"O único sítio onde se é mais protegido por ser estrangeiro é mesmo em Portugal”


No Lille, Rui Fonte cumpre a quinta experiência fora de portas. Avançado é um dos cinco portugueses da equipa.

Que balanço fazes destes meses no Lille?
O balanço é extremamente positivo. Estamos no segundo lugar do campeonato, as coisas têm corrido bem à equipa, por isso, para já, e a dois jogos da pausa para o Natal, o balanço é muito positivo. Sem dúvida.

Já tinhas sido colega do teu irmão e agora voltas a ser em França. Ter o apoio dele é meio caminho andado para te sentires bem nesta experiência?
Claro que pesou muito na minha decisão, mas, depois de chegar ao clube e de ver as condições que tinha, acho que seria fácil. Mas claro que ele estar aqui ajudou-me bastante na integração, apesar de termos mais portugueses no clube, tanto no staff como colegas, e foi fundamental tê-lo cá. Quando cheguei joguei logo os primeiros jogos, depois tive uma lesão que me obrigou a parar, mas sem dúvida que o meu irmão me ajudou a integrar muito mais rápido.

Vives com ele? Partilham casa?
Sim. A família dele está em Londres, os filhos estão na escola, então vivo cá com a minha mulher e com ele.

Como dizias, ainda têm o Xeka e o Rafael Leão como colegas de equipa, além de mais portugueses no staff. Costumam estar juntos?
Sim, claro que sim, sendo do mesmo país há sempre esse espírito de comunidade. Também já tinha jogado com o Xeka e o Rafael, como é mais novo, tentamos ajudá-lo de todas as maneiras e juntamos muitas vezes os jogadores com o staff para jantar, para almoçar e às vezes para tomar o pequeno-almoço. É frequente estarmos juntos e acho que isso é normal, uma vez que estamos todos longe da família e formamos nós a nossa própria família.

Como é que é viver em Lille?
Para já está frio, mas a cidade está a surpreender-me muito. Não é muito grande, é relativamente pequena, mas tem tudo o que é necessário. O centro é muito bonito, as pessoas são muito afáveis e é uma cidade fantástica. A única coisa chata é o trânsito, de resto está a surpreender-me pela positiva.

É comparável a Braga, por exemplo?
Diria que é muito parecida a Braga. Equiparo muito as duas cidades, para mim têm o tamanho perfeito. É uma cidade bonita, tem o centro da cidade, mas não tem o trânsito e a azáfama das grandes cidades. Apesar de ter gostado muito de Londres, prefiro uma cidade como Lille ou Braga.

Que diferenças existem entre a liga francesa e a nossa?
Aqui o jogo é muito mais físico. Apesar de também ser tático, o que em Portugal privilegiamos bastante, aqui têm a vertente tática e a física. E isso dificulta um pouco a vida aos jogadores e até aos treinadores que vêm para cá porque estão habituados a outra realidade. No meu caso, vim de Inglaterra, mas se viesse de Portugal sentia mais essa diferença porque é uma intensidade bastante superior à nossa, apesar do nosso campeonato ter muita qualidade noutros aspetos, aqui juntam o aspeto físico e a intensidade de jogo, que é muito diferente.

Inscreveste-te no Sindicato de França?
Ainda não, mas por acaso querem falar comigo.

Estavas em Inglaterra, no Fulham, mas antes jogavas no SC Braga, um dos principais clubes portugueses, e mudaste-te para o Championship, o segundo escalão do futebol inglês. Tiveste de pensar duas vezes?
Tive de pensar mais do que duas vezes para tomar essa decisão. Estava muito bem em Braga, eu e a minha família, o clube já tinha essa ambição de querer chegar ainda mais acima, estava a fazer as bases, como estão a fazer esta época, já no ano passado andaram perto, neste estão ainda mais consistentes, mas tive de pensar muitas vezes para decidir o que queria fazer. O projeto do Fulham era subir à Premier League, sim ou sim, e a aposta acabou por correr bem. Conseguimos a subida, que era o que o clube queria. Durante a época tivemos algumas dificuldades, tive algumas dúvidas sobre se tinha feito bem em sair de Braga, mas no final correu como planeado e, felizmente, correu tudo bem.

Ainda soube melhor por terem subido apenas no playoff?
Sim, porque jogámos com mais de 70 mil pessoas em Wembley e foi um dia único, uma atmosfera que poucas vezes vivi, num estádio emblemático como é aquele, e culminámos a época com uma vitória e a subida à Premier League.

É o terceiro país estrangeiro no qual vives, depois de teres jogado em Espanha e Inglaterra. Ganhaste algum hábito dessas culturas, como dormir a sesta ou beber chá, por exemplo?
Não. Acho que a sesta é fundamental para o descanso dos jogadores de futebol. Faço-a quando realmente necessito ou posso, mas não foi por ter estado em Espanha que ganhei esse hábito. Como convivemos com as pessoas desses países vamos fazendo algumas coisas que eles fazem e acabamos por gostar, enquanto estamos lá se calhar até aderimos mais do que quando estiver em Portugal, mas nada em especial que seguisse quando saí dos respetivos países.

Tens espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Sim. Acho que, quando se sai para o estrangeiro, o mais importante é ter o máximo de informação sobre o clube, o país, a cidade, mas também sobre os colegas e o treinador. Acho que isso é fundamental. Ir assim no escuro às vezes é um grande risco e pode acabar por não compensar. Felizmente, consegui sempre escolher bem os países pelos quais optei no estrangeiro. Também é preciso ter um pouco de sorte, mas as experiências no estrangeiro acabaram sempre por correr bem. Mas sim, tenho espírito aventureiro. Nunca tive dúvidas em relação ao que queria fazer.

Sempre te habituaste bem à língua, comida, trânsito ou houve alguns percalços pelo meio?
Sim. Também não sou muito de sair de casa nem sou muito esquisito em relação à comida. Como sou mais de ficar em casa acabo por cozinhar a minha própria comida. Claro que gosto sempre de experimentar a comida dos sítios para onde vou, o que é típico da cidade ou do país, mas nunca tive esses problemas, nem se faz frio ou pouco sol. Como fico muito em casa, vamos passear um pouco de vez em quando, não sofro muito com isso.

O que é que levas na mala sempre que vens a Portugal?
A única coisa que às vezes compro no aeroporto, que levava para Inglaterra e agora para aqui porque as pessoas pedem-me, são pastéis de nata e vinho do Porto. Mas para mim são mesmo só os pastéis de nata. [risos]

Sentes que lá fora cobram-te mais por seres estrangeiro ou, por outro lado, és mais protegido por isso?
Das experiências que tive, o único sítio onde se é mais protegido por ser estrangeiro é mesmo em Portugal. Há sempre uma maior abertura para o jogador estrangeiro. Não que isso seja mau, nem temos de fazer como os outros, mas para nós no estrangeiro nunca é fácil porque temos de provar, e acho que faz sentido, que somos melhores do que os jogadores dos respetivos países. É muito mais fácil ser estrangeiro em Portugal, é da nossa cultura. O jogador português acolhe bem o estrangeiro, tenta integrá-lo o mais rápido possível, e no estrangeiro, também nesse aspeto, tive muita sorte nas equipas em que estive porque tive sempre uma boa receção. Também tenho o relato de colegas que estiveram no mesmo país, mas em equipas diferentes, e para eles foi muito difícil integrarem-se. Depende muito do meio.

E como é que foi a adaptação quando trocaste o Sporting pelo Arsenal com apenas 16 anos, ainda para mais a viver com uma família de acolhimento?
Tive a sorte de ir para um clube grande e bastante organizado, que tinha atenção a esses detalhes dos jogadores ficarem com uma família, de saberem como se estavam a integrar, de terem aulas de inglês…. Foi difícil estar longe dos meus pais e do meu irmão, ele acabou por ir no ano a seguir, mas estar longe de toda a família foi difícil. Só me apercebi da experiência que foi passado uns anos, quando olhava para trás e pensava no que tinha passado lá. Só mais tarde é que vi que tinha sido uma grande experiência para mim, até mais pelo lado humano do que propriamente futebolístico.

Como dizes, cada caso é um caso, mas aconselhas os outros jogadores a emigrar tão cedo?
Também depende da maturidade do próprio. Claro que aos 16 anos não tens a tua maturidade já completa, mas há jogadores mais maduros do que outros. Adaptei-me bem, mas depende de caso para caso. Não posso dizer que aconselho todos a ir ou não. Deverão ser os pais e o próprio adolescente a ver se sente pronto. Eu tinha essa convicção. Quando me perguntaram se queria jogar no Arsenal disse imediatamente que sim, não tinha dúvidas do que queria fazer, e acho que isso facilitou a decisão dos meus pais de me deixarem ir sozinho para Inglaterra. De certeza de que se tivesses dúvidas eles ter-me-iam dito para ficar. Mas sentiram na minha voz e na minha convicção que queria ir.

Apesar de tão novo chegaste a fazer um jogo pela equipa principal do Arsenal, para a Taça da Liga, frente ao Wigan. Nesse momento sentiste que tinha valido a pena todo o sacrifício?
O objetivo foi sempre esse, de chegar à equipa principal. Fiz esse jogo, tinha lá o meu irmão, ele já estava em Inglaterra nessa altura, mais uns amigos a assistirem ao jogo e para mim foi uma grande alegria porque sabia que os meus pais e os meus amigos em Portugal também estavam a ver. Foi uma alegria enorme porque de certeza de que estavam orgulhosos pelo que tinha conseguido com 17 anos.

Seguiu-se o Crystal Palace, outro histórico de Londres. Que recordações guardas dessa fase?
Estava com o meu irmão, mas nessa altura não desfrutámos tanto como agora porque era muito jovem, tinha 18 anos, nem sénior era ainda, e sentia que o meu irmão estava mais preocupado com o meu jogo do que com o dele. E eu, sendo mais novo, às vezes estava no banco e estava nervoso por ver o meu irmão jogar, a torcer para que corresse tudo bem. Hoje desfrutamos muito mais desta experiência do que na altura porque assim que entramos em campo sabemos o que temos de fazer, ele está concentrado no jogo dele e eu no meu. Como somos muito chegados, claro que estamos sempre a partilhar opiniões, mas dentro do campo desfrutamos muito mais.

Regressaste a Portugal, para o Vitória de Setúbal, mas voltaste a emigrar, desta vez para o Espanyol. Como foi viver em Barcelona e jogar na liga espanhola?
Foi uma aposta. Fui para a equipa B com a perspetiva de ingressar na equipa principal, então foi uma aposta muito grande da minha parte. Felizmente correu bem. Também tive a sorte do treinador da equipa principal, o Mauricio Pochettino, chamar-me para um jogo da pré-época logo quando cheguei. Ele gostou de mim e, a partir daí, tivemos uma relação muito boa e fui sempre opção. Passado uns meses, quando ele saiu, também voltei para Portugal, mas essa experiência em Barcelona também foi muito enriquecedora. Vivia sozinho, tinha a visita da minha namorada, que hoje é minha mulher, dos meus pais e do meu irmão, mas, uma vez mais, fui sozinho à aventura e, felizmente, consegui triunfar e chegar ao objetivo a que me propus na altura, que era a equipa principal.

Tiveste grande destaque na equipa B do Benfica, mas nunca te impuseste na primeira equipa. A grave lesão que sofreste no joelho direito foi um forte revés na tua progressão?
Não diria, até porque nos meses dessa época em que estive no Espanyol estava um bocadinho mal, estava a jogar fora da minha posição e andava um bocado frustrado com o meu futebol. Apesar de ter estado 15 meses parado, acreditem ou não, ajudou-me bastante quando voltei porque tive tempo para pensar, para observar, para ver muitos jogos, para ver os meus colegas treinar e, quando voltei, naqueles seis meses na equipa B, sentia-me alegre e sabia o que tinha de fazer, como fazer e isso refletiu-se dentro de campo. Sempre que falo da lesão que tive, dos meses em que estive parado, acho que perdi tempo de jogo, mas ajudou-me bastante a nível mental porque consegui ganhar outras coisas. A seguir fui para o Belenenses, conseguimos a qualificação para a Liga Europa, isso ajudou-me a ingressar no SC Braga, por isso, estar aquele tempo, ajudou-me bastante na minha carreira. Não pude jogar, mas acho que tirei mais proveito disso do que me prejudicou.

Pensas em regressar a Portugal ou preferes continuar a carreira no estrangeiro?
Portugal vai ser sempre o meu país, por isso nunca vou dizer que não quero voltar. Para já não me vejo a voltar, mas sei que um dia vou fazê-lo e acabar o que comecei.

Ambicionas regressar à seleção e jogar ao lado do teu irmão também aí, como já esteve perto de acontecer?
Acima de tudo, será o reflexo do meu trabalho no clube. Claro que não perco essa esperança, mas tenho noção de que tenho de fazer o meu trabalho e fazer mais.

Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Acho que está a evoluir a cada ano que passa na ajuda aos jogadores. Com mais ajuda de outras instituições de certeza que seria ainda melhor, mas sei que para aí caminha. O Sindicato cada vez ajuda mais os jogadores, viu-se nos tempos de crise em Portugal, por isso o caminho é para a frente e será cada vez melhor.

 

Perfil
Nome: Rui
Pedro da Rocha Fonte
Data de nascimento:
23 de abril de 1990
Posição:
Avançado
Percurso como jogador:
Sacavenense (formação), Sporting (formação), Arsenal (formação, Inglaterra), Arsenal (Inglaterra), Crystal Palace (Inglaterra), Vitória de Setúbal, Espanyol (Espanha), Benfica B, Benfica, Belenenses, SC Braga, Benfica, SC Braga, Fulham (Inglaterra) e Lille (França)