Uma questão genética


Rui Costa acredita que temos bons árbitros, mas gostava que as mentalidades fossem diferentes.

Embora quisesse ser jogador de futebol, iniciou a carreira na arbitragem há 24 anos, muito por culpa da influência do pai e do irmão, antigos árbitros.


Estreou-se na Primeira Liga num Beira-Mar-Estrela da Amadora, em 2003. O que recorda desse encontro?
Recordo-me que entrei em campo com alguma ansiedade, pois tinha chegado o momento que tanto ambicionei quando tirei o curso de árbitro, isto é, ser árbitro da Primeira Liga. Recordo-me igualmente que o jogo correu muito bem, que não houve casos, nem qualquer contestação à equipa de arbitragem, ou seja, os jogadores facilitaram o meu trabalho.

Como nasceu o gosto pela arbitragem?
Tudo começou porque o meu pai já tinha sido árbitro de futebol. Primeiro incentivou o meu irmão [o ex-árbitro Paulo Costa], mas nessa altura eu estava longe de pensar em ser árbitro (tinha apenas 8 anos). Eu gostava era de jogar futebol e o meu sonho era ser futebolista. Aos 17 anos, fui tirar o curso. Nos primeiros jogos cometi muitos erros e achei que não tinha muito jeito para a função, pensei mesmo em desistir. Mas, com a prática, fui melhorando as minhas prestações e comecei a ouvir os primeiros elogios, fui gostando cada vez mais e o “bichinho” foi crescendo. Já sou árbitro há 24 anos!

Ser árbitro é apelativo para os jovens?
Sim, ser árbitro é apelativo. A arbitragem desenvolve uma série de competências como espírito de grupo, liderança, capacidade de tomada de decisão, saber lidar com a pressão, concentração, entre outras. É óbvio que nem tudo é um “mar de rosas”, mas os aspetos positivos superam largamente os negativos.

Sempre conciliou bem a arbitragem com o trabalho?
A arbitragem ocupa-nos cada vez mais tempo, mas sempre consegui conciliar com o meu trabalho. Com grande sacrifício e boa vontade dos meus colegas da escola (pois quando falto, eles têm de me substituir), tenho conseguido ser árbitro, professor de Educação Física e professor de Natação. Com tudo isto, sobra é cada vez menos tempo para a família.

No que é que a profissionalização melhorou o setor?
No futebol tudo tem evoluído imenso e arbitragem não é exceção. Há 20 anos não havia qualquer orientação, cada um treinava como queria e quando queria. Hoje tudo é diferente! Há uma melhor preparação do árbitro no aspeto físico, técnico e mental, para que no futuro possamos minimizar o nosso erro. Estando melhor preparados a possibilidade de errarmos é menor, embora o erro nunca vá deixar de existir.

A Academia de Arbitragem vai fazer a diferença no futuro?
Acredito que vá trazer vantagens. Esta nova geração tem a possibilidade de ter uma formação intensiva em várias matérias importantes para se ser um árbitro melhor. Ao longo da época têm um acompanhamento muito próximo dos técnicos de arbitragem com a possibilidade destes, em cada jogo para o qual forem nomeados, terem uma análise crítico/construtiva do seu desempenho. O objetivo é o árbitro no futuro estar cada vez mais bem preparado.

De 0 a 5, que nota daria à arbitragem portuguesa?
Daria um 4. Acho que nós, portugueses, criticamos muito o nosso futebol se calhar porque também não temos bem presente a realidade de outros países. Temos excelentes jogadores, excelentes treinadores e excelentes árbitros. Acredito que os árbitros portugueses não ficam nada a dever a qualquer um dos outros árbitros dos grandes países da europa.

Existe um secretismo à volta das avaliações dos árbitros. Não seria mais transparente tornar as notas públicas?
Não penso que exista assim tanto secretismo. Após visualizarmos os nossos jogos sabemos quando as coisas nos correram bem ou mal. Somos avaliados em todos os jogos e recebemos essa avaliação cerca de cinco dias após o jogo. A única diferença em relação a um passado recente é que passamos a receber uma avaliação qualitativa em vez de uma avaliação quantitativa. O grande objetivo desta alteração foi para que os árbitros se preocupassem menos com as notas, ou com as diferenças decimais, e entrassem em campo mais focados e com um único objetivo que é dar o seu melhor em todos os jogos e servir da melhor maneira o futebol.

Acha que os árbitros também deviam falar no final dos jogos, como fazem os jogadores e os treinadores? 
A FIFA proíbe, a partir desse momento…. E, sinceramente, em Portugal não vejo grande vantagem em os árbitros no final do jogo falarem. Por mais que explicássemos, para muitas pessoas ia soar a desculpas, não iam compreender e muito menos evitaria polémicas. Se as imaginassem como é que ficamos quando erramos, principalmente quando esse erro tem repercussões no resultado de um jogo, se calhar olhavam para nós de outra forma.    

O árbitro é o elo mais fraco do futebol?
Dentro do futebol existem algumas pessoas nas quais é mais fácil bater e justificar os insucessos. Sem dúvida que a arbitragem é capaz de ser um dos alvos mais fáceis de criticar. Com a exceção de uma ou outra situação, quando as equipas perdem normalmente deitam as culpas para os árbitros e/ou para os treinadores. Mas não considero que seja o elo mais fraco, pois não nos podemos esquecer que sem árbitro não há jogo de futebol.

A arbitragem não devia estar mais protegida dos ataques de que é alvo como acontece, por exemplo, em Inglaterra?
Estamos num país totalmente diferente de Inglaterra, sem grande cultura desportiva. Aqui o que vende é a polémica, são as discussões à volta do futebol e acaba-se por falar pouco dos verdadeiros craques que são os futebolistas. Veja-se que aqui grande parte dos programas desportivos são para descortinar possíveis erros de arbitragem com ajuda do zoom e da câmara lenta. Em Inglaterra é totalmente diferente, vive-se e respira-se futebol. Fala-se das grandes jogadas e dos grandes jogos. Pouco ou quase nada de arbitragem. E os árbitros Ingleses também erram!

Ao longo dos anos tem notado uma diferença de comportamento dos jogadores para com os árbitros?
Sempre tive um bom relacionamento com grande parte dos jogadores. Ao longo da minha carreira faço um balanço muito positivo. Tenho um excelente relacionamento não só com os jogadores, mas também com quase todos os treinadores.

Nos seus jogos já viu jogadores talentosos ao ponto de querer sentar-se na bancada a assistir?
Muitos. Na minha carreira já tive o prazer de apitar grandes craques. Já tive a felicidade de estar presente em jogos onde jogaram jogadores como Messi e Cristiano Ronaldo, ou seja, já estive em alguns jogos onde estiveram presentes aqueles que hoje são considerados dois dos melhores jogadores de todos os tempos. E quando são vedetas como estas em campo, às vezes dá vontade de parar e estar só a assistir àquela magia.

É a favor das novas tecnologias no futebol?
Sou, sem dúvida. Estou de acordo com tudo o que nos venha ajudar a eliminar o erro. Quero é chegar ao final do jogo e sentir-me com o dever cumprido, que fui para lá, dei o meu melhor e errei o menos possível. Se as novas tecnologias vierem eliminar alguns desses erros, como a tecnologia da linha de golo, etc., eu saio satisfeito. O que eu quero é a verdade desportiva.

O vídeo-árbitro veio para ficar?
Acho que sim. As pessoas têm é de perceber qual a verdadeira função do vídeo árbitro. A função do vídeo-árbitro não é substituir o árbitro, mas sim eliminar erros os grosseiros do árbitro. Agora aqueles lances que são de interpretação e não são totalmente claros, o vídeo-árbitro não deve intervir. Há um protocolo que temos de respeitar! É um instrumento positivo e que veio para ficar.