“Não vos desejo boa sorte porque ia ser hipócrita”


O capitão do Penafiel fala sobre os valores que transmite aos colegas e o que diz aos adversários.

Mereceste a braçadeira de capitão. Como foste eleito para o cargo?
Já tenho muitos anos de clube aqui no Penafiel e os capitães que estavam antes de mim seguiram outros rumos e acabei por ficar eu, que era dos jogadores mais antigos no clube. Não foi uma nomeação ou algo do género, foi uma passagem natural.

Foi há quantas épocas?
Foi há dois anos. Contudo, já joguei em Penafiel e desde os meus 19/20 anos que fiz parte da lista dos capitães.

Então nas camadas jovens nunca tinhas sido?
Não. Nas camadas jovens, por acaso, não era capitão de equipa.

Tiveste curtas passagens por Arouca e Santa Clara. Chegaste a integrar o grupo dos capitães nesses clubes?
No segundo ano do Arouca cheguei a capitanear a equipa uma ou duas vezes.

És natural de Penafiel e formado no clube. Ser um jogador da casa facilita-te a vida junto dos adeptos ou, pelo contrário, sentes que exigem mais de si?
Para começar, acho que a nossa vida não é fácil. Quanto a facilitar, penso que não. Sou da terra, toda a gente me conhece e acabam por me pedir mais responsabilidades até porque nos cruzamos mais vezes na cidade, nas proximidades do estádio e é normal as pessoas reconhecerem-me e cobrarem-me um bocadinho mais. Não por ser capitão, mas por ser um elemento da casa, que gosta do clube. Acima de tudo, além de ser jogador, é o meu clube e as pessoas acabam por falar mais comigo do que com outro jogador que não seja da cidade.

Sentes que impões uma liderança natural no balneário?
É um bocadinho injusto eu dizer isso, mas acho que sim. Tem a ver com o meu feitio e com a minha personalidade. Sou uma pessoa extremamente frontal e direta. Acredito que imponho naturalmente o respeito que o cargo assim obriga. Se por si só o cargo já ajudava a que isso acontecesse, as pessoas podem olhar para ti de forma diferente por seres o capitão de equipa, mais ainda pelo feitio que tenho. Não sou um “ranhoso”, mas sou uma pessoa que, quando necessário, se faz ouvir.

Há algum capitão que tenhas como exemplo?
Tenho duas pessoas que me marcaram muito: uma delas foi o Pedro Moreira, que é uma pessoa extraordinária, foi das melhores que conheci no futebol, e o Bruno Amaro, que para mim é um líder, outra pessoa fantástica. Só tenho coisas boas a dizer tanto de um como de outro. São dois grandes líderes, com quem aprendi muito, e muitas das atitudes que tenho e das coisas que digo são quase cópia daquilo que eles faziam.

Que valores transmites aos mais jovens e a quem chega ao clube?
Acima de tudo tenho um lema de vida: o que custa hoje é ser sério. E é isso que lhes tento dizer. Facilmente nos desviamos do caminho, deixamos de ser sérios e conseguimos atingir os objetivos a que nos propomos. O que lhes tento transmitir é a seriedade e a importância do trabalho.

Como capitão, alguma vez precisaste de chamar um colega à atenção de uma forma mais dura?
Já precisei de ter algumas conversas a sós com alguns. Mas penso que isso é natural.

É um papel difícil?
Não é difícil, desde que seja justo, e o que tiver a dizer digo ao mais velho do grupo ou ao mais novo. Não é difícil porque em 99% das vezes, para não dizer 100%, as pessoas acabam por dar razão. Muitas das vezes não é naquele momento da explosão, mas depois de refletirem acabam por reconhecer o erro. E não é difícil quando existe compreensão e, acima de tudo, respeito entre os elementos do grupo.

E naquelas situações como uma entrada mais dura num treino? Já tiveste de intervir e acalmar os ânimos por seres o capitão?
Já. Mas isso não é o papel do capitão, é o papel de uma pessoa que integra um grupo. Num treino, depois de um dia mais chato ou porque temos algum problema em casa, podemos descarregar mais facilmente. O papel de qualquer elemento que faça parte de um grupo será acalmar os colegas. E claro que já o fiz.

Do que é que os capitães costumam falar quando trocam galhardetes? Muitas vezes vemos os jogadores e o próprio árbitro a rir.
Por acaso tenho uma coisa muito peculiar. Digo-lhes sempre: “não vos desejo boa sorte porque ia ser hipócrita”. A única coisa que desejo é que ninguém se magoe. Não dá para desejar boa sorte e querer ganhar, é impossível! [risos] Digo sempre isso em tom de brincadeira. Por hábito costumo desejar que ninguém se magoe e que nos respeitemos dentro de campo. Muitas vezes isso não acontece, os jogadores trocam umas palavras, mas quando o árbitro dá os três apitos no final, às vezes dá dois, tudo passa e tudo se resolve.

Os árbitros costumam ser mais tolerantes com os protestos dos capitães?
Acho que os capitães muitas vezes reclamam de forma diferente dos restantes colegas porque vão reclamar, mas têm de acalmar os outros. Chega a um ponto em que está a reclamar e a acalmar. São aqueles 30 segundos em que acabamos por nos acalmar e depois dizemos as coisas de uma forma menos exaltada. Não acredito que os árbitros sejam mais tolerantes com os capitães ou com os restantes elementos da equipa. Muitas vezes não medimos as palavras e a forma como protestamos, mas, felizmente, hoje os árbitros têm facilidade em perceber os jogadores. Temos uma carga emocional muito grande a às vezes acabamos por descarregar injustamente.

Lembras-te de algum episódio em que isso te tenha acontecido?
Ainda há duas semanas fomos jogar à Covilhã, com o Manuel Mota a apitar, e há um lance em que ele tem toda a razão do mundo, mas eu comecei a discutir. Passados cinco minutos, no decorrer do jogo, ele apita uma falta e disse-lhe: “Ó Manuel, desculpa, tens toda razão. O meu comportamento não foi o melhor e peço-te imensa desculpa”. Mas em tempos, se calhar uma discussão destas era caso para uma expulsão. Felizmente hoje os árbitros conseguem perceber que muitas vezes não conseguimos ter o discernimento para dizer a coisa certa no momento certo. Dizemos a coisa errada no momento errado, mas eles têm essa facilidade de nos compreender. Mais calmos, chamam-nos à razão e depois fica-nos bem reconhecer o erro.

Alguma vez foste expulso por palavras enquanto capitão?
Não. Por palavras, não. Hoje também vemos pouca gente ser expulsa por palavras, não são só os capitães.

Como tens visto a atuação do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Há três ou quatro anos não estava muito por dentro daquilo que o Sindicato fazia. No ano passado conheci o presidente, juntamente com os outros capitães de equipa, e fiquei deveras agradado com o trabalho e com a preocupação do Sindicato com os jogadores. Tive oportunidade de dizer ao presidente que os jogadores terminam a carreira aos 34/35 anos e a única coisa que sabem fazer é jogar futebol, já não é cedo para entrar no mercado de trabalho e achava que o Sindicato devia ter cursos técnicos junto dos jogadores. O presidente disse-me que estavam atentos e que tinham algumas iniciativas nesse sentido. Acho que, sinceramente, o Sindicato está a fazer um ótimo trabalho e, sempre que necessário, vejo o Sindicato ao lado de situações mais delicadas, o que é extremamente importante para quem joga.


Perfil
Nome: Luís Manuel Braga Dias
Data de nascimento: 3 de janeiro de 1987
Posição: Defesa
Percurso como jogador: Penafiel (formação), Penafiel, Arouca, Santa Clara e Penafiel.