Uma glória dividida entre o futebol e o futsal


Anabela Guerra começou pelos relvados em 1986 e terminou nos pavilhões 20 anos depois. 

Anabela Guerra é ‘Cazuza’, uma das melhores defesas centrais da sua geração. Tinha no cabeceamento e na velocidade as principais armas. Foram 20 anos de carreira que começaram em 1986, na equipa de futebol do Odivelas FC, e que acabaram em 2006 no futsal do SL Benfica.

Também deixou marca na Seleção Nacional ao registar 18 internacionalizações. Nesta entrevista, a ex-jogadora fala sobre o passado, mas afirma-se forte admiradora do talento presente.

Se tivesses de resumir a tua carreira desportiva em três palavras, quais seriam?
Mágoa é a primeira que me vem à cabeça. Tive pena de não ter sido campeã e de ter deixado o futebol cedo. Tive também muita pena de não ter sido acompanhada pela Federação Portuguesa de Futebol e pelo 1.º Dezembro, mas faria tudo outra vez. Apesar disso as coisas boas são as que ficam, nomeadamente as pessoas que conheci ao longo de 32 anos e isso eu não troco por nada.

Quais os momentos mais marcantes?
Sem dúvida, a primeira internacionalização. Nunca me vou esquecer disso. Estádio de S. Luís em Faro, 11 ou 12 de dezembro de 1993, frente à França, onde perdemos 1-0. Fez agora 25 anos. Contraí uma lesão gravíssima no pé, perto do final da partida, e estive um mês e tal sem jogar. Depois também tive muitas alegrias desde passeios que fizemos, jogos que perdemos e balneários.

Enquanto defesa central, qual a jogadora portuguesa mais difícil de marcar?
A Anabela, sem dúvida. Eu ia dizer que nunca tive grandes dificuldades, mas a Anabela tinha uma técnica incrível. Ainda por cima apanhei-a quando eu ainda era muito tenrinha o que ainda dificultou mais a minha vida. No ponto de vista internacional foi a Michele Hackers. Lembro-me de a encontrar num hotel e o Simões diz-lhe assim: “Amanhã esta é a central que te vai marcar”. Ao que ela responde: “Short” (pequena). A verdade é que não marcou nenhum golo.

Jogaste a defesa-central e a líbero. Mais alguma posição que gostavas de ter desempenhado?
Acho que era capaz de ter dado um bom número ‘6’. Para uma defesa-central eu até tinha boa visão de jogo. Uns cinco metros mais à frente no terreno, era mais fácil de colocar a bola, mas adorava jogar a central.

Entre o futsal e o futebol de 11, qual o que dava mais prazer?
Apesar de ter sido durante pouco tempo, o futebol deu-me mais dimensão. O futebol é a menina dos meus olhos. O futsal, adaptei-me bem, tive muitos bons momentos, depois de ter estado 18 meses sem jogar, vivi coisas que não tinha conseguido até então, mas o futebol é o futebol.

De onde é que surge o nome Cazuza?
Quando fui convidada para ir para o meu primeiro clube, era muito novinha e muito bem-disposta. Na altura dava uma novela brasileira chamada “Vereda Tropical” e tinha uma personagem que se chamava Cazuza e todos diziam que eu era parecida.

O que sente uma jogadora na hora de terminar a carreira?
É difícil. Uma pessoa leva décadas a ir aos treinos, aos jogos e quando tudo acaba não sabes bem o que fazer no fim-de-semana. Por outro lado, também sentia a necessidade de fazer outras coisas.

Tens duas grandes paixões: Literatura e motas, certo?
Certíssimo. Na altura em que ia para estágios não havia estas coisas do Facebook e a malta lia ou jogava à sueca. Tive uma DT quando era cachopa, mas depois, também influenciada pelo futebol, deixei-me disso com medo de que acontecesse alguma coisa às minhas pernas. Só aos 40 anos é que tirei carta e comprei uma mota em condições. Para mim, é um prazer.

Acompanhas o futebol feminino?
Tive muitos anos em que estava tão triste com o fim da carreira que não acompanhei. Com o aparecimento das redes sociais vou acompanhando e já fui assistir a alguns jogos ao vivo. Tenho seguido ultimamente com muito orgulho das miúdas. Em alguns casos começas a fazer coisas que não fazias anteriormente e andas mais distraída. No meu caso, quando saí do futebol fui terminar o 12.º ano, fiz alguns cursos, comecei a ver mais cinema, teatro.

Reconhecem-te na rua?
Não sabem quem eu sou. No masculino, qualquer jogador que tenha três internacionalizações entra em qualquer lado e é reconhecido. Tenho a certeza que nenhuma miúda me conhece do futebol. Sinto que ainda não existem grandes referências no futebol feminino. Até eu quando jogava não tinha uma mulher como referência, era o Baresi. Isso deixa-me a pensar que acabamos de jogar e que já não somos valorizadas.

Quais as maiores mudanças no futebol feminino nos últimos anos?
A mais importante de todas é a aposta na formação. É delicioso ver miúdas com dez anos a aprenderem a modalidade. Sem formação não há jogadoras de qualidade. Isso para mim é o mais importante. Até aos meus 16 joguei futebol numa rua atrás da minha casa.

A aposta dos designados clubes grandes no futebol feminino será um fator determinante para a evolução da modalidade?
Sem dúvida. Trazem mais visibilidade e mais adeptos ao estádio. Depois são clubes que têm uma televisão onde transmitem os treinos, fazem entrevistas e reportagens. Isso tudo ajuda a divulgar a modalidade.

Evolução que também se verifica na Seleção Nacional?
A evolução é muito positiva. Está a ser feita de forma lenta, mas estou muito feliz com o que tenho visto. Temos jogadoras de muita qualidade.

Algum conselho para as atletas que agora começam?
Ainda no outro dia dizia ao meu sobrinho: “Faz as coisas com paixão. Segue com alegria”. Se eu era feliz a jogar com umas botas rotas hoje têm 1001 razões para serem felizes. As coisas boas ficam para a vida toda.


Perfil
Nome: Anabela Guerra Conceição “Cazuza”
Data de nascimento: 27 de janeiro de 1971
Posição: Defesa central
Internacionalizações: 18
Término da carreira: 2006
Percurso como jogadora: Odivelas FC, GD Terras da Costa, Idanha (futsal), Sporting, 1.º Dezembro, Lobinhos (futsal), Novos Talentos (futsal) e Benfica (futsal).