“Isto é mesmo um mundo à parte”


Emigrou pela primeira vez para França, e, desde então, passou pelo futebol grego e croata e agora na Índia.

Na época passada jogou em Portugal, no Desportivo das Aves, e arrependeu-se de ter voltado porque entende que “o clima é de tal forma que há jogadores que preferem nem jogar contra certas equipas para não dizerem que estão comprados”.

Que balanço fazes dos primeiros meses na Índia?
Faço um balanço muito positivo. Quando assinei, juntamente com o míster Jorge Costa, se calhar não estávamos preparados para chegar sequer ao playoff das quatro equipas. O nosso objetivo era o de chegar, ver primeiro como era isto e depois vermos se era possível. Conseguimos e é muito positivo estarmos nas meias-finais do playoff para sermos campeões. É uma época muito positiva.

E como é que está a ser a adaptação ao país?
Sempre viajei por vários países, mas aqui é um bocado diferente por causa da comida, que é toda picante. A adaptação não foi tão fácil por isso. Uma coisa é comer picante um dia, outra coisa é comer picante sete dias por semana. A adaptação depois começou a correr melhor, começámos a perceber como é que era, mas é um país totalmente diferente do nosso. Portugal tem 11 milhões e aqui, só em Mumbai, são 22 milhões. É duas vezes Portugal!

Falaste com portugueses que tenham jogado na Índia antes de aceitares o convite?
Não cheguei a falar com ninguém. Como vim para aqui diretamente com o míster, nem perguntámos como era isto aqui. Viemos também com o adjunto e o treinador dos guarda-redes. Como éramos vários portugueses, pensámos que podíamos sempre conviver entre nós. Nunca seria assim tão mau.

Teres Jorge Costa como treinador foi importante para aceitares este desafio? Ou seja: se ele não fosse aceitarias o convite à mesma?
Tive outras propostas da Índia e nunca as aceitei. Aceitei esta mesmo por saber que o míster tinha assinado e aproveitei para vir diretamente com ele. Já tinha recebido três ou quatro propostas de equipas daqui e disse não a todas. Foi decisivo ele vir para cá. Podemos trocar de país e ir sozinhos, mas aqui era para um mundo à parte. Mesmo estando aqui já há algum tempo, é uma coisa totalmente diferente.

Além da questão de a população ser muito superior, como é viver aí?
Às vezes, em Portugal, queixamo-nos e dizemos que somos pobres, mas muita gente não tem noção do que é ser mesmo pobre. Aqui vemos um hotel de cinco estrelas, tudo muito bonito, e mesmo ao lado do hotel está tudo cheio de barracos. É que nem se pode chamar casa, são mesmo barracos. Uns em cima dos outros. É muita pobreza aqui. Veem-se coisas que…. Vivo num bairro em Portugal [bairro do Cerco, no Porto] e nunca vi as coisas que vi aqui no meu bairro. Isto é mesmo um mundo à parte.

Foste com a tua família?
Não, vim sozinho. Também por isso é que o míster foi fundamental porque senão vinha sozinho. Os meus filhos estão na escola, não era fácil tirá-los da escola e pô-los num país que não tem nada a ver com o nosso.

Vives mesmo no centro da cidade?
Não. Isto é muito grande, ainda é em Mumbai, mas vivemos a 25 quilómetros do centro da cidade. E para fazermos esse percurso demoramos duas horas ou duas horas e meia.

Vivem juntos?
Isto é um condomínio fechado. São dez prédios e a equipa toda vive aqui. Depois há jogadores que vivem com a família e os que estão cá sozinhos podem viver com um jogador ou, se quiserem, vivem mesmo sozinhos.

É o teu caso?
Não. Vivo com o Matías [Mirabaje], um jogador do Uruguai.

Agora que falas nisso, como é que é em relação à comunicação com os teus colegas?
Falamos em inglês. Todos os indianos falam bem inglês por terem sido uma colónia inglesa. Aqui vive-se muito a cultura inglesa, o críquete, a Premier League…. Onde a gente vai, toda a gente fala inglês. E isso ajuda muito na adaptação. Às vezes não é fácil falar a nossa língua, quanto mais a dos outros! [risos]

E conduzes aí?
Não, aqui não conduzo. Até nisso a gente vê: andamos aqui de tuk tuk, esses tais 25 quilómetros em duas horas, e depois pagamos uns três euros. Imagina quanto seria em Portugal. E ainda podes negociar. Já pagas pouco e ainda dá para negociar. Ainda torna as coisas mais incríveis.

Emigraste pela primeira vez na época de 2008/09, para o Saint-Étienne e, desde então, estiveste em França, na Grécia e na Croácia. Jogar no estrangeiro era um objetivo?
Claro que sim. O meu objetivo sempre foi jogar fora de Portugal. Hoje já está melhor, já dão mais valor ao jogador português no nosso país, mas quando apareci não davam tanto. Tínhamos de sair para mostrar o nosso real valor.

Além do lado desportivo, tens espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Tenho, por isso é que também vim para a Índia. Quis vir conhecer. E até gostava de um dia ir para a Malásia, Japão ou China. Vou para todo o lado. Sou um aventureiro!

Já aproveitaste para ir a outras cidades nas tuas folgas?
Já estivemos em Goa. Deve ser das zonas mais bonitas da Índia. E não parece que estás na Índia, tem muitos ingleses, fazem praia durante seis ou sete meses…. Mumbai é uma cidade muito grande, mas não tem casinos, não vendem álcool em todos os sítios, aqui é tudo proibido. Goa já não é assim. É uma cultura mais ocidental.

Que diferenças existem entre a liga indiana e a nossa?
Em termos de qualidade a diferença é muito grande. Só com o passar dos anos começaram a vir para aqui alguns estrangeiros com nome e trouxeram outra qualidade ao campeonato. Nota-se que hoje os indianos já jogam melhor, pelo que tenho falado com as pessoas daqui. Só agora é que começaram a criar escolas de futebol. Esta liga foi criada pelos ricos e só tem cinco anos. A liga indiana, que é a I-League, é que é a verdadeira, a que apura as equipas para a Champions League da Ásia. Nesta a gente não joga nada disso. São dez equipas, é uma liga fechada, ninguém sobe nem desce. Tanto que o Chennaiyin FC foi campeão no ano passado e agora está em último só com nove pontos em 18 jogos. É incrível mesmo.

Depois de muitos anos no estrangeiro voltaste a Portugal na época passada. Porquê?
Voltei a Portugal porque o meu filho ia começar a escola e preferi estar à beira deles. Aqui estou sozinho e às vezes não é fácil.

Se depender apenas da tua vontade: preferes voltar a Portugal ou continuar a jogar lá fora?
Prefiro estar fora. No futebol português estamos numa fase…. O clima é de tal forma que há jogadores que preferem nem jogar contra certas equipas para não dizerem que estão comprados. Voltei por causa dos meus filhos, mas não devia ter voltado para Portugal. A mentalidade dos portugueses chegou a um ponto incrível. Se és do FC Porto, os do Benfica criticam. Se és do Benfica, os do FC Porto criticam. Só se veem confusões entre o FC Porto e o Benfica, porque nos outros clubes a gente não vê nada.

E não te identificas com este ambiente….
Joguei muitos anos fora, mas toda a gente sabe que sou brincalhão, gosto de fazer diretos…. Gosto de mostrar aquilo que sou, ao contrário de muitos. Posso fazer um direto e mostrar que estou a beber um copo porque isso é aquilo que sou. Muita gente não mostra e por trás se calhar bebem o dobro do que eu bebo! E os portugueses ligam muito a isso: “bebe muito”, “só quer festas”. Liga-se muito a isso, só que nunca vivi das aparências.

Há alguma coisa que leves na mala sempre que vens a Portugal? Alguma comida, por exemplo?
Para aqui não dá. Aqui os ingredientes não são os mesmos. Além disso, não podemos trazer carne ou assim porque são muitas horas de viagem e descongela tudo. Agora um bocadinho de presunto, chouriço ou morcela, isso passa bem! Em França, na Grécia e na Croácia, aí é que os meus pais levavam sempre coisas para fazermos pratos portugueses. A gente não pode viver sem as nossas comidas. É do que sentimos mais falta: da família e dos amigos, e da nossa comida. Aqui a gente come e fica com a língua a arder durante duas horas.

Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Quando jogava aí e o FC Porto me emprestou ao Estrela da Amadora, ao Leiria e ao Leixões, sempre acompanhei e fui sócio. Sempre gostei do trabalho do Sindicato porque ajudaram sempre. Nota-se, cada vez mais, o Sindicato a ajudar jogadores que às vezes estão em situações que não são as que desejavam, muitas vezes arranjam colocação para jogadores sem clube, ajudam com os estudos, como no meu caso, que tirei o 12.º ano com a vossa ajuda. Hoje dá-se valor ao Sindicato pelo esforço que faz pelos jogadores, é de dar os parabéns, e um jogador sente-se orgulhoso por ter um Sindicato assim em Portugal.


Perfil
Nome: Paulo Ricardo Ribeiro de Jesus Machado
Data de nascimento: 31 de março de 1986
Posição: Médio
Percurso como jogador: FC Porto (formação), FC Porto, Estrela da Amadora, União de Leiria, Leixões, Saint-Étienne (França), Toulouse (França), Olympiacos (Grécia), Dínamo Zagreb (Croácia), Desportivo das Aves e Mumbai City (Índia).