Um futuro risonho na arbitragem
Rui Oliveira considera a arbitragem nacional globalmente boa e acredita nos novos juízes de campo.
Estreou-se na Primeira Liga num União da Madeira-Tondela, em 2015. O que recorda desse encontro?
Recordo-me claramente que a conta do jantar foi grande! Acima de tudo foi uma grande emoção, visto ser o concretizar de um sonho pelo qual lutei durante vários anos com muita entrega e sacrifício. O jogo em si foi tranquilo e sem grandes incidências.
Como nasceu o gosto pela arbitragem?
Desde sempre estive ligado ao desporto, embora não ao futebol numa primeira fase, pois além de ser o meu desporto de eleição não tinha grandes aptidões para a prática. Fui atleta de andebol durante cinco ou seis anos, sendo que, no meu último ano de júnior, ao ver que não ia ter muitas hipóteses de jogar com regularidade, comecei a pensar no que poderia fazer para continuar ligado ao desporto. Nessa altura o clube propôs-me tirar o curso de árbitro de andebol. Experimentei mas, quando arbitrei os primeiros jogos, não gostei. No andebol o árbitro tem de estar constantemente a apitar, sempre a intervir e aquilo fazia-me alguma confusão. Como tal, comecei a olhar para a arbitragem no futebol de outra forma e, ligando a paixão que já tinha, resolvi tirar o curso. Inicialmente foi por curiosidade e para conhecer melhor as regras, mas foi algo que se foi tornando cada vez mais importante na minha vida.
Ser árbitro é apelativo para os jovens?
Hoje há múltiplas formas de os jovens ocuparem o tempo, mas sem dúvida o desporto é a melhor forma de o fazer, quer por ser saudável, mas também por tudo o que envolve como o socializar, o trabalho em equipa, estarem mais ativos na sociedade e não apenas no mundo virtual, entre muitas outras coisas. Além do gosto que os jovens já devem ter pelo jogo de futebol em si, compete também aos agentes da arbitragem saber atrair esses jovens para o meio. Numa primeira fase, o gosto é um fator importante para ultrapassar certas dificuldades que possam surgir. De referir também que ajuda financeiramente pois, além de fazer o que se gosta, é uma forma de tornarem os jovens mais independentes.
"ALÉM DO GOSTO QUE OS JOVENS JÁ DEVEM TER PELO JOGO DE FUTEBOL EM SI, COMPETE TAMBÉM AOS AGENTES DA ARBITRAGEM SABER ATRAIR ESSES JOVENS PARA O MEIO."
Sempre conciliou bem a arbitragem com o trabalho?
Felizmente, sim. Também é verdade que à medida que fui progredindo na arbitragem as coisas foram-se tornando mais difíceis, uma vez que o dia só tem 24 horas. É importante também ter chefias diretas que nunca criem grandes problemas. Fui comercial durante 15 anos e também tinha a vantagem de trabalhar na rua e poder gerir o meu horário, pois no final do mês os números tinham de ser atingidos.
No que é que a profissionalização melhorou o setor da arbitragem?
A profissionalização melhorou muito! Maior disponibilidade, mais formação, mais dedicação, mais foco, mais tempo para preparar os jogos e também, e muito importante, mais tempo para poder estar com a família, o que até à data era muito difícil. Praticamente era de domingo a domingo entre o trabalho e a arbitragem, pois tinha fins-de-semana em que chegava a arbitrar seis a sete jogos.
A Academia de Arbitragem vai fazer a diferença no futuro?
A ideia principal é essa e esse deve ser o caminho. Se a formação começar logo desde o recrutamento seguramente que quando chegarem ao topo da pirâmide estarão mais preparados para as dificuldades.
De 0 a 5, que nota daria à arbitragem portuguesa?
Ao contrário da opinião generalizada de quem não está envolvido, tenho a certeza de que a arbitragem portuguesa é globalmente boa. É um facto que ao longo dos anos tivemos árbitros envolvidos em grandes competições e que agora estamos numa fase de renovação. No entanto, considero que estamos no bom caminho e este Conselho de Arbitragem tem claramente apostado e dado oportunidades aos novos valores da arbitragem. O resultado será bom a curto/médio prazo.
"AO CONTRÁRIO DA OPINIÃO GENERALIZADA DE QUEM NÃO ESTÁ ENVOLVIDO, TENHO A CERTEZA DE QUE A ARBITRAGEM PORTUGUESA É GLOBALMENTE BOA."
Existe um secretismo à volta das avaliações dos árbitros. Não seria mais transparente tornar as notas públicas?
Não. Os treinadores por norma também não avaliam publicamente os desempenhos individuais dos seus jogadores, avaliam o coletivo. Nós recebemos um relatório semanal, que dá a conhecer as nossas avaliações qualitativas, mas não vejo mais valia em tornar essa avaliação pública.
Acha que os árbitros também deviam falar no final dos jogos, como fazem os jogadores e os treinadores?
Não. Não me parece boa ideia. Somos um país latino e por norma muito crítico de tudo e de todos. Isso só iria servir para aumentar o ruído à volta da arbitragem porque o foco ia ser o penálti que marcámos ou que não marcámos.
O árbitro é o elo mais fraco do futebol?
Não diria que é o elo mais fraco, mas é seguramente o elemento mais fácil de atacar pois é mais simples apontar o dedo ao erro alheio do que admitir o que se podia ter feito de forma diferente para atingir outros resultados. Temos no futebol inglês um bom exemplo.
A propósito de Inglaterra: a arbitragem não devia estar mais protegida dos ataques de que é alvo como acontece aí?
Podia e devia, mas para isso é preciso vontade de quem manda no futebol profissional português. Não deveriam ser os clubes a aprovar os regulamentos disciplinares, mas sim outras entidades, pois desta forma nunca vamos ter um regulamento disciplinar suficientemente forte. É necessário um regulamento punitivo para que os agentes desportivos optem por outros comportamentos.
Ao longo dos anos tem notado uma diferença de comportamento dos jogadores para com os árbitros?
Sem dúvida. Os jogadores, os treinadores e os dirigentes. O futebol é bonito também pela convivência com pessoas de múltiplos setores e classes sociais. Não é um desporto elitista, é o desporto do povo. Hoje já lidamos com pessoas formadas, que sabem falar e estar, nomeadamente os jogadores, que evoluíram muito a esse nível.
É a favor das novas tecnologias no futebol?
Claro que sim. Como em tudo na vida existe uma evolução e a arbitragem não foge à regra. Não podemos andar desfasados da sociedade e estamos a acompanhar a indústria do futebol.
O vídeo-árbitro veio para ficar?
Com certeza. Fomos um dos países pioneiros a adotar o vídeo-árbitro sem manual de instruções e isso paga-se, tem o seu preço. Foi o risco que corremos, mas foi um passo seguro e sem volta. Hoje é uma ferramenta importantíssima.
"FOMOS UM DOS PAÍSES PIONEIROS A ADOTAR O VÍDEO-ÁRBITRO SEM MANUAL DE INSTRUÇÕES E ISSO PAGA-SE, TEM O SEU PREÇO."
Nos seus jogos já viu jogadores talentosos ao ponto de querer sentar-se na bancada a assistir?
Já tive a felicidade de estar nos principais palcos do futebol português. Já vi grandes jogadores, grandes jogadas e grandes golos. Uma das vantagens de ser árbitro é podermos viver tudo isso lá dentro.
Qual é a sua opinião sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português? Importante. O Sindicato ganhou hoje uma expressão e uma dimensão que não existia no passado. Consegue proporcionar outras alternativas e regalias aos seus filiados. Continuem assim. Estão de parabéns!