“O capitão, mais do que protestar com o árbitro, tem de ajudar o árbitro”


Gonçalo Santos passa-nos a sua visão sobre o papel do capitão de equipa junto dos colegas.

Mereceste a braçadeira de capitão do Estoril. Como é que foste eleito para o cargo?
Já tinha tido uma passagem de três anos pelo clube, na altura com o treinador Marco Silva, e aí fiz parte dos capitães. No ano passado voltei em janeiro e, pela minha história no clube, passei logo a fazer parte dos capitães. Esta época, como houve muitas alterações no plantel, só ficámos dois ou três jogadores da época passada, já seria naturalmente um dos capitães, mas, no início da época, o diretor desportivo fez questão de dizer que era o capitão não só pelos anos de casa, não só pelo nome e pelo meu passado no clube, mas também por ser uma escolha pessoal dele.

Já tinhas sido capitão noutros clubes?
Já tinha sido capitão aqui, fui capitão nas camadas jovens da Académica, nas seleções jovens distritais e nos Cracks de Lamego. Fiz o meu percurso de formação quase sempre como capitão, desde os iniciados até aos juniores, depois deixei de ser na passagem para sénior, na Académica. Era muito jovem e tinha jogadores como o Pedro Roma e o Nuno Piloto, com muitos anos de casa, e só no Estoril voltei a ser capitão.

Sentes que impões uma liderança natural no balneário?
Penso que sim. Acho que sou um líder nato. Ajudo sempre muito as pessoas. Mesmo quando não era capitão já o fazia, e sempre fui um líder no balneário. Não sou aquele líder muito rígido: exijo muito em campo, mas fora do campo sou bom demais. Tento sempre ajudar e ponho-me sempre do lado dos jogadores. Sou um capitão sempre de sorriso na cara e amigo dos meus amigos no balneário.

Que valores transmites aos mais jovens e a quem chega ao clube?
No início tento mostrar-lhes o que é o clube. Também tive a sorte de estar nos melhores anos do Estoril, quando conseguimos ser campeões da Segunda Liga, conseguimos um quarto e um quinto lugar na Primeira Liga, fomos à Liga Europa, ou seja, olham para mim com respeito, como alguém que conquistou algo ali. E tento ajudar, mostrar-lhes a zona, como funciona o clube, ponho-me disponível a 100%.
Não é um clube que lute por títulos, agora sim, na Segunda Liga, mas não é uma equipa grande, como já estive, como o Dínamo Zagreb, em que a pressão é muito maior e o capitão tem de mostrar aos que chegam que só há um resultado possível, que é ganhar. O Estoril é um clube incrível, é a melhor zona do país para se morar, os adeptos também não são muitos, mas são muito bons, é um clube que se enquadra noutra perspetiva e é isso que lhes tento mostrar. A gente trata o Estoril por Mágico, é um clube mágico pela zona, pelas pessoas que tem, pela seriedade, pelo bom ambiente que cria, e acho que é isso que faz com que as pessoas se sintam bem aqui.

Há algum capitão que tenhas como exemplo?
Tive alguns que me marcaram como bons exemplos e um foi o João Coimbra, que foi meu capitão no Estoril. Era amigo, uma pessoa que estava sempre de sorriso aberto, tentava ajudar e enquadrava-nos no Estoril. Também era um jogador do meu ano e foi sempre capitão do Benfica e da Seleção Nacional, ou seja, quando era miúdo via-o como uma referência.
Lembro-me de que naquela altura, quando cheguei ao pé dele, era um objetivo e estava feliz por estar a jogar com ele e absorvi muito daquilo que ele transmitia e daquilo que ele era como capitão. É um dos maiores exemplos que tive em toda a carreira.

Como capitão, alguma vez precisaste de chamar um colega à atenção de uma forma mais dura?
Infelizmente, sim. Durante os jogos sou muito chato e exijo: “por que é que não fizeste o golo? Por que é que não cortaste a bola?”. Defendo que a exigência máxima deve ser pedida nos jogos. É óbvio que se deve exigir durante a semana, mas há sempre uma noite em que não dormimos bem porque o filho chorou a noite toda porque estava doente, por exemplo, mas costumo dizer que o jogo é a exigência máxima. Não vale a pena treinar bem a semana toda e perdermos no fim-de-semana. Durante a semana não vale pontos.
Dentro das quatro linhas sou exigente, no dia de jogo sou exigente, e muitas vezes tenho de chamar jogadores à atenção porque estão a brincar antes do jogo ou estão pouco concentrados ou pouco motivados por estarem no banco. Aí chamo-os sempre à atenção.

Ter de assumir esse papel é uma situação ingrata ou é natural?
Vejo como natural porque, na minha posição, não estou a fazer aquilo com uma segunda intenção. Pessoalmente não sou esse durão, essa pessoa de chamar à atenção e, às vezes, até de humilhar como, infelizmente, muitos jogadores fazem porque têm um certo estatuto e aproveitam-se disso normalmente com os jogadores mais jovens.
Com os mais novos, durante a semana tento corrigi-los e fazê-los melhorar. Durante o jogo trato toda a gente igual: se tiver de berrar com um jogador de 30 anos berro e se tiver de berrar com um miúdo de 18 anos berro. E se ele tiver de berrar comigo também tem de o fazer. Aí não há diferenças. Temos de estar todos juntos, até para alcançar o nosso objetivo.
Mas, normalmente, não tenho essa posição de ser duro durante a semana, por isso, quando o faço é com naturalidade e acho que as pessoas aceitam porque sabem que não sou assim e se o estou a fazer é porque tenho muitas razões para isso.

Do que é que os capitães costumam falar quando trocam galhardetes? Muitas vezes vemos os jogadores e o próprio árbitro a rir.
Costuma ser um momento de alguma descompressão, quando estamos a escolher as cores, por exemplo. Imagina: estou a jogar contra o Benfica e escolho o vermelho. É a brincar e há sempre uma ou outra brincadeira, principalmente quando conheces o outro capitão.
Este ano joguei contra o Académico de Viseu e o capitão era o Fábio Santos, que foi meu colega no Tourizense há 10 ou 12 anos. Ele tinha vindo dos juniores, era um miúdo, e lembro-me de ter dito para o árbitro: “já viu? Fiz deste gajo jogador e ele agora é capitão de equipa”. São este tipo de brincadeiras. Mas normalmente é um diálogo de dois minutos, em que desejamos sorte e que ninguém se aleije.

Os árbitros costumam ser mais tolerantes com os protestos dos capitães?
Sim. Acho que os árbitros ouvem muito mais os capitães de equipa. É óbvio que nós, muitas vezes, durante o jogo ultrapassamos o limite, mas acho que o capitão, mais do que protestar com o árbitro, tem de ajudar o árbitro. Em Portugal, os árbitros quase que não têm margem de erro, não está bonita a relação dos jogadores com os árbitros, da imprensa com os árbitros, e acho que os capitães dentro de campo têm esse papel.
Procuro muitas vezes dizer aos árbitros que estamos lá para os ajudar. E digo muitas vezes aos meus colegas que não vale a pena estar a berrar e que temos é de tentar ajudá-los porque, muitas vezes, com a pressão até erram mais e não fazem aquilo por querer. Mas o jogo tem muita emoção, depois o resultado também altera muito o estado anímico e não é fácil para um árbitro gerir 22 jogadores. O capitão tem a missão de ajudar o árbitro, de tentar fazer com que os jogadores não protestem com ele.
Muitas vezes até digo ao árbitro: “eu estou a ajudar-te, mas tu erraste”. Há árbitros que levam a mal, mas muitos aceitam a nossa opinião. E nós, capitães, temos de tentar que sejamos mais nós a falar porque depois para o árbitro também é mais fácil explicar-se só a um do que tentar entender seis ou sete jogadores a berrarem ao mesmo tempo.

Como tens visto a atuação do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
Sou sócio há seis ou sete anos e o Sindicato tem crescido muito. Há vários anos que faz o estágio para os jogadores desempregados durante o verão, organiza torneios, agora tem um centro de estágios que é outra mais-valia para os jogadores….
Depois, infelizmente, muitos clubes não são cumpridores e o Sindicato é o primeiro a aparecer para tentar ajudar os jogadores e, para ser sincero, nos últimos anos a comunicação social também tem ajudado muito nesse aspeto, a enaltecer o bom trabalho que o Sindicato tem feito. Mas tem crescido muito e ajudado muito os jogadores. É muito positivo sabermos que temos alguém que nos defende e que nos ajuda quando precisarmos.


Perfil
Nome: Gonçalo José Gonçalves dos Santos
Data de nascimento: 15 de novembro de 1986
Posição: Médio
Percurso como jogador: Cracks de Lamego (formação), Académica (formação), Tourizense, Académica, Santa Clara, Desportivo das Aves, Estoril, Dínamo Zagreb (Croácia), Desportivo das Aves e Estoril.