jogo, e ver os nossos colegas à porta a dar-nos os parabéns é muito bom. Que mais é que podia pedir?

És o herói da terra por estes dias…
[risos]. Sim, quase. É um orgulho tremendo. O trabalho foi de toda a equipa. Tive a felicidade de marcar o golo, trabalhei muito para isso, mas o coletivo é que fez sobressair o individual. Gostamos muito disto.

Gostam muito de jogar futebol mesmo não tendo grande retorno financeiro?
Todos os dias faço 80 quilómetros para poder jogar no Lusitano. Tenho colegas a fazerem quase 120. Durante o dia temos o nosso trabalho, porque não sendo profissionais tem de ser assim. Fazemos tudo isto com muito gosto, sim.

Até onde é que pode ir este Lusitano na Taça de Portugal?
Depois de estarmos na quarta eliminatória queremos ir ao Jamor. Agora, até onde podemos ir depende muito daquilo que o sorteio ditar. Para já vamos desfrutar desta vitória e aproveitar este momento de felicidade. Claro que dentro do balneário sonhamos com um grande, pois é um jogo frente aos melhores. Vamos lutar contra quem for, onde for.

Um bom sorteio seria contra um grande?
Nós [jogadores] comentamos no balneário e por mensagens que gostávamos que saísse um grande. É o sonho de qualquer um defrontar um dos maiores de Portugal. Era muito bom, mas qualquer adversário será encarado com seriedade.

As coisas estão a correr melhor na Taça do que no campeonato…
São competições diferentes. Na primeira eliminatória perdemos em casa com o Beira-Mar e tivemos a sorte de sermos repescados e neste momento estamos a fazer história. Com a repescagem percebemos que tínhamos de aproveitar a oportunidade. Com esta vitória temos de encarar o próximo jogo do campeonato com seriedade. O campeonato é o nosso objetivo. Podemos fazer melhor, sabemos disso.

O Campeonato de Portugal é muito competitivo?
Já passei por várias fases do Campeonato de Portugal. Este novo modelo é mais competitivo, mas acho que devia de recompensar os clubes mais regulares. No ano passado, o Vizela teve 38 jogos em que não perdeu e mesmo assim não conseguiu a subida. A regularidade deve ser compensada. Há muita competitividade neste campeonato e isso viu-se no nosso jogo com o Nacional. Não tenho dúvidas de que vamos ver malta do Campeonato de Portugal a dar o salto para ligas profissionais.

Quem é que, em breve, vai “dar o salto”?
Neste momento, daquilo que tenho visto, sem dúvida nenhuma, o Kiko Bondoso, que joga comigo no Lusitano.

Achas que é o campeonato das oportunidades?
Sim, sem dúvida. Os jogadores veem aqui uma hipótese para se mostrarem. Ganham ritmo competitivo e depois podem dar o salto para uma Segunda Liga, por exemplo.

A Taça de Portugal também é um palco para jogadores de clubes menos reconhecidos poderem mostrar o seu valor?
Claro que sim. É uma montra para nós. Por isso mesmo é que aproveitamos ao máximo desfrutar destes jogos, mas sabemos que estamos a ser observados. Sabíamos que os olhos iam estar centrados em nós, ainda para mais quando é frente a uma equipa da Primeira Liga. Quando assim é, até podemos estar cansados, mas disputamos cada lance como se fosse o último e mesmo cansados corremos sempre mais um bocadinho. Queremos provar que temos tanta ou mais qualidade do que os jogadores que estão na Primeira Liga.

O Lusitano oferece boas condições?
Dentro do Campeonato de Portugal existem muitas equipas com condições similares às nossas. O Lusitano proporciona as melhores condições possíveis aos seus jogadores. A equipa está contente. É um clube bairrista, com muita alma e os próprios diretores mostram isso mesmo. No final do jogo com o Nacional chegaram ao balneário em lágrimas. O bairrismo que se vive ali é muito forte. Para nós, jogadores, foi um prazer poder dar esta felicidade às gentes de Vildemoinhos.  

Vildemoinhos ou Lusitano?
O próprio clube chama-se Lusitano de Vildemoinhos. Isto tem uma história, mas não sei bem qual é.

Lusitano, Viseu, interior de Portugal. É correto falarmos em futebol esquecido?
A zona litoral tem uma abundância de jogadores de futebol. Independentemente disso, o interior não deve ser descurado porque há muita qualidade. Há já algum tempo que temos vindo a demonstrar isso.

Chegas ao Lusitano depois de uma experiência no Vilaverdense, mas lá atrás ficou um título ao serviço dos juniores do SC Braga…
Comecei no O Crasto e depois fui para o SC Braga, onde me sagrei campeão nacional. Foi o culminar de uma boa formação. Não podia ter terminado melhor. A dedicação e o esforço foram muito importantes. Tínhamos um coletivo muito forte em que acreditávamos no nosso valor. Passei quatro anos no Braga, mas o último marcou-me por sair de lá com o título de campeão nacional. Nessa altura, também tínhamos no campeonato Benfica, FC Porto e Sporting. Aquele campeonato de 2013/2014 vai ficar para sempre na minha memória.

Paulo Oliveira, em baixo, à esquerda, fez parte da formação no O Crasto (Castro Daire). 

Aqui ainda eras defesa-direito?
Acabei a minha formação como defesa-direito, mas sou defesa-central de origem. No meu último ano de formação o meu treinador viu que tinha competências para desempenhar funções de defesa-direito. Cumpri, gostei de fazer, mas sou central de raiz.

E se o SC Braga for o próximo adversário na Taça de Portugal?
Será um sentimento muito especial poder defrontar o Braga. Claro que ia lutar pela vitória. Se fosse lá, ia regressar a uma casa que sempre me recebeu bem e seria muito bom voltar a uma casa que me apoiou durante quatro anos, dos 16 aos 20. Eu sou natural de Lamelas, Castro Daire, e saí daqui com 16 anos para ir para lá e receberam-me sempre muito bem. Seria um gosto enorme defrontar o Braga.

Em 2014, sagrou-se campeão nacional de juniores ao serviço do SC Braga.

Até onde quer chegar o Paulo Oliveira no futebol?
Vivo um dia de cada vez. Não vou ser hipócrita ao ponto de dizer que se aparecer um clube de Primeira Liga que não vou. Estou à espera dessa oportunidade há bastante tempo, pois estou há quatro anos no Campeonato de Portugal. Não vivo obcecado com isso. Essa oportunidade irá aparecer mais cedo ou mais tarde.


Perfil
Nome: Paulo André Morais de Oliveira
Data de nascimento: 9 de janeiro de 1995
Posição: Defesa
Percurso como jogador: O Crasto (formação), SC Braga (formação), Vilaverdense e Lusitano FCV.