Nuno Pinto: “Na próxima época estou aí”

O infortúnio bateu-lhe à porta ao ser-lhe diagnosticado um linfoma que o impede de jogar.
Mas, como sempre acontece aos grandes campeões, o Nuno vai voltar ainda mais forte. Estamos contigo, craque!
Nasceste em Vila Nova de Gaia. Quando é que começaste a gostar de futebol?
O gosto pelo futebol nasceu logo muito cedo. Recordo-me que a minha mãe me deitava para dormir à noite, eu tirava a almofada e dormia com uma bola. Isso foi desde muito novo. Sempre tive uma paixão pelo futebol. Não tive ninguém na minha família que tenha sido profissional ou que tenha enveredado por uma carreira futebolística, mas sempre tive essa paixão desde novo.
Tens irmãos mais velhos ou primos que tenham puxado?
Tenho dois tios que jogaram futebol de salão, mas nada de especial, e tenho uma irmã mais nova que tentou dar uns toques na bola por causa do irmão, mas não seguiu.
Quando e onde é que começaste a jogar?
Comecei a jogar com um vizinho do meu pai, que me puxava para ir jogar futebol de cinco. Não era muito o que eu gostava, mas, como tinha seis anos, não dava para fazer mais nada. Nesses torneios, houve uma pessoa do Vilanovense Futebol Clube, onde me iniciei, que me disse para ir lá fazer uns treinos. Fui lá, mas não é como agora, que há o futebol de cinco, os petizes, etc.. Era futebol de 11 e em terra. E fui lá com seis anos, a fazer sete. Nem podia jogar. Estive um ano só a treinar, mas gostei e fiquei. No ano a seguir pude ser inscrito e comecei a jogar logo na equipa do escalão a seguir. E aos nove anos fui para o Boavista.
Lembras-te do teu primeiro jogo?
Pelo Vilanovense? Lembro-me. Mas era diferente do que é agora. Antigamente era quem podia mais com a bola. Neste momento jogam em sintéticos e não é com aquelas bolas que com a água ainda ficavam mais pesadas. Agora continua a ser difícil, mas é um bocadinho mais fácil.
Porquê lateral esquerdo?
Eu era médio, só que, quando fiquei no plantel principal do Boavista, lembro-me que o Mário Silva ficou duas ou três semanas parado e não havia lateral esquerdo. E o Jaime Pacheco: “miúdo, faz ali de lateral esquerdo”. E eu vou dizer o quê? Que não? Com 19 anos fui fazer de lateral esquerdo. Ele gostou dos treinos, na semana a seguir fui convocado, entrei cinco minutos e fiz uma assistência para golo. O jogo a seguir era contra o Sporting, para a Liga. Nem sabia que ia ser convocado sequer, não estava a contar, e no momento em que vejo a equipa titular está lá o meu nome. Joguei contra o Nani e estive bem. Depois no jogo a seguir foi contra o Benfica, na Luz.
E saíste-te bem?
Sim. Nunca perdi com o Boavista [10 jogos, quatro vitórias e seis empates]. Não perdi um jogo com a camisola do Boavista.
Tens algum ídolo ou referência nessa posição?
O Marcelo. É um jogador com que me identifico. É um jogador técnico, ataca melhor do que defende. No meu caso, no Vitória de Setúbal, tem de ser ao contrário: defender mais do que o que se ataca. Mas identifico-me com o Marcelo. Sou um jogador à semelhança dele.
Na transição de júnior para sénior foste emprestado pelo Boavista ao Vilanovense. Nessa altura chegaste a temer pelo teu futuro como jogador profissional de futebol ou, por outro lado, foi uma fase importante para o teu crescimento?
Acho que foi uma fase importantíssima e se me perguntassem, já na altura, se queria ser emprestado eu ia dizer que sim. Não acredito que haja um jogador que queira ficar um ano inteiro num plantel sem poder jogar e saber com o que podia contar. E já sabia que isso ia acontecer comigo, como acontece com quase todas as pessoas. Sempre disse que queria ser emprestado e tive vários clubes para onde ir, porque o campeonato nacional de juniores é muito conhecido, toda a gente vê, e quando se assina contrato profissional esses jogadores são os mais apetecíveis. Tive muitos clubes para onde ir e na altura pensei em ir para fora, não ter os meus pais, fazer o que me apetecer, só que depois cheguei a casa e pensei: “e se as coisas correm mal? É melhor ir para o Vilanovense. Fico perto de casa e, se as coisas correrem mal tenho sempre apoio”. E optei por ir para ali, para uma divisão inferior. Em dezembro, os responsáveis do Boavista começaram a telefonar-me, a dizer para continuar assim, e que, em princípio, no ano a seguir, ia fazer parte do plantel. E ainda me deu mais alento para trabalhar. Se calhar, para alguns, era: “Já vou fazer parte, deixa lá”. A mim deu-me mais alento. Sou ambicioso. Deu-me alento para trabalhar, trabalhei, acabei com nove golos e não sei quantas assistências, o que eu contabilizava eram mesmo os golos, e fiquei no plantel principal com o Jesualdo Ferreira.
Em 2008 conquistaste o título de campeão da Segunda Liga pelo Trofense numa fase em que o clube tinha um projeto sólido….
Tinha, é verdade. Fui à Segunda Liga lá, subi para a Primeira, só que depois, situações burocráticas com o Boavista…. Tinha mais um ano de contrato, o Boavista ia descer e não me revia ali. Infelizmente. O clube do meu coração é o Vilanovense, mas o Boavista é o clube onde fiz a minha formação toda. Vai estar ligado a mim para sempre. Passe por onde passar, o Boavista é sempre o Boavista para mim. Mas, naquele momento, tinha de olhar mais para mim. Sabendo que o Boavista ia descer, sabendo que não era uma boa opção para mim, que estava a começar a crescer, sabia que tinha de fazer alguma coisa. Se calhar não saí da melhor maneira, mas saí da maneira que foi possível. Saí e fui para o Nacional.
Ainda em relação ao Trofense: como viste a queda de um clube que esteve envolvido em alguns problemas financeiros e jurídicos nos últimos anos?
O Trofense era um clube que, em termos de salários, chegava àquele dia e não falhava. Houve uma altura em que falhou. Uma. E o presidente foi ao nosso balneário pedir desculpa porque, como qualquer outro trabalhador, tínhamos direito ao salário. Ele explicou, nem tinha de explicar, mas explicou que foi um erro do banco e que naquele dia o dinheiro já estava disponível. Eu nem fui ver. Mas era aquele tipo de clube que se tivesses uma prestação ao dia 30 e eles pagassem ao dia 29 não havia problema nenhum. Quando vi a situação do Trofense fiquei com um bocado de pena. O mais importante, na minha opinião, quando se sobe da Segunda Liga para a Primeira Liga, é conseguir manter nos dois primeiros anos. Se não se conseguir é muito difícil. Volta-se a descer, os orçamentos são totalmente diferentes, não é como em Inglaterra, que tem sempre uma compensação, e vai-se por ali abaixo. Foi o que aconteceu, infelizmente, porque é um clube que admirei e gostei muito de jogar lá. E fiz história.
Como dizias, depois foste para o Nacional onde alcançaram um histórico 4.º lugar. Foi a melhor fase da tua carreira?
Em termos de história, acho que foi. Estive lá quatro anos, fomos três vezes à Liga Europa, fomos uma vez à fase de grupos da Liga Europa e eliminámos o Zenit. Em termos de história acho que sim, mas em termos de felicidade não.
Como foi viver na Madeira?
Ao início é muito engraçado porque é uma ilha, não se conhece nada, estamos ali para a descoberta, só que depois começa a ser um bocado pequeno. Para quem vive no continente, em três horas está em Lisboa, em cinco horas está no Algarve, numa hora e meia está em Espanha…. Ali já se conhece tudo. Mas o pior era, de quinze em quinze dias, andar de avião.
Tinhas medo?
Ganhei medo lá.
Antes não tinhas?
Antes fazia bem, não havia problema, mas eram muitas viagens.
Também era por a pista da Madeira ser daquela forma?
Também. E no inverno ainda pior. Depois no Natal vinha ao continente com a família. Uma coisa é viajar em grupo, mas com a família é totalmente diferente. E ganhei medo. Fiquei um bocado saturado.
A família acompanhou-te nessa fase da tua carreira?
Sim, esteve sempre comigo. Só não foi comigo para a Ucrânia.
Na época 2009/10 estreaste-te nas competições europeias, mais concretamente na Liga Europa. Foi o realizar de um sonho?
Um dos. O outro não foi realizado e se calhar não vai ser.
Que era?
A Liga dos Campeões. Se calhar não vai ser, tenho pena. O futebol é um sonho, toda a gente sonha, depois chega ali a uma certa idade em que já não vale a pena sonhar mais porque não é possível. Tive azar também, podia ter acontecido, mas não aconteceu. Umas vezes temos sorte, noutras temos azar. Tive a sorte de ir à Liga Europa, de fazer alguma história no futebol nacional, e tive azar em não fazer outras coisas que sonhava, como a Seleção Nacional.
Em 2012 tiveste a primeira experiência no estrangeiro, no Levski de Sófia, da Bulgária. Deixar o país foi uma decisão acertada?
Vou ser um bocado contraditório, mas vou dizer que o Levski foi o clube que mais prazer me deu jogar, mas foi a pior decisão que podia ter tomado.
Como assim?
Com 23 anos, saí de um campeonato apetecível para qualquer pessoa, para qualquer empresário, e ir para a zona de leste acho que não foi a melhor opção. Mas foi o clube que mais prazer me deu jogar porque é um clube grande. É um clube aqui ao nível do Porto, Benfica e Sporting, e o Braga, neste momento. Era o andar na rua e as pessoas abordarem-me, era um clube grande mesmo! Não falta nada, tudo do bom e do melhor, para mim, para a minha família, para tudo.
Mas faltava essa visibilidade por ser uma liga menos atrativa?
Exatamente. Que se pudesse dizer “saem jogadores daqui para ali”. Dali é Chipre, do Chipre pode-se eventualmente ir para a Ucrânia, que foi o que aconteceu comigo, ou Rússia. Mas difícil, muito difícil.
Como foi a adaptação a um país diferente e a uma nova realidade?
Já tinhas estado na Madeira, é verdade, ou seja, já tinhas saído da tua zona de conforto. Mas é diferente. Acho que me adaptei muito bem. Deram-me um tradutor. A letra deles é russa, não é fácil, mas ao final de um mês ali, com a minha mulher e com a minha filha, tranquilo. Fazíamos o que queríamos. No táxi, mostrávamos imagens e dizíamos: “olhe, quero ir para ali”. E ele levava. A cidade é assim um bocadinho mais para o velha, mas é bonita.
E falavam inglês?
Alguns. Nas lojas, nos centros comerciais, eles falavam, agora na rua não. Taxistas a falar inglês não há hipótese. Lá a rivalidade é entre o Levski de Sófia e o CSKA de Sófia. Uma vez entrei num táxi, para ir já não sei onde, com a minha mulher e com a minha filha, o taxista olhou para mim. Eles não me chamavam Nuno, chamavam-me Pinto. “Pinto?”. E eu: “Da”, que é sim. “Tu és do Levski?”. E eu: “Sou”. “Fora”. Não me levou. A sério, não me levou. Mandou-me para fora do táxi! E eu abri-lhe as portas todas, até a mala abri. E a nevar. O gajo saiu e teve de fechar as portas. São histórias que vão passar 30 anos e eu vou-me lembrar. Gostei muito e tenho saudades. Ainda agora me mandaram mensagens, o diretor desportivo e o boss. Não é o que manda mesmo, foi o gajo abaixo. Mandou-me mensagem a desejar as melhoras e que ia correr tudo bem. Isso é bom sinal. É sinal de que deixei lá uma marca. Não foi só o clube que me marcou a mim, eu também consegui marcar o clube.
Seguiram-se passagens pelo futebol ucraniano e romeno. Sentiste algumas diferenças comparativamente à Bulgária?
Não, é tudo parecido. Ali o que difere entre o futebol de lá para cá é que é muito combativo. Aqui é mais técnico, ali é chuto para a frente. Só bater. É por isso que um jogador técnico sai aqui de Portugal chega lá e é adorado, porque não estão habituados.
É “fácil” ter destaque por causa da técnica?
É fácil. Na Roménia há muitos jogadores técnicos, são é preguiçosos. Tanto que se fores às melhores equipas e tirares os três melhores jogadores dessas equipas, podes metê-los em qualquer equipa daqui que não jogam. Não têm sistema tático, fazem o que querem e depois é preciso "andar". Mas se fores aos nossos escalões secundários e pegares num miúdo qualquer que "ande", metê-lo na Primeira Liga a jogar ao nosso nível e ele também joga.
Qual foi o país estrangeiro onde mais gostaste de jogar? Foi na Bulgária?
Foi, sem dúvida. Estava na capital. Aliás, só na Ucrânia é que não estive na capital, mas mais valia ter estado.
Adaptaste-te bem a essas culturas?
Sim. Sou um gajo do mundo. Viajado.
E ganhaste algum hábito das mesmas? De comida, por exemplo?
Não. Isso era enquanto estava lá. Vim-me embora e os meus hábitos são os daqui: francesinha. [risos] Agora não posso.
Regressas a Portugal em 2015, pela porta do Vitória de Setúbal. É a tua segunda casa?
É a segunda casa. Não sou aqui de baixo, mas é um clube do qual aprendi a gostar muito. O clube é fantástico, os sócios são fantásticos. São sócios como eu gosto, sócios que exigem. Eu estava no Nacional da Madeira, ganhando ou perdendo, ir à Liga Europa ou não ir, a pressão era quase sempre a mesma. Aqui não. Aqui há pressão. E isso, para mim, que sou um jogador ambicioso, faz-me trabalhar mais. Faz-me dizer assim: “Pá, não posso facilitar porque depois chego ali e como é que é?”.
Como és competitivo, sentes que é um clube à tua medida?
Gosto de sócios assim. Posso dizer que sou apaixonado pelo clube, gosto muito do clube. Sei que está a passar por algumas dificuldades, mas todos os clubes passam e isto é uma má fase. Como a minha.
Tens 32 anos e contrato com o Vitória até 2020. Acreditas que ainda te vamos voltar a ver com a camisola sadina?
Isso é de certeza! Na próxima época estou aí. Vou fazer os tratamentos que tenho de fazer, normal, com calma, focar-me mais nos tratamentos do que noutras coisas, e em junho, em princípio, se tudo correr bem, acabam os tratamentos, estou limpo, faço uma boa pré-época e estou aí outra vez.
E vamos ter o Nuno Pinto de volta.
Ah, com certeza!
Como é que reagiste às mensagens de apoio que recebeste nos estádios da Primeira Liga, por parte dos adeptos? Estavas à espera de uma onda de solidariedade tão grande?
Não, muito sinceramente. Até comentei com a minha mulher. Sabia que ia ter uma onda de solidariedade, mas não contava que fosse assim tão grande. Desde já quero agradecer a todas as instituições, a todos os treinadores, a todos os que me apoiaram e que me deram muita força, não só em Portugal, mas também lá fora, aos jogadores portugueses a jogar lá fora, treinadores nas conferências de imprensa, nas flash-interviews, ao presidente da Federação, ao Dr. Evangelista, que foi logo uma das primeiras pessoas a abordar-me, mas a quem já tinha falado antes de tornar público. Acho que o Sindicato dos Jogadores, e principalmente o Dr. Evangelista, pelo trabalho que tem feito por nós, não merecia saber da mesma maneira que os outros. Tive o cuidado de, antes de tornar público, mal soube da minha situação, ligar-lhe e pô-lo ao corrente para ele não ser apanhado de surpresa. Pelo que tem feito por nós acho que merecia saber pela minha boca. Não queria que tivesse sido ao telefone, preferia que tivesse sido pessoalmente, mas não foi possível. E jogadores de todo o lado, da liga portuguesa, a ligarem-me, a mandarem mensagens, no Instagram, Facebook, Twitter, queria agradecer a todos. É impossível agradecer individualmente e desde já peço desculpa. E é bom sinal, porque foram muitas. Foram muitas, muitas. Camisolas…. Muitas coisas. E desde já agradeço a todos.
Das muitas mensagens que recebeste, de quem foi a mais inesperada?
Houve uma, mas não posso dizer quem é. Não estava mesmo à espera e surgiu no dia antes de fazer o primeiro tratamento. Nunca chorei, emocionei-me na conferência de imprensa, e já disse isto a muita gente: o que me incomoda não é a doença que tenho. O que me incomoda é saber que não posso treinar e não posso jogar. Isso é o que me incomoda e foi o que o doutor do clube disse, que nos próximos meses não podia dar o meu contributo à equipa. E isso emocionou-me ali, naquele momento. Um momento frágil, estava ali a minha família, muitos sócios, muita gente, e fiquei ali um bocado emocionado. Se calhar foi a única vez que me viram emocionado. Sou um rapaz alegre, extrovertido, gosto de brincar, estou sempre positivo. E quando recebi aquela mensagem não estava à espera, sinceramente, e caiu-me ali uma lágrima ou outra.
É nestas alturas que se consegue mostrar aos adeptos que os jogadores são solidários e que no futebol também se fazem amigos? Que não é um mundo assim tão frio como às vezes se pensa?
O futebol vai ser sempre um mundo frio. Vai ser sempre. Porque é um mundo competitivo. Vamos dizer assim: “vamos ser todos amigos”. Impossível. Estou a jogar contra ti. Achas que dentro de campo vou ser teu amigo? Ou porque és meu amigo vou deixar-te passar? Vai ser sempre competitivo. No fim é outra história e aí é que chega a personalidade das pessoas. Eu perdi e tu ganhaste. Foste melhor, parabéns. Mas está tudo passado. Acho que foi isto que se demonstrou. Somos todos rivais. Os únicos “amigos” que eu tinha eram os meus colegas ali, agora o resto é tudo rival. E demonstrou-se uma onda de solidariedade muito grande, muito mais do que estava à espera, e que me deixou muito feliz. Muito feliz mesmo. Guardo os vídeos, guardo as imagens, guardo tudo, porque sei que durante estes seis meses de tratamento vai haver altos e vai haver baixos. Vai haver dias em que estou mais em baixo e é nesses dias que vou pegar nos vídeos e os vou ver e dizer: “não posso desiludir estas pessoas”.
E buscar ali forças também, não é?
Ir buscar força aos meus filhos, à minha mulher, aos meus pais…. Sei que não vou precisar de tanto. Sou um gajo forte, sou uma pessoa positiva, e acho que não vai ser preciso. Mas, se for, ninguém é de ferro. Tenho de ir e vou.
O apoio da família e dos amigos tem sido fundamental?
Muito importante. Cinco estrelas. Não tenho nada a dizer. Desde que soube até ao dia de hoje, em termos de amigos, tanto de Setúbal como de Gaia, a minha família, os meus colegas dentro do balneário…. Top.
Logo na conferência se viu essa união com os teus colegas.
Sim. Só isso é logo meio caminho andado.
Sem o futebol, como é que têm sido os teus dias?
Neste momento têm sido IPO/casa, saber a extensão da lesão e, felizmente, foi uma coisa apanhada mesmo, mesmo, mesmo no início, logo os tratamentos não vão ser tão exaustivos. Agora que iniciei os tratamentos já falei com o Dr. Ricardo, o doutor do clube, já falei com a Dra. Maria, do IPO, e com outra doutora de lá, que nada tem a ver com a área de linfomas, a Dra. Filipa. Nós os quatro falamos diariamente e agora vou fazer um plano de treinos, de ginásio, de alimentação para conseguir aguentar bem os tratamentos. Sei que, depois de cada tratamento, não posso fazer nada nas 48 horas seguintes, porque o líquido anda a percorrer tudo, e depois começo. Tenho 12 dias para treinar, depois para. Quando tudo acabar não estou tão frágil como se estivesse seis meses parado. Não estou tão bem, mas estou mais ativo.
Nota-se, pelo que dizes e até pela tua forma de jogar, que és aguerrido e tens força, mas estás a ter acompanhamento psicológico?
Não, para já ainda não, mas meteram-me um psicólogo ao dispor. Aliás, vou ser sincero: quem deu o número lá no IPO, para receber as consultas e essas coisas, foi a minha esposa e acho que ela hoje recebeu uma mensagem de um psicólogo. Mas vou, não tenho qualquer problema em ir a um psicólogo. Tudo o que seja para ajudar eu aceito.
Com isto tudo, o que é que o futebol te ensinou?
Ensinou-me que tem coisas más, como essa rivalidade entre adeptos, principalmente. Porque os jogadores têm rivalidades, mas no final do jogo tudo muda. A rivalidade entre os adeptos acho que é desnecessária. Já tinha dito isto antes: a doença é a única coisa que a gente não controla. E quando aparece uma situação dessas, as pessoas conseguem solidarizar-se todas e meter adeptos com adeptos. Por que é que não são assim durante o dia a dia? Por que é que não são assim durante os jogos? É preciso acontecer uma coisa má para as pessoas se unirem. É esse apelo que faço: não vale a pena chatearem-se. Já pensava assim antes de ter, não é por ter que passei a ter um discurso diferente. Mas depois também tem uma coisa bonita, com os cânticos, encherem os estádios. É um pau de dois bicos, como diz o outro.
Foste colega de equipa de Pelé, João Lucas, Igor Pita, Felipe Lopes, jogadores que viram a carreira interrompida precocemente devido a problemas de saúde. Quando vias estas situações acontecerem, o que te passava pela cabeça? Percebias que a carreira pode ser muito imprevisível?
Quando me diagnosticaram isto nunca me deram 100% de certeza de que pudesse voltar a jogar. Interromper é uma maneira de dizer. Vamos ver a extensão da lesão, depois é que me podem dar mais alguns pormenores. Na minha situação, e na situação deles, por que é que se opta? Opta-se por tratar para jogar ou tratar e conseguir viver? Tenho três filhos, tenho uma mulher, tenho amigos, gosto de viver. Neste momento, o meu foco é tratar-me e ficar sem nada. Se depois me disserem que posso jogar, eu jogo. Se me disserem que é arriscado jogar, não jogo. Tenho três ou quatro amigos que foram operados aos joelhos e disseram-lhes que se quisessem voltar a andar tinham de parar o futebol. Ou então continuam e depois têm de meter próteses. Depois são opções que se tomam.
Também por isso, por o futebol ser tão imprevisível no sentido de nem todos os jogadores terem a felicidade de acabar a carreira com 40 anos ou uma coisa parecida, achas que é importante ter estudos?
Acho, claro. Neste momento, para os meninos que estão a aparecer agora, e são muitos, felizmente para o futebol português, eles têm a vida muito mais facilitada do que nós tivemos. Como é que nós íamos estudar? Eu chegava a casa às 23h, depois no outro dia levantava-me às 7h para ir para a escola. Não tinha tempo para estudar. Depois ao fim-de-semana era jogo e ao sábado ou ao domingo era para descansar. Estudava ali um bocadinho, mas…. Agora, com o Sindicato dos Jogadores, com os protocolos que fazem com faculdades, é muito mais fácil. Mesmo para nós agora, os mais velhos. É muito mais fácil, mas é preciso ter um bocado de espírito de sacrifício. Estou a tirar o curso de treinador, o I nível, e é preciso ter espírito de sacrifício. Estou a tirar o curso com o José Semedo e, nas últimas vezes que treinei, estávamos a treinar em Tróia. Tínhamos de falar com o treinador e com o Sandro, o diretor desportivo, para virmos no barco mais cedo para conseguirmos ir lá. Se fossemos baldas…. É preciso sacrifício para tudo. Um conselho para os meninos e para os pais, que dão tudo aos filhos, chuteiras de 300 euros, casacos…. Não façam isso porque depois os meninos saem da zona de conforto, onde não têm aquilo que querem, e vai ser muito mais difícil. Por isso é que antigamente era mais difícil, mas os que chegavam, chegavam para partir porque não tinham nada! Achas que os pais tinham condições para me dar umas chuteiras? Alguma vez…. Ia à feira de Espinho e davam-me aquelas chuteiras com cinco riscos que pareciam da Adidas. Tinha de tirar dois. [risos]
Qual foi o melhor jogador com quem jogaste?
O meu ídolo de infância: João Vieira Pinto.
E o adversário mais difícil de marcar?
O Gelson. Um gajo quando pensa que vai no pé, ele põe na profundidade, quando é na profundidade ele põe no pé, vira-se e já fui. Tem de se estar ali muito concentrado e não chega.
E o melhor treinador que tiveste?
José Couceiro. Sem dúvida. Em termos humanos, em tudo. Já tinha sido meu treinador nos sub-20, na Seleção. Mas de longe! Tive outro treinador de que gostei muito, mas estive pouco tempo com ele: o Ivo Vieira. Gostei muito mesmo, mas estive pouco tempo.
Com José Couceiro foi recente, numa fase adiantada da tua carreira, mas sentes que evoluíste?
Muito! Até vou dizer mais: foi com quem mais evoluí. Ele explica e quer que o jogador perceba por que é que o está a fazer. Mas o Ivo Vieira também foi uma pessoa que me encheu as medidas, por isso não me surpreende nada o trabalho que está a fazer no Moreirense. Só me surpreende em ser tarde, pensei que ia conseguir isto mais cedo. Mas não conseguiu, infelizmente. Mas vai conseguir.
Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores?
É fantástico! Cada ano que passa é fantástico. Tornei-me sócio do Sindicato dos Jogadores no Boavista e ali toda a gente era sócio e explicavam-me o que podia ter de bom. Neste momento, o que fazem é simplesmente ajudar o jogador. Se o jogador um dia cair, não cai e bate no fundo. Cai e tem sempre ali um suporte, que é o Sindicato dos Jogadores. O que fizeram agora para os jogadores que terminam a carreira, escolas, faculdades, protocolos com A, com B e com C, tudo em benefício do jogador. O que é que posso dizer? É um trabalho fantástico. Espero que continuem e que daqui a uns anos com certeza vão ser muito melhores e vão dar muito mais ajudas do que dão agora. E bem. Não é que fique ciumento, apareci foi cedo demais. [risos]