Henriques, o Conquistador


Acabou de chegar aos Açores para ajudar o recém-promovido Santa Clara a garantir a manutenção.

Como é que nasceu a paixão pelo treino?
Surgiu quando era jogador, por questionar-me sobre muitas coisas que me “obrigavam” a fazer. Já nessa altura, com 14/15 anos, ficava curioso sobre o porquê do número de repetições, por que é que não era metade ou por que é que não eram mais, por que era aquela distância e não outra, e na Faculdade, quando comecei a perceber algumas das coisas que tinha feito como jogador, mais certezas tive de que aquilo que queria fazer era mesmo o treino.

Foi nessa altura que decidiu ser treinador?
Estava na antiga Segunda Divisão, no União de Tomar, fiz a pré-época e ainda iniciei, mas quando soube que tinha entrado na Faculdade optei mais pelo treino. Percebi que como jogador ia ser mediano. Continuei sempre a praticar, mas depois de uma forma menos profissional. Depois convidaram-me para o antigo futebol de salão, agora é o futsal, que pude conciliar com os estudos mais facilmente. No segundo e terceiro ano da Faculdade joguei futebol de salão, na antiga Primeira Divisão, e aos poucos passei a dedicar-me só ao treino. No terceiro ano passei a acompanhar a equipa de juniores do Sporting e, como as coisas começaram a correr bem logo desde o início, senti que seria melhor treinador do que jogador.

Tem 45 anos e passou várias épocas a treinar equipas de escalões inferiores. Chegar à Primeira Liga sempre foi uma meta?
Desde muito cedo que comecei a traçar objetivos que ainda hoje os tenho. Sempre defini chegar à Primeira Liga, ir para fora, onde sinto que os campeonatos são ainda mais competitivos, e eu sou um eterno insatisfeito, quero sempre cada vez mais.

Treinar a esse nível deu-lhe ferramentas para hoje pensar que não lhe falta nada?
Deu-me coisas que penso serem fundamentais para o crescimento de um treinador. Passar pelos escalões de formação, de diferentes idades, por diferentes níveis competitivos, desde os campeonatos distritais aos profissionais, inclusivamente trabalhar no estrangeiro, deu-me um background enorme para hoje estar mais preparado.

Na época passada não conseguiu evitar a despromoção do Paços de Ferreira, mas este ano volta a estar num clube da Primeira Liga. Significa que, apesar da descida, reconheceram-lhe um bom trabalho?
Sim, até porque estive apenas quatro meses em Paços. Já foi o herdar de seis meses de outros dois treinadores e de uma série de questões que condicionaram bastante o trabalho. Mas sobressaíram aqueles seis meses no Leixões e pontualmente aquilo que foi sendo feito no Paços: a mudança radical do estilo de jogo, os bons jogos que a equipa fez e que não condiziam com alguns resultados. Reconheceram esse trabalho e não olharam só ao resultado, como muitas vezes acontece, mas sim para o conteúdo.

Por que aceitou o convite do Santa Clara?
Pessoas muito pragmáticas e com um projeto bem sustentado. É fácil aceitar quando as coisas são assim. Colocando as dificuldades que estavam em cima da mesa, as ambições que o clube tem para os próximos anos e com os pés bem assentes no chão por ser um clube que vem da Segunda Liga com o desejo enorme de proporcionar aos açorianos futebol de Primeira por muitos anos. Faz com que seja um projeto de raiz, onde posso estar, juntamente com os administradores, a construir um plantel, a ajudar o clube a crescer neste patamar onde está agora, e fazer parte deste projeto criou-me logo o desejo de assinar rapidamente porque achei que era o indicado para mim nesta altura.

Se pudesse escolher, em que liga gostaria de treinar?
Na liga inglesa, claramente.

Até onde espera chegar como treinador?
Nesta altura a ambição para os próximos meses é dar qualidade e estrutura a este Santa Clara para se manter na Primeira Liga e fazer um campeonato tranquilo. Depois, num futuro a curto prazo, estar noutro clube da nossa liga a discutir outros objetivos e, com um bocadinho mais de tempo, já a médio/longo prazo, a ambição de vir a treinar na liga inglesa é grande.

 

"NESTA ALTURA A AMBIÇÃO PARA OS PRÓXIMOS MESES É DAR QUALIDADE E ESTRUTURA A ESTE SANTA CLARA PARA SE MANTER NA PRIMEIRA LIGA E FAZER UM CAMPEONATO TRANQUILO."



Alimenta o sonho de vir a ser selecionador nacional?
Sim. É o desejo de qualquer treinador, mas, no meu ponto de vista, para uma fase mais adiantada da carreira, com outro tipo de experiências porque gosto muito do trabalho de campo e o trabalho do selecionador é mais pontual nesse aspeto, é um trabalho mais de prospeção. Nesta altura da minha carreira prefiro o trabalho de campo diário. É mais aliciante.

Nos últimos anos vimos poucos treinadores estrangeiros na Primeira Liga. É sinal do valor do treinador português?
Sem dúvida. Considero que os treinadores portugueses são os melhores do Mundo, mas não podemos dormir à sombra da bananeira porque conquistámos, com muito mérito, esse estatuto. Estão provadas, por todas as ligas pelas quais passamos, as competências que os treinadores portugueses têm.

Tem alguma referência como treinador?
Tive a sorte de ter bebido de muitos treinadores e fui criando um modelo muito próprio. Vi várias escolas de treinadores, espanhóis, italianos, franceses, belgas, etc., e não tenho dúvidas de que somos os melhores porque pude comparar.

Que equipa mais o seduziu pelo estilo de jogo?
Sempre fui um apaixonado de várias escolas mas gostei muito do AC Milan do Arrigo Sacchi. Foi daquelas equipas que me ficaram na retina pela qualidade dos jogadores e pelo rigor tático que sempre foi criado pelos italianos.

A classe dos treinadores é unida?
Poderia ser mais. Não estou a dizer que não seja unida, mas é uma classe que podia partilhar mais. Tive uma experiência que gostaria de ver no nosso país porque ganharíamos todos. Tive a felicidade de treinar em Abu Dhabi e, num estágio da seleção da Suécia, os assistentes aos treinos eram todos os treinadores da liga sueca que, no final de cada sessão de treino, tinham uma reunião de trabalho para discutir o futuro do futebol sueco. Estas iniciativas seriam muito benéficas.

A relação treinador/jogador tem mudado ao longo dos anos?
Sim. O jogador está mais informado, tem mais conhecimento daquilo que é o treino e a relação treinador/jogador tem acompanhado a evolução do futebol, como as novas tecnologias e o conhecimento que o atleta tem do corpo. Essas situações são importantes para que haja uma relação melhor e para que o jogador perceba o que o treinador lhe está a pedir.

 

"O JOGADOR ESTÁ MAIS INFORMADO, TEM MAIS CONHECIMENTO DAQUILO QUE É O TREINO E A RELAÇÃO TREINADOR/JOGADOR TEM ACOMPANHADO A EVOLUÇÃO DO FUTEBOL."




Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato?
Tem sido importantíssimo para acompanhar os jogadores em situações menos boas que infelizmente acontecem no nosso futebol e quando o jogador se possa sentir desamparado para tomar algumas decisões. É fundamental para ajudar o jogador quando está desempregado, ao criar situações de trabalho para ele não parar a sua atividade e, quando for chamado a mais uma nova oportunidade, estar em condições. Têm sido várias iniciativas boas, também para quando o jogador acabar a carreira saber o que fazer.


Perfil
Nome: João Alexandre Oliveira Nunes Henriques
Data de nascimento: 31 de outubro de 1972
Percurso como treinador: Rio Maior, Assentis, Riachense, Torres Novas, União de Almeirim, Torres Novas, Al-Ahli (Arábia Saudita), Al Wahda (EAU), Fátima, Leixões, Paços de Ferreira e Santa Clara.