“Danilo, chegou a sua hora”


Avançado brasileiro veio para Portugal há oito anos e está prestes a estrear-se pelo Cova da Piedade.

Há oito anos no futebol português, com curtas passagens por Azerbaijão e Brasil pelo meio, Danilo Dias atravessou o Atlântico para encontrar aqui o sucesso.

Entre muitas outras coisas, uma conversa na qual revela que Pedro Martins o ajudou a perceber o futebol, o crescimento de Danilo, de desacreditado a melhor jogador da Primeira Liga, e ainda o sonho de Norton de Matos que o levou a marcar dois golos no Dragão.

Chegaste a Portugal em 2010 para representares o Marítimo. Como surgiu essa possibilidade?
Estava no Ipatinga, a disputar o campeonato mineiro. Chegámos à final, fomos vice-campeões. Nas meias-finais eliminámos o Cruzeiro e o pessoal do scouting do Marítimo estava lá para ver jogadores. Eles queriam ver o Danilo do América Mineiro, que depois veio para o FC Porto [atualmente no Manchester City], mas o Danilo foi eliminado e o Danilo Dias, que sou eu, fez dois golos contra o Cruzeiro lá no Mineirão, que estava lotado! Isso despertou o interesse: “quem é aquele menino?”. Fiz dois golos, sofri um penálti, fiz um dos melhores jogos da minha vida. Na final fiz mais um golo no primeiro jogo, em Ipatinga, e no segundo jogo perdemos 2-0, mas fui eleito o melhor em campo pela rádio de Belo Horizonte. Depois começou a Série B, nem sabia que estavam lá para me ver, e nos seis jogos que se disputaram antes da pausa para a Copa do Mundo fiz três golos, era um dos artilheiros e isso despertou o interesse do Marítimo.

Com tanto destaque, tiveste outras propostas além do Marítimo?
Tive propostas da Dinamarca e da Noruega, mas o presidente do Ipatinga chegou a acordo com o presidente do Marítimo e vi essa possibilidade com bons olhos. Todos os jogadores sonham em vir para a Europa e não pensei duas vezes.

Por que é que a escolha recaiu sobre Portugal?
Porque é o nosso país irmão. Quando se fala da Europa, todos os brasileiros querem conhecer Portugal primeiro, Lisboa, Porto, Algarve. Não falava muito bem inglês e também para a adaptação, não só à língua, mas à comida e ao clima da ilha da Madeira, na altura pesquisei e vi que era bom, tudo isso fez com que não pensasse duas vezes. Os valores equiparavam-se, eram mil ou dois mil euros de diferença, e nunca tinha ouvido falar de uma equipa grande da Noruega ou da Dinamarca, enquanto que qualquer jogador sonha jogar contra equipas como Benfica, Sporting ou FC Porto. E, graças a Deus, pude realizar esse sonho.

Antes de vires para Portugal, o que é que sabias sobre a Madeira?
A única coisa que conhecia da ilha da Madeira era que tinha havido as cheias naquele ano, em 2010, e que era a terra onde o Cristiano Ronaldo tinha nascido.

Vieste de um país enorme, como é o Brasil, para viveres numa ilha. Foi estranho no início?
Foi um bocadinho estranho porque tudo o que você faz é de avião, você pega no carro e dá uma volta pela ilha numa ou duas horas, mas fiquei deslumbrado com a beleza natural até porque a minha cidade não tem praia nem a vida que ali existe. Fui muito bem recebido numa ilha pequena e isso ajudou-me bastante.

Quando visitas o Brasil, o que é que fazes questão de trazer sempre na mala?
Cuscuz, tapioca, queijo…. Trago um queijinho ralado para fazer pão de queijo, umas coisas assim básicas, mas de resto encontra-se tudo o que há no Brasil.

Adaptaste-te bem à comida portuguesa?
Sim. Vim do Brasil sem conhecer a comida portuguesa. Na cultura da minha família era mais carne, raramente comíamos peixe, mas hoje facilmente troco carne por peixe. Aprendi a comer um bom bacalhau, um bom salmão, aprendi a comer a espetada madeirense, que é típica lá, nalguns momentos também gosto de beber um bom vinho português…. Enfim, gosto muito.

E em relação à língua? Apesar de tudo, os brasileiros sentem alguma dificuldade para perceber o português e, ainda por cima, os madeirenses têm um sotaque diferente.
Sim, o sotaque da Madeira é um pouco diferente. No início tive dificuldades, pedia para falarem um pouco mais devagar e, quando o faziam, entendia bem. E o vosso português é que é correto, mesmo à letra. Por exemplo: ao telemóvel, que é um telefone móvel, a gente chama celular. Não abro mão de que o meu filho fale o português daqui porque é um país que nos últimos oito anos nos trouxe sucesso e tenho um carinho enorme por tudo aqui.

Ele nasceu cá?
Sim, os dois. Coincidência ou não, os meus filhos são madeirenses. [risos]

Os portugueses têm fama de serem um povo hospitaleiro. Confirma?
Confirmo. Se o português gostar de você, ele vai onde você for. Temos amigos portugueses assim, amizade já de sete ou oito anos, e é assim: estão sempre connosco, vamos sempre falando…. Se gosta, o português abraça mesmo.

Adaptaste-te bem ao futebol português?
No meu primeiro ano no Marítimo, não muito. Cheguei e estava muito bem porque vinha de um campeonato difícil, a Série B. Quando cheguei estávamos na qualificação para a Liga Europa e, como estava com ritmo de jogo, estava bem, tive aquele impacto: “o menino é bom!”. Ficámos a um golo de eliminar o BATE Borisov e aquilo deu impacto. Depois os treinos começaram a ser uma vez por dia, comecei a ter lesões e, depois disso, no primeiro ano só fiz dois golos na Primeira Liga. Foi difícil perceber que o avançado também tem de defender. Na altura tínhamos um treinador holandês, o Mitchell van der Gaag, que batia muito nessa tecla. Depois veio o Pedro Martins, que teve paciência para me ensinar a tática do futebol: fechar espaços, bascular, saber o momento de fechar por dentro, receber a bola em diagonal, essas coisas que o brasileiro não sabe. Cheguei aqui e queria levar a bola. O avançado joga para fazer golos, não é para defender. [risos] E ele dizia-me: em vez de dares três ou quatro toques na bola dá só um ou dois. O Pedro Martins foi um treinador muito importante na minha adaptação ao futebol português.

Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o brasileiro?
Aqui é muito tático. A escola europeia ensina isso. Temos de aprender a ler o jogo taticamente, a bascular a bola. Não precisa de estar na linha, tem de fechar no trinco porque eles vão errar, vão rodar a bola e você já está no meio, cortar o espaço…. Não é que o futebol brasileiro seja mais desorganizado, mas por acreditarmos muito na velocidade e na técnica, o jogador brasileiro pensa: “a bola vai chegar a mim, eu tenho técnica, eu resolvo. Tenho de estar pronto é para atacar”. Eu vim com isso. Só queria atacar, driblar um, dois e três. Mas aqui não. Aqui você domina a bola e já tem um ou dois em cima.

Vieste para Portugal com o objetivo de saltar para uma liga mais atrativa ou não fizeste esse tipo de planos?
Primeiro vim sem saber o que era o futebol português, mas feliz por estar a jogar na Europa. Depois de cá estar e de jogar na Liga Europa pensei que queria continuar aqui. É um bom campeonato, dá visibilidade. Pus isso na cabeça dos meninos lá no Marítimo. Fizemos um campeonato muito bom, conseguimos ir à Liga Europa de novo, conseguimos entrar na fase de grupos, na altura um feito histórico para o Marítimo, e queria estar nos grandes palcos: fui a Newcastle, Saint-Étienne, Bordéus e pensei: eu quero jogar nesta equipa.

Além de Portugal e Brasil, jogaste ainda no Azerbaijão. Como é que surgiu esse convite?
Foi no meu último ano de contrato com o Marítimo. Na primeira metade da época fui suplente, na altura o Heldon estava muito bem. Em janeiro ele foi para a CAN e foi o mês em que tivemos mais jogos: Taça de Portugal, Taça da Liga e campeonato. E marquei cinco golos nos oito jogos que fizemos, um contra o Sporting, em Alvalade. Em janeiro tive a possibilidade de ir para lá, mas na altura o Marítimo não me libertou, o presidente pediu uma quantia elevada, e eles esperaram até ao final da época. Fui jogando, fiz mais golos, terminámos bem e joguei até ao último dia de contrato com o Marítimo. Aí surgiu a oportunidade de continuar em Portugal. Sentei-me com a minha esposa, a proposta financeira foi muito superior e, com 28 anos, a gente preferiu o dinheiro. E fui para o Azerbaijão.

Se pudesses escolher, qual era a liga onde gostarias de jogar?
Gostava de jogar em Espanha. É um país parecido com Portugal, a língua não é difícil, é um país bonito e é um campeonato que tem equipas grandes como Barcelona, Valência, Real Madrid, Atlético. Todo o mundo fala de Inglaterra, mas para um brasileiro acho que é mais fácil adaptarmo-nos a Espanha. E houve vários jogadores brasileiros que tiveram sucesso lá pelo nosso estilo técnico e pela alegria de jogar, como foram os casos de Romário, Neymar, Ronaldinho, Bebeto, Rivaldo…. Muito brasileiros que passaram por Espanha tiveram o auge da carreira lá.

Vais para a sexta época no futebol português. Qual foi a mais marcante?
Foram duas: a minha segunda época no Marítimo, quando conseguimos a qualificação para a Liga Europa. Fiz nove golos e umas seis assistências, participei diretamente em 32% dos golos do Marítimo. A gente tinha um grupo muito bom. A outra foi quando voltei do Azerbaijão e fui para o União, na Primeira Liga. Cheguei tarde, não fiz a pré-época, demorei a engrenar, mas quando ganhei ritmo consegui ser o artilheiro da equipa. Fiz oito golos e cinco assistências. São momentos bons que recordo.

Nessa segunda época, em 2015/16, tiveste muito mediatismo por teres marcado o golo com que o União derrotou o Sporting, além de teres marcado dois golos no Dragão: acompanhas o que os jornais escrevem sobre ti?
Sim, acompanho. Sempre acompanhei. A minha esposa também recorta e guarda numa pasta para no futuro a gente poder recordar e mostrar para o meu menino. “O papai não foi um grande jogador, de topo, mas sempre lutou, trabalhou e conseguiu algumas coisas importantes”. Um desses golos marcantes foi esse ao Sporting. Ainda hoje, aqui em Lisboa, o pessoal fala-me disso: “nossa, aquele golo de cabeça contra o Sporting…”. Ganhámos 1-0, envolveu a liderança do Sporting, o Natal do Jorge Jesus…. Enfim, foi um golo com esse mediatismo.

E o bis no Dragão?
Treinei a semana toda a titular, vinha jogando, e o míster da altura, o Norton de Matos, teve um sonho e disse-me ao pequeno-almoço: “vou deixar-te no banco. Vou pôr outro jogador para jogar no seu lugar. Ele vai cansar mais o Maxi Pereira do que você, mas você vai entrar e decidir o jogo”. Disse-lhe que estava confiante, pronto para jogar, mas que a decisão final era dele. Fui para o quarto triste porque todos os jogadores querem jogar. Estádio do Dragão, televisão, e estava bem e confiante. Estava 0-0 e, aos 43 minutos, o menino que jogou no meu lugar perdeu uma chance de fazer o golo, o 1-0. Se ele faz o golo, o Danilo não entra nunca mais! Ia entrar como? [risos] Foi para o intervalo, passou um pouco e o Porto 2-0. Fui aquecer e o míster disse-me: “Danilo, chegou a sua hora”. E passados alguns minutos fiz dois golos! [risos] Acabámos por perder, sofremos um golo bobo no final do jogo e foi um ponto que nos custou muito, mas foi uma história legal nesse dia.

Qual foi o melhor jogador com quem jogaste em Portugal?
Gostei muito do Baba, na altura do Marítimo, e do Roberto Souza. Também gostava muito de jogar do lado dele. Acho que foram os dois que mais me marcaram no sentido de serem jogadores de qualidade. Também gostei muito de jogar com o Sami, fizemos uma dupla muito boa. Entendíamo-nos só por ver o movimento do outro.

E quem é o melhor jogador da Primeira Liga?
Isso é uma pergunta difícil. [risos] Gosto muito da forma de jogar do Bruno Fernandes, é um médio intenso. Acho o Bas Dost um jogador com alto poder de definição. Gosto do Jonas porque é perigoso. O Marega é possante. O Militão chegou e adaptou-se muito facilmente. Já o acompanhava no São Paulo, é muito bom. É difícil dizer só um jogador. Um que evoluiu muito foi o Danilo, do FC Porto. Tive oportunidade de trabalhar com ele e não o coloco entre os melhores jogadores com quem joguei porque, quando chegou ao Marítimo, vinha de Itália, desacreditado, teve dificuldades de adaptação e, no momento em que se adaptou, eu saí para o Azerbaijão. Mas vejo que hoje não é o mesmo Danilo que vi quando treinei com ele. E fico feliz por ele. Nomeio-o a ele.

Chegaste ao Cova da Piedade depois do fecho do mercado de verão e só podes ser inscrito em janeiro. Ansioso pela estreia?
Sim, bastante. É um clube organizado, com pretensões e encontrei pessoas com um coração enorme, como o presidente e a esposa, o senhor Long e a dona Maria. Cheguei e não pude ser inscrito, só agora em janeiro, mas cumpriram sempre comigo. Tive um problema num joelho e eles sempre preocupados comigo, mas agora estou a treinar e pronto para corresponder de volta ao que fizeram por mim. Sempre com o meu estilo de jogo, com alegria, a trabalhar para fazer assistências e golos e pôr o Cova da Piedade no lugar que eles querem. Quero agradecer também aos médicos e aos fisioterapeutas pela paciência que sempre tiveram comigo para me ajudar a recuperar.

E que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Acho que é muito importante. Cheguei aqui, fiz-me sócio e sempre que precisei, foram duas ou três vezes, foram solícitos comigo. Os jogadores falam uns com os outros e todos os que já precisaram do Sindicato têm a mesma opinião. O Sindicato é sempre prestável, dá sempre apoio e é uma coisa da qual o futebol brasileiro precisa muito e não tem. Estive um ano no Américo Mineiro e quando precisei do Sindicato não tive o apoio que precisava, como já tive aqui. Faço essa comparação porque aqui tive esse apoio e é fundamental. Somos vistos como jogadores de futebol, mas somos pais de família, seres humanos sujeitos ao erro. Costumo dizer: sou um trabalhador normal, com direitos e deveres. Mas antes de ser o Danilo Dias, sou um pai de família. Tenho esposa e dois meninos para criar. O Sindicato apoiou-me quando precisei e agradeço muito.


Perfil
Nome: Danilo Leandro Dias
Data de nascimento: 6 de novembro de 1985
Posição: Avançado
Percurso como jogador: Goiás (Brasil), Bandeirante (Brasil), Gama (Brasil), Atlético Goianiense (Brasil), Goiânia (Brasil), Noroeste (Brasil), Ipatinga (Brasil), Uberaba (Brasil), Ipatinga (Brasil), Marítimo, Marítimo B, Marítimo, Karabakh (Azerbaijão), União da Madeira, América Mineiro (Brasil), União da Madeira e Cova da Piedade.