“Cheguei aqui com este pensamento: ou assino ou morro!”


A cumprir a sétima época em Portugal, o guarda-redes do Arouca está grato ao país que o acolheu.

Conseguiu, à custa de muito trabalho, passar de estar a treinar à experiência no Santa Clara, então na Segunda Liga, a assinar pelo FC Porto, no espaço de dez meses.

Hoje, continua assim, tanto que ainda nem foi à Sérvia conhecer o filho que nasceu em janeiro porque tem o trabalho como prioridade. E isso, muitas vezes, dá frutos.

Chegaste a Portugal em 2011 para representar o Santa Clara. Como surgiu essa possibilidade?
Antes de vir para Portugal jogava na Primeira Liga da Macedónia, no Rabotnicki, e fomos segundos classificados. Tinha um colega de equipa que tinha um primo que vivia na Austrália e era empresário, procurava talentos. Pedi-lhe para lhe enviar uns vídeos meus e gravei vários num disco para ele tentar arranjar alguma coisa. Terminava contrato, joguei bem e tinha esperança, e uma grande vontade, de ser profissional a sério. Já era, mas, naquele tempo, as condições para os jogadores não eram as melhores nos países da antiga Jugoslávia.
Depois ele disse-me que existia a possibilidade de ir para Portugal, para o Santa Clara. Pedi-lhe para me enviar uma cópia do contrato por e-mail e que me enviassem um bilhete, que eu ia. Passados alguns dias recebi tudo, como combinado, e aceitei. Lembro-me de ter dito à minha mãe: “Mãe, eu vou, mas só volto daqui a dez anos”. Disse isto no sentido de que queria vir e fazer o meu caminho, uma vida profissional como deve ser. Nem sabia que os Açores faziam parte de Portugal. Pensava que Portugal era só continental, sem ilhas. No Leste, na escola, sabemos os nomes dos países, mas não estudamos as ilhas. E nunca tinha estado numa ilha na vida!

Como é que foram os primeiros tempos nos Açores?
Começámos a pré-temporada e, para me convencerem, tinham-me dito que assinava contrato quando chegasse. E acreditei, porque queria muito ir, mas fui à experiência. Na altura o treinador era o Bruno Moura, filho do Rodolfo Moura, o fisioterapeuta, o Pedro Lascarim era o treinador de guarda-redes e o Ricardo Chéu era o treinador adjunto. Ficámos uma semana nos Açores, depois fomos para Quiaios, perto da Figueira da Foz, para mais uns dez dias no centro de estágios. Estava lá um sérvio que era o Milan Ilic. Todos os dias acordava e perguntava-lhe: “será que vai ser hoje que assinamos?”. Era muita pressão. Mas isso obrigava-me a estar concentrado. Estava focado e fui sempre muito exigente comigo. Na dúvida, entre ficar ou não, tudo o que nos pediam para fazer eu tentava fazer a mais, sempre a puxar ao máximo. Cheguei aqui com este pensamento: ou assino ou morro!
Fizemos vários jogos, voltámos para os Açores e fizemos os últimos três jogos da pré-época, e tinha noção de que estava a correr tudo bem, só que o contrato nunca mais chegava. Comecei a pensar que aquilo não ia dar nada, mas o treinador já tinha decidido que eu ia ficar passado uma semana. Também estava lá o Djaniny, que hoje joga num clube grande da Arábia, o Platiny, o Minhoca, estávamos todos incertos, sem saber se assinávamos contrato. O Djaniny não ficou e olha a carreira que fez…. No final, eu e os outros assinámos e comecei o campeonato a titular.

Jogar numa equipa da II Liga portuguesa foi logo atrativo?
Não tinha nenhuma meta em termos de clube. O meu pensamento em cada dia e em cada jogo, ainda hoje, era o de querer ser sempre o melhor de todos no treino e nos jogos. Penso sempre assim. Por isso treino muito, também fora do campo. Acredito muito no sacrifício, no sentido da alimentação, do descanso, de tudo.
Tenho três filhos e o mais novo nasceu no dia 28 de janeiro. Cheguei aqui no dia 12 de dezembro e ainda não fui à Sérvia. Nem no Natal, nem no ano novo. Não fui conhecer o meu filho nem visitar a minha família depois do parto da minha esposa. Porquê? Porque o Arouca está num momento difícil, jogo sempre, sou um dos mais velhos e sinto a responsabilidade de estar aqui focado e dedicado. É sempre difícil separar as emoções do lado profissional, mas sou assim. Tivemos aqueles três dias do Natal, mas não me sentia ainda bem em forma. Foram todos para algum lado e fiquei aqui a treinar. No ano novo e agora nesta pausa para as seleções igual. E para a nossa cultura é uma vergonha ainda não ter ido ver o meu filho. Mas tudo isto em função do futebol. Decidi ficar aqui enquanto não assegurarmos a permanência porque sinto que é essa a minha obrigação, de fazer bem o meu trabalho.
Os jogadores têm de provar sempre. E quanto mais experiente ficas, mais consciência das coisas tens: do dinheiro que recebes, do teu papel no clube, fora do clube, queres ser um bom exemplo. E essa pressão que tens dentro de ti obriga-te a trabalhar mais e a exigir mais de ti. Não sei como os colegas ou os treinadores olham para mim, mas acho que é a minha obrigação e que é bom para o grupo. E outra coisa: quando vais para o estrangeiro, quando vais para a casa dos outros, com outra cultura, ainda mais. Vais confiar mais num português do que num sérvio, e eu, sabendo isso, tenho de lutar contra tudo o que não está a meu favor. Quando és estrangeiro só tens apoio quando conquistas o grupo e a equipa técnica e no início é muito complicado.

Antes de vires para Portugal, o que é sabias sobre o futebol português?
Sabia que existiam o FC Porto, o Sporting e o Benfica, que se jogava muito mais rápido e que existiam grandes alas. E sabia do Drulovic, que tinha jogado no Gil Vicente, FC Porto e Benfica. Mais nada.
Antes de vir para o Santa Clara jogava na Seleção de Sub-21 e fui fazer um amigável à Figueira da Foz. Na seleção portuguesa estavam jogadores como Hugo Almeida, Miguel Veloso e João Moutinho, e houve uma coisa que me ficou marcada: logo de manhã, às 7h30 ou 8h, havia muita gente a jogar futevólei na praia. E pensei que assim seria normal terem grandes jogadores. Aqui é só futebol e futsal. É mesmo o país do futebol, 24 horas na televisão, só se vive futebol.
Depois conhecia jogadores da Seleção, como o Pauleta, Figo, Quaresma…. O Cristiano Ronaldo ainda não tinha aparecido. A primeira vez que ouvi falar dele foi num jogo entre o Partizan e o Sporting. Ele era muito jovem, mas rebentou connosco. Só passado algum tempo é que foi para o Manchester United e olha o que ele fez.

Adaptaste-te bem ao nosso futebol?
Sim. Agora completamente. Cada época traz coisas novas, mas já conheço a cultura, a forma de trabalhar, a exigência dos treinadores que passaram por mim, já me adaptei. As minhas duas filhas nasceram cá, a Anastacia, que tem quatro anos, e a Valentina, que tem dois. Uma nasceu em Vila Real e a outra em Guimarães. Quando terminou o meu contrato com o Moreirense e surgiu a oportunidade de ir para o Córdoba, era uma nova aventura, mas a minha mulher chorou muito. Ficámos muito ligados pela parte emocional. Elas nasceram cá, foram para a creche, tinham a professora Maria, com quem tínhamos uma relação muito boa, e foi difícil.
Em todo o lado sentes um pouco de arrogância, mas em Espanha sentes muito mais. Há muito racismo, pensam muito em “nós, nós, nós”, “aqui é que se joga melhor”, e sentia muito a falta de Portugal. A comida aqui é top, muito boa e saborosa. Lá é só tapas, não gostei nada. Lá o futebol tem outro nível, têm mais poder financeiro. No Córdoba, estávamos a lutar para não descer e o estádio tinha sempre 20/25 mil pessoas. E isto na Segunda Liga! Aqui só tens estádios cheios com os três grandes e, às vezes, com o SC Braga e o Vitória de Guimarães. De resto tens mil pessoas, duas mil pessoas, não é nada. Mas, mesmo assim, aqui vive-se o futebol.

Adaptaste-te bem à língua?
Pouca gente falava inglês e eu não entendia nada de português. As nossas letras são mais parecidas com o russo e o ucraniano, com os países de Leste. As línguas latinas não têm nada a ver com a nossa, foi muito complicado. Imagina o que é estares num sítio onde não percebes nada.

Quando visitas a Sérvia, o que é que fazes questão de trazer sempre na mala?
Normalmente, quando vou à Sérvia levo bacalhau, que vem da Noruega, mas aqui é que se faz, aprendi aqui. E azeite, queijo, porque lá come-se mais queijo fresco, levo essas coisas que posso levar no aeroporto e que não se estragam rápido. Gostava de levar fruta, que lá não tem a mesma qualidade.

E de lá para cá?
Não trago nada porque, quando o faço, não consigo dividir por vários dias, como logo tudo e fico mal em termos físicos. Tenho muito cuidado com o peso. Aqui temos o presunto, mas lá há outra parte do porco, que se corta e fica algum tempo a secar, mas não trago porque é muito saborosa e não consigo parar de comer enquanto não desaparece do prato! [risos]
Não bebo álcool, mas temos uma água ardente tradicional que já trouxe para várias pessoas daqui provarem. É feita com ameixas, maçãs, marmelos…. Quando vais a alguma casa na Sérvia há o ritual de te oferecerem essa água ardente, cortam sempre queijo e uns pedaços dessa carne. Sempre. Conheci um português em Guimarães, que namora com uma sérvia e já foi lá. Contou-me que foi muito bem recebido na Sérvia. Logo no primeiro dia não o deixaram ficar num hotel, ficou numa casa. Deram-lhe de comer, de beber, levaram-no para todo o lado, como se o conhecessem há cem anos! Isso é verdade. O problema é que, na Sérvia, recebemos muito bem os que vêm de fora, mas acho que falta um pouco desse carinho entre nós.

E achas que os portugueses também são um povo hospitaleiro?
Sim. Fui muito bem recebido, sempre. No início havia sempre brincadeiras por não falar bem. Tinha o cabelo comprido e o míster disse-me: “Igor, por favor, não vás assim para o campo! O meu guarda-redes não pode ter esse cabelo, tem de ter mais estilo”. Aqui cuida-se muito do estilo. No meu país pensamos “estou aqui para trabalhar, penso no estilo quando acabar isto”. Mas, como é futebol, um trabalho público, realmente temos de cuidar da imagem. Essas coisas aprendi aqui. Aprendi muito a nível profissional, evoluí, aqui o futebol é muito mais protegido, legal, estás bem protegido pelo contrato, a parte médica também, o trabalho antes e após o treino…. Aqui tens muito mais soluções.

Continuas a passar férias na Sérvia?
Normalmente, ao longo da temporada, faço o papel de um marido e de um pai normal: levo os filhos para a creche, vou às compras, fico mais por casa. Mas o trabalho sempre em número um, porque o trabalho é que nos alimenta. Mas quando termina a temporada, ou quando temos uns dias de folga na altura das seleções, por exemplo, aí vamos sempre a Braga, a Lisboa, ao Porto, a Trás-os-Montes, aproveito sempre para passear com a família porque há muitas coisas bonitas para ver. A única parte onde fui poucas vezes foi ao Algarve porque fica muito longe. Joguei sempre no Norte e não dá muito tempo. Mas este ano, especialmente, quando terminar a época, quero que a família venha para ficarmos sozinho e irmos a algum lado, seja onde for. Gosto muito de Portugal. Vocês têm cidades e praias que são top. Este país tem tudo! Tem praias, um pouco de montanhas, clima mediterrânico, tem muita coisa boa. Às vezes as pessoas não valorizam porque não conhecem outros sítios.
Estou muito grato a Portugal. Nunca cuspo no prato onde como. Este país é que me deu trabalho e a possibilidade para me destacar. E as minhas filhas nasceram cá, vou ser sempre grato. É uma pena que a lei tenha mudado e não possa tirar o passaporte para elas, mas ainda vou ter de me informar. Na altura em que saí para Espanha, faltavam-me seis ou sete meses para ter o vosso passaporte em definitivo, que sempre foi a minha vontade desde que cheguei. Tens muitos mais benefícios com um passaporte dos países que estão na União Europeia.
No início, enquanto não sabia as regras do campeonato em relação aos jogadores estrangeiros, tinha sempre medo de não continuar cá. Isso obrigava-me, talvez nem acredites, mas trabalhava mesmo muito. Uma vez, ainda no Santa Clara, o míster Bruno Moura perguntou-me: “mas por que é que trabalhas a toda a hora? Por que é que não descansas um pouco?” Respondi: “não quero voltar para casa. Quero continuar em Portugal”. Nessa mesma época fui o segundo melhor guarda-redes, atrás do Vagner, que subiu com o Estoril, do Marco Silva. No final da época recebi cinco propostas: SC Braga, FC Porto, Gil Vicente, Académica e Vitória de Setúbal. Fiquei mais sete dias nos Açores e depois fiquei dez dias no Porto, num hotel, para resolver o meu futuro. Não acreditava que o FC Porto me queria contratar. Dez meses antes estava a treinar à experiência no Santa Clara! E fiquei ali dez dias no hotel sem falar com ninguém porque tive medo que o contrato não fosse para a frente. Não imaginava que aqui fosse possível chegar tão rápido a um clube de renome. Tudo o que vivi bom no futebol vivi aqui. É muito simples.

Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o sérvio?
Aqui joga-se muito mais rápido, com muito mais qualidade, com muito mais agressividade, com mais intensidade também. Os árbitros são melhores, aqui há mais poder financeiro….
Aqui qualquer clube do Campeonato de Portugal tem campo de jogo e campo de treino, tem as condições que qualquer clube profissional ou semi-profissional deveria ter. Em Portugal, a esse nível, o futebol é muito bem organizado.

Se pudesses escolher, qual era a liga onde gostarias de jogar?
Sinceramente, gostava de jogar aqui na Primeira Liga. Já lá joguei e é totalmente diferente da Segunda Liga. Antigamente o meu ídolo era o Gianluigi Buffon. Sempre foi. O meu filho até nasceu no mesmo dia que ele, dia 28 de janeiro. Por isso, se pudesse escolher, gostava de jogar na Juventus. E também gostava de jogar na Alemanha, que tem clubes históricos e os estádios estão sempre cheios. Adoro o estádio do Borussia de Dortmund!

A Premier League não te seduzia?
Sinceramente, não sei. Old Trafford, por exemplo, é uma coisa fascinante. Aí gostaria de jogar. A liga é muito competitiva, mas nunca fui muito fã de Inglaterra. Há muita porrada e o futebol tem pouca qualidade. Melhorou nos últimos anos com a chegada do Guardiola, até já antes com o Mourinho, mas lembro-me que antigamente, quando era jovem, ainda no tempo do Alex Ferguson, não gostava muito. Agora aquelas bancadas cheias, o barulho, a forma como eles torcem pelos clubes até nos escalões mais baixos, isso sim, motiva-te.
Mas, depois deste tempo todo aqui, gostava de voltar à Primeira Liga portuguesa. Nunca me estreei pelo FC Porto, mas fui lá ver mil jogos, joguei contra todos os grandes, e aquele espírito que há nas bancadas é incrível. É uma pena que os estádios não estejam sempre cheios. Ajuda a equipa da casa e consegue-se desequilibrar a equipa de fora. A jogar contra Benfica, FC Porto e Sporting, principalmente, sentes-te um jogador privilegiado. Umas vezes ganhas, muitas vezes perdes, mas é uma ótima sensação.
Seria muito má pessoa se não dissesse que queria jogar aqui. Se não, por que estaria aqui? Já te disse, mas repito: sou muito grato por tudo o que consegui aqui.

Cumpres a sétima época no futebol português. Qual foi a mais marcante?
A que me marcou muito foi a primeira época no Santa Clara, porque ajudou-me a limpar o caminho para andar para a frente. A experiência no FC Porto foi boa, apesar de não me ter estreado, e posso dizer a que fiz no Moreirense. Fiz uma boa época e foi muito marcante, além dessa no Santa Clara. A primeira namorada nunca se esquece, não é? [risos]

E que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Penso que é muito importante que se passe a mensagem aos funcionários de todos os clubes de que o Sindicato é uma casa segura, um porto de abrigo para os jogadores. Um jogador pode sentir-se protegido e descansado para conseguir atingir os seus sonhos e jogar futebol porque sabe que atrás dele está uma instituição que vai ajudá-lo a resolver os problemas que tiver. Estamos a praticar desporto, mas somos profissionais, somos trabalhadores, e é muito importante ter essa segurança. É muito difícil para um jogador ser advogado dele próprio e empresário dele próprio. Um jogador é jogador, tem de focar-se nesse trabalho para ser melhor. Somos visitados pelo Sindicato duas ou três vezes por época e é muito bom ter esse apoio. Para mim o Sindicato é fundamental. Não confio na pessoa A ou na pessoa B? Sem problema, chamo o Sindicato e sei que não tenho de ter medo para ser enganado. E isso é muito importante.


Perfil
Nome: Igor Stefanović
Data de nascimento: 12 de abril de 1988
Posição: Guarda-redes
Percurso como jogador: Radnicki Nis (formação, Sérvia), FK Zemun (Sérvia), FK Banat (Sérvia), KF Borac Cacak (Sérvia), FK Banat (Sérvia), Rabotnicki (Macedónia), Santa Clara, FC Porto B, Arouca, FC Porto B, Chaves, Moreirense, Córdoba (Espanha) e Arouca.