“Nasci no Iraque, mas fugi para a Holanda por causa da guerra”

Aos três anos fugiu da guerra do Iraque para a Holanda. Hoje brilha no meio-campo do Santa Clara.
Chegaste a Portugal em 2015 para representar o Farense. Adaptaste-te bem ao futebol português?
Sim. Gostei logo de tudo, da cultura e do futebol português. Gostei muito.
Como é que foi em relação à língua?
No início, foi o mais difícil, mas depois aprendi quase tudo. Nunca tive aulas de português, mas na Holanda tive espanhol na faculdade durante um ou dois meses. Apesar de estar num nível muito básico, só aprendi umas palavras, ajudou-me a perceber melhor o português, que aprendi a falar com os colegas.
E a adaptação à comida?
Gosto da comida portuguesa, aí não tive grandes problemas. Só não como porco por causa da minha religião. E nesse aspeto também correu tudo bem. O Farense tinha um jogador saudita, que também não comia porco, e o clube tinha o cuidado de ter sempre outra coisa, como frango, peru ou carne de vaca.
Os portugueses são um povo hospitaleiro?
Sim, fui bem recebido desde o primeiro dia. Gosto muito, muito, muito dos portugueses. São um povo caloroso, muito carinhoso e muito tranquilo. Na Holanda é diferente, são mais frios. Aqui é mais fácil. E acho que, no geral, os portugueses são um povo mesmo muito tranquilo. Por exemplo, até às onze da noite vês muita gente nos cafés.
Quando visitas a Holanda e voltas a Portugal, o que é que fazes questão de trazer sempre na mala?
Estás a ver aquelas pepitas de chocolate que põem em cima dos brigadeiros? Costumo comer isso com pão de forma e manteiga. É típico da Holanda. É muito bom! [risos] Costumo trazer isso e às vezes umas bolachas típicas holandesas.
És iraquiano, mas fizeste toda a formação na Holanda. Por que é que te mudaste para a Europa tão novo?
Nasci no Iraque, onde vivi até aos três anos, mas depois fugi, juntamente com a minha família, para a Holanda por causa da guerra.
Ainda tens família no Iraque ou foram todos para a Holanda?
Ainda lá tenho três ou quatro tios, irmãos do meu pai.
Tens alguma memória de teres vivido no Iraque?
Não me lembro de quase nada. Só me lembro de ver o meu pai a ir para o trabalho, eu correr atrás dele e ele dar-me dinheiro para comprar doces. É uma memória saborosa! [risos]
És internacional A pelo Iraque, mas chegaste a jogar pelos sub-17 da Holanda. Gostavas de ter continuado a representar a Holanda ou fizeste questão de trocar?
Joguei pela Holanda até aos sub-19, mas depois tive uma lesão e era mais difícil continuar a jogar pela seleção holandesa. Depois fui chamado para jogar pelo Iraque e aceitei o convite.
Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o holandês?
Aqui o futebol é mais objetivo, a organização defensiva é melhor do que na Holanda. Não precisas de jogar bonito para ganhar. Ganhar é ganhar!
Na Holanda o futebol é mais ofensivo, há muitos golos. É por não haver tanto rigor tático?
Sim. Quando jogas um futebol muito ofensivo, deixas mais espaços e podes sofrer mais golos. Aqui as equipas são muito bem organizadas e são mais seguras. O Santa Clara também joga um futebol ofensivo, mas estamos bem organizados. Marcamos muitos golos. Também sofremos, mas, se continuarmos assim, prefiro assim! E a verdade é que nas últimas jornadas quase não sofremos golos.
Além de Portugal e Holanda, jogaste ainda no Lokomotiv Plovdiv, da Bulgária. O que recordas dessa passagem?
Depois do Farense fui para o Lokomotiv Plovdiv, da primeira divisão da Bulgária, mas não gostei nada. Nunca gostei, desde o primeiro dia. Foi muito diferente, ainda por cima depois de ter estado em Portugal. As pessoas são muito frias, não gostei muito. Ao fim de três meses acabei o meu contrato e não quis continuar lá. Foi quando vim para o Santa Clara.
Como é que surgiu o convite da Bulgária?
Fui para lá em agosto porque fui convidado pelo Ilian Iliev, que jogou no Benfica. Ele era o treinador do Lokomotiv e levou-me para lá. Ao fim de três meses ele também se foi embora e decidi voltar para Portugal.
Vieste para Portugal com o objetivo de depois saltar para uma liga mais atrativa ou não fizeste esse tipo de planos?
Para já, quero continuar em Portugal. Estou muito feliz aqui. Sou ambicioso, quero dar o salto, e se não for em Portugal preferia continuar no sul da Europa, em Espanha ou Itália.
Inglaterra não te atrai?
Atrai, claro! É o melhor campeonato do mundo. Tal como não me importava de jogar na Bundesliga. Preferia continuar no Sul, o clima também é melhor, mas não tenho um campeonato preferido.
Entretanto voltaste a Portugal, para o Santa Clara. Como foi a adaptação aos Açores?
Quando aqui cheguei comecei a falar com as pessoas e não entendia nada porque eles falam micaelense. Até perguntei se estava em Portugal ou se era outro país! [risos] Mas depois a adaptação foi muito, muito boa. As pessoas, tal como no continente, são muito carinhosas, muito boas.
E viveres numa ilha faz-te confusão ou nem pensas nisso?
Sim, é diferente. Estás mais fechado, podes fazer menos coisas. Quando jogas fora tens de viajar sempre de avião, é uma vida diferente da do continente. Mas, como estamos numa ilha, a nossa equipa é como uma família porque só nos temos a nós.
Cumpres a quarta época no futebol português. Qual foi a mais marcante?
Para já, está a ser a atual, por estarmos na Primeira Liga. Mas também a época passada, quando subimos, porque subir de divisão em Portugal é muito difícil. A Segunda Liga é muito competitiva.
É a tua época de estreia na Primeira Liga. Esperavas este arranque do Santa Clara?
Já sabia que tínhamos qualidade para jogar para mais do que apenas a manutenção. O objetivo é esse, mas estamos muito bem e acho que agora temos de olhar para cima. Já sabia que tínhamos qualidade, mas há outras equipas boas que não têm pontos.
E a nível individual? As coisas estão a correr como esperavas?
Até agora estou muito feliz com as minhas exibições. No início da época já tinha dito que o meu objetivo era ajudar a equipa, jogar e ganhar experiência na Primeira Liga. Sinto-me um jogador importante, estou feliz. Mas sempre com os pés no chão e a trabalhar para melhorar.
Acompanhas o que os jornais escrevem sobre ti?
Sim, gosto de ler os diários desportivos. Não muito, mas acompanho. Até agora têm escrito sempre avaliações positivas sobre mim. Para os jornalistas, quando marcas um golo tens sempre nota positiva. Se não marcas, mesmo que jogues bem, é diferente. Tenho tido sempre um feedback positivo, mas se tiver negativo também é normal. Faz parte do futebol.
Qual foi o melhor jogador com quem jogaste em Portugal?
No Farense joguei com o Paulinho, que esteve no FC Porto e voltou para o Portimonense. Aqui no Santa Clara temos muitos bons jogadores, mas acho que não temos um jogador que se destaque muito dos outros.
Que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Acho que faz um trabalho muito bom e já me ajudaram quando estava no Farense. Tive uma experiência muito boa, o contacto foi muito fácil. Fazem um excelente trabalho.
Perfil
Nome: Osama Rashid
Data de nascimento: 17 de janeiro de 1992
Posição: Médio
Percurso como jogador: Feyenoord (formação, Holanda), Den Bosch (Holanda), Excelsior Maassluis (Holanda), Alphense Boys (Holanda), Farense, Lokomotiv Plovdiv (Bulgária) e Santa Clara.