“Já estive em todas as partes de Portugal. Comecei no Algarve e agora estou em Chaves”

Veio da Geórgia com 16 anos e considera Lagos a segunda casa. Regressou esta época à Primeira Liga.
Chegaste a Portugal em dezembro de 2007, ainda muito novo, para jogares no Esperança de Lagos. Como surgiu essa possibilidade?
O meu pai já estava cá há alguns anos, a trabalhar em Lagos, e decidimos, com a minha mãe, vir para cá.
Jogavas no Dínamo Tblissi B. Tinhas idade de júnior e jogavas nos seniores?
Joguei sempre com os jogadores que nasceram em 1991 e 1992 e fiz alguns jogos com os seniores, quando tinha 14 ou 15 anos. Tinha acabado de fazer 16 anos quando vim para Portugal.
Como foi a passagem do frio da Geórgia para o calor do Algarve? Adaptaste-te bem?
[risos] Por acaso muita gente me pergunta. Na Geórgia realmente temos muito frio no inverno, mas no verão faz muito calor. Aliás, acredito que no verão faz mais calor na Geórgia do que no Algarve. Por isso, não estranhei muito. Claro que no inverno aqui o tempo é diferente e foi agradável, habituei-me bem. Mas adaptei-me muito bem no geral. Lagos é um sítio de que gosto muito e considero a minha segunda casa.
Antes de vires para Portugal, o que é sabias sobre o país?
Sinceramente, sabia muito pouco, só o que o meu pai me contava. Na altura os jogadores que estavam em destaque eram o Nuno Gomes, o Figo…. Em 2004 houve o Europeu em Portugal e foi nessa altura que comecei a seguir o futebol português. Depois o FC Porto ganhou a Liga dos Campeões e lembro-me de que, além dos grandes, também acompanhava o Boavista. Na altura estava a um nível de topo e jogava a Liga dos Campeões, que assistíamos na Geórgia.
Quando visitas a Geórgia, o que é que fazes questão de trazer sempre na mala?
Há alguns produtos, que cá também se encontram, mas são tradicionais de lá e às vezes tenho saudades. Também gosto muito da comida portuguesa, acho que é muito rica. Trago algumas coisas e quando vou lá como tudo aquilo de que sinto saudades. Quando estou lá de férias aproveito ao máximo para comer e beber. [risos]
Como é que foi em relação à língua?
Quando cheguei a Lagos já falava um pouco de inglês e acho que no Algarve toda a gente fala inglês por ser uma região com tanto turismo. Mesmo no clube, com os meus colegas, toda a gente falava. E em vez de falarem comigo em português, para me ajudarem, era sempre em inglês. Lembro-me de pensar que era uma língua difícil. No primeiro ano não aprendi nada, só os palavrões, o básico de quando vamos para algum país. Depois fui para Espanha, para o Getafe, e aí estudei espanhol. Passado um ano falava espanhol fluentemente e quando regressei a Portugal conseguia entender tudo. Pensei: “afinal isto é muito parecido”. E aí foi com grande facilidade, com essa ajuda do espanhol, que consegui aprender português. Neste momento, entre o espanhol e o português, prefiro a língua portuguesa. Entre as latinas considero-a a mais difícil, mas depois de vir de Espanha achei fácil.
E a adaptação à comida?
Quando cheguei, tendo os meus pais cá, comia comida caseira, normal. Depois fomos juntando pratos portugueses, como as sopas. Há pratos muito fortes, temos de ter cuidado, mas eu adoro peixe e tive a sorte de ir para Lagos e não faltar peixe lá. Alimentava-me muito à base de peixe.
Os portugueses são um povo hospitaleiro?
Sim. Os georgianos também são considerados um povo que recebe toda a gente bem, sabemos acolher as pessoas, e quando cheguei cá senti logo isso. Fiz amigos, no clube toda a gente me tentava ajudar, e a adaptação acabou por ser mais fácil porque relacionava tudo à forma de se viver na Geórgia: pessoal mais humilde, mais simples, sem arrogância, e claro que gostei muito disso. Foi fácil.
O teu nome é Avtandil. Ganhaste a alcunha de Avto cá ou já te tratavam assim?
Sim, chamo-me Avtandil. É um nome que só existe na Geórgia, era o nome de um antigo rei da Geórgia. Já me tratavam assim lá. Como é um nome grande, há esse diminutivo, que é Avto. É mais fácil. Mesmo assim, para algumas pessoas não é fácil, mas depois acabam por dizer bem e achar fácil. Cá tive algumas alcunhas, mas basicamente foi sempre Avto.
Que alcunhas foram essas?
Ebrala, porque o meu apelido é Ebralidze, ou georgiano. Mas foi sempre mais o Avto.
Adaptaste-te bem ao futebol português?
Sim, porque acho que o futebol português, desde a formação, tem muitos jogadores com muita qualidade. Considero-me um jogador com qualidade, gosto do futebol praticado com qualidade, e adaptei-me bem. Claro que aprendi muita coisa, acho que a formação cá é muito boa, mas a qualidade existe em todos os escalões, também nos seniores, e é bom para toda a gente porque isso ajuda a que todos sejam melhores. Foi bom ter vindo para cá. Adaptei-me bem e claro que melhoramos quando estamos num sítio onde há qualidade e temos a formação certa.
Chegaste para jogar em que escalão?
Ainda era juvenil, de segundo ano, só que quando cheguei era a segunda volta do campeonato, tive de esperar pelo certificado internacional e só podia treinar, não joguei nessa época. Antes disso aconteceu uma coisa: era para ter ido para o Portimonense. Fiz testes, era para ter ficado, eles gostaram muito, só que vivia em Lagos, os treinos eram à noite e, como o meu pai trabalhava, não dava. Era juvenil, mas sem os documentos da Federação da Geórgia, não podia jogar e passei meia época só a treinar. Depois já era o meu primeiro ano de júnior, mas ainda fiquei uns quatro meses à espera. Houve um grande erro: o documento já tinha chegado a Portugal há muito tempo, mas não sabiam que já cá estava. Diziam-me para ligar para a Federação da Geórgia e pedir, cada vez que ligava diziam que já tinham enviado, e finalmente lá se resolveu isso. Com isso falhei quase a primeira volta toda do primeiro ano de júnior.
Foi uma paragem prolongada….
Estive quase uma época parado. Foi mau e foi triste, porque queria jogar, mas acabou por chegar e lembro-me que nessa época tínhamos uma equipa muito boa no Esperança de Lagos. Estivemos quase a subir para o Nacional, faltou um ou dois pontos. Foi mesmo quase. Mas foi bom ter começado a jogar jogos oficiais. Foi uma experiência muito bonita e muito boa.
Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o georgiano?
Acho que é a organização. E aqui há muita preocupação com a formação. O presente interessa, mas o futuro também é importante, pensa-se a longo prazo. Quando cheguei e vi que havia muitos miúdos na formação com qualidade gostei muito, mas na Geórgia acontece o mesmo. O problema é que, como não há organização, a partir de certa idade não têm como continuar e os jogadores acabam por desistir. E lá a Primeira Liga é semiprofissional. A minha equipa, a tal de 1991/92, era muito boa, ganhávamos tudo, e dessa geração só dois ou três é que continuámos a jogar. Para mim acabou por ser melhor vir para cá.
Tens três jogos pela seleção principal da Geórgia. Já eras internacional pelas seleções jovens?
Só fui uma vez aos Sub-19, na altura em que jogava no Getafe. Fiz dois jogos, contra a Suíça, depois nunca mais fui até ter sido chamado para a seleção A. Fui convocado seis vezes e joguei três jogos.
Além de Portugal e Geórgia, jogaste ainda nos juniores do Getafe, de Espanha, como disseste. Como é que surgiu esse convite?
Quando finalmente chegou o certificado e pude jogar fiz uma segunda volta muito boa. Fiz muitos jogos, destaquei-me muito e apareceu uma pessoa a falar-me da possibilidade de ir para o Getafe. Eles conheciam-me, mas tinha de fazer uns testes. Gostaram muito de mim e chegámos a acordo para fazer lá o último ano de júnior. Na altura eles tinham a equipa B na III Divisão, depois subiram para a II B. Lembro-me que fiz a pré-época toda com a equipa B e alguns treinos com a equipa A. Gostavam muito de mim, mas como a Geórgia não faz parte da União Europeia e havia limite de estrangeiros, não puderam ficar comigo. Foi uma grande desilusão. Foi uma fase complicada e regressei a Lagos. Tive as pessoas certas que me aconselharam a ter calma, que tinha de destacar-me nalgum lado e que as coisas iam correr bem.
Vieste para Portugal com o objetivo de saltar para uma liga mais atrativa ou não fizeste esse tipo de planos?
Em primeiro lugar nem queria sair da Geórgia. Lembro-me de chorar porque não queria sair de lá. Mas estava, e estou, apaixonado pelo futebol, queria chegar ao mais alto nível e ajudar a família. Tinha esses objetivos, por isso vim para Portugal. Não conhecia nada, tinha de começar por algum lado, mas depois, com calma e com tempo, fui conhecendo e fiquei a gostar. O objetivo era melhorar a vida, estar com os meus pais, continuar a fazer aquilo de que gostava e sempre com o objetivo de chegar ao mais alto nível europeu.
Se pudesses escolher, qual era a liga onde gostarias de jogar?
Era a liga inglesa. É o meu sonho e um objetivo. Acho que tenho capacidade para jogar lá. Na liga inglesa ou na italiana. São as ligas onde mais gostava de jogar.
E na liga espanhola? Até pela tua passagem pelo Getafe….
Claro que é uma das melhores ligas do mundo, mas quando era miúdo acompanhava tanto a liga italiana e a liga inglesa que se tornaram um sonho. A liga italiana não tem um futebol muito bonito, é mais tático e organizado. É difícil assistir a um jogo da liga italiana, não é tão bonito como o espanhol, por exemplo. Gostava de jogar em Espanha porque é um futebol mais aberto, mais de ataque-ataque. As preferências são Inglaterra e Itália, mas também pode ser a Espanha. [risos]
Cumpres a décima época no futebol português. Qual foi a mais marcante?
Foi quando estava no Juventude de Évora e dali fui para a Oliveirense. Atingi um objetivo, que era chegar ao futebol profissional. Vim da Geórgia sem nenhum empurrão, sempre a lutar para subir pouco a pouco. Na altura o treinador era o João de Deus. Ele gostou de mim e deu-me oportunidades. Chegar à Segunda Liga foi uma emoção. Só estava há dois anos em Portugal, depois de ter voltado de Espanha, e já tinha conseguido isso. Foi uma época e uma experiência muito especial, até porque foi o meu primeiro contrato profissional. Aí consegui ter um grande conhecimento sobre o futebol português, assistia a mais jogos, já via tudo, e depois disso sabia que podia jogar na Primeira Liga facilmente. Joguei contra algumas equipas da Primeira Liga, na pré-época e na Taça, e percebi que conseguia. E quando dei o salto para o Gil Vicente, da Primeira Liga, realizei outro sonho. Foi também quando apareceu a Seleção. Nessa altura foi tudo muito bonito.
Jogaste em todos os escalões do futebol português: III Divisão, II Divisão B, Segunda Liga e Primeira. Essas experiências ajudaram-te a crescer como jogador por teres conhecido tantas realidades diferentes?
Sim. Claro que aquilo de que gostaria mesmo era de estar na Primeira Liga logo no primeiro ano de sénior, mas foi muito importante porque passei por realidades completamente diferentes, dei mais valor às coisas e foi bom pelas experiências, pelas pessoas que conheci e pelas amizades que fiz. Já estive em todas as partes de Portugal. Comecei no Algarve e agora estou em Chaves. [risos] Mas sim, considero que foi muito importante.
Estiveste duas épocas na Primeira Liga pelo Gil Vicente, depois passaste três anos na Segunda Liga e agora regressaste. Na altura, como é que foi dar aquele passo atrás?
Vou ser sincero: acho que desde que cheguei ao Gil Vicente nunca devia ter saído da Primeira Liga. Tinha 21 anos, quase 22, fiz muitos jogos, estava em destaque, a nossa equipa estava muito bem. Mas fiz um grande erro, que foi assinar um contrato de quatro anos com o Gil Vicente. Era miúdo, tinha pouca experiência e só queria chegar à Primeira Liga. Nunca pensei nas consequências de estar numa equipa que só luta para não descer. Foi um erro ter assinado por quatro anos com um clube sem grande margem para melhorar o contrato e que lançava poucos jogadores para clubes melhores. Pode ter havido alguns casos, mas não muitos. Fizemos uma primeira época muito boa e conseguimos a manutenção com facilidade. No segundo ano as coisas não correram bem. Mas pensei: “tenho 21 anos, assinei por quatro anos, mas aos 25 não vou estar aqui no Gil Vicente. Vou ter de ir para um clube melhor”. Mas claro, com trabalho, tanto na altura como agora, a trabalhar da mesma maneira, com o mesmo profissionalismo, e a pior coisa que podia ter acontecido foi termos descido de divisão. Ficámos vários jogadores de qualidade: eu, o Paulinho, que agora está no SC Braga, o Vítor Gonçalves, do Nacional, o Simy, que foi para a Serie A, para o Crotone, está agora na Serie B, jogadores com qualidade para jogar na Primeira Liga mas acredito que fomos prejudicados e tivemos de ficar na Segunda Liga porque tínhamos contrato. Houve interesse de outros clubes, mas o Gil Vicente não facilitou e tive de cumprir o contrato. Toda a gente que me conhecia sabia que estava desmotivado. Sentia que era jogador de Primeira Liga e era triste para mim. Mas depois chegou uma altura em que aceitei a realidade, só tinha de concentrar-me e fazer o meu trabalho porque ainda não tinha nada perdido. Nesse ano, quando descemos, o nosso treinador era o Nandinho e aprendi muito com ele. Foi o treinador com quem desfrutei mais a jogar à bola. Essa época acabou por ser muito boa, tínhamos um balneário incrível e foi das melhores épocas que tive no futebol.
Em relação a este ano: as coisas estão a correr como esperavas a nível individual?
Voltei à Primeira Liga, estou muito contente. Costumava dizer que não queria uma equipa da Primeira Liga que fosse só para lutar para não descer de divisão, tive essa experiência no Gil Vicente e foi menos boa. Neste momento, com dez jornadas, estamos com sete pontos e no último lugar, com alguma injustiça, mas estamos só a três pontos do 12.º lugar. Temos uma equipa que acredito que vamos estar lá em cima. Individualmente, acho que me faltam golos. Com alguma culpa minha, mas também com algum azar. Sei que vão aparecer. Claro que o objetivo é ajudar a equipa a conseguir mais pontos, estar lá em cima e lutar por outros objetivos porque, sinceramente, esta equipa não merece estar neste lugar. Toda a gente sabe que é uma equipa para manter no meio e lutar pela Europa. Ganhámos os dois últimos jogos, na Taça da Liga e na Taça de Portugal, e acredito que as coisas vão melhorar. Não é como começa, é como acaba, e acho que para nós vai acabar bem porque trabalhamos para isso e temos margem de evolução.
Acompanhas o que os jornais escrevem sobre ti?
Acompanho muito as notícias online. Muitas vezes não consigo saber se foi escrita alguma coisa sobre mim, mas tenho um amigo que me envia pelo WhatsApp. Não costumo ler os jornais porque muitas vezes podem iludir-nos ou podem escrever alguma coisa menos boa. [risos] Mas vejo as notícias online, sim. É importante acompanharmos.
Qual foi o melhor jogador com quem jogaste em Portugal?
Já joguei com muitos jogadores mesmo com muita qualidade e que me ajudaram a melhorar. Neste momento estou numa equipa que tem imensa qualidade e jogadores que podem atingir um nível muito superior.
E quem é o melhor jogador do campeonato?
Para mim é o Brahimi. Também porque joga na minha posição, mas gosto do estilo dele, da maneira dele jogar. Temos muitos extremos bons, mas considero o Brahimi o melhor jogador da Liga.
E que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Sinceramente, estou muito contente porque neste momento estou a acabar o 12.º ano com a ajuda do Sindicato. Estou inscrito no Porto. E estou a tirar o primeiro nível de treinador na Associação de Futebol de Vila Real. Acho que tem feito um trabalho bom e, pelo que conheço, tem programas que podem ajudar muito os jogadores, como acontece com os estudos. Muitos jogadores, mesmo estrangeiros, como é o meu caso, saíram muito cedo dos seus países e aqui têm essa possibilidade de concluir o 12.º ano com os trabalhos online. É muito importante para depois escolhermos o nosso caminho. Depois do futebol precisamos de ter alguma coisa que nos consiga suportar e, nessa parte, considero o trabalho do Sindicato muito importante. Além disso, vemos pelas notícias, ajuda jogadores que têm salários em atraso e tem um papel cada vez mais importante tanto na carreira dos jogadores, como no pós-carreira. Tem esse cuidado com o nosso futuro.
Perfil
Nome: Avtandil Ebralidze (Avto)
Data de nascimento: 3 de outubro de 1991
Posição: Avançado
Percurso como jogador: Dínamo Tblissi B (formação, Geórgia), Esperança de Lagos (formação), Getafe (formação, Espanha), Esperança de Lagos, Juventude de Évora, Oliveirense, Gil Vicente, Académico de Viseu e Desportivo de Chaves.