Afonso Taira: “O meu trajeto pode levar-me à Seleção”


Há duas épocas em Israel, médio português não fecha a porta a um eventual regresso a Portugal.

Cumprida a segunda época no futebol israelita, a última das quais ao serviço do Beitar Jerusalém, hoje tem um estatuto diferente do que tinha quando deixou Portugal. Afonso Taira mantém o objetivo de se estrear pela Seleção A e gostava de regressar ao nosso futebol, mas apenas pela porta grande.

 

Que balanço fazes destas duas épocas em Israel, primeiro no Kiryat Shmona e agora no Beitar Jerusalém?
Faço um balanço bastante positivo. Quando fui para Israel queria dar um rumo um pouco diferente à minha carreira. Estava na Primeira Liga, tinha feito épocas no Estoril, estava numa posição relativamente estável, mas naquele momento não queria estabilidade, queria continuar a crescer e, como não tive hipótese de dar o passo seguinte em Portugal, foi quanto surgiu o objetivo de ir para fora para o conseguir.

Acabou por ser Israel e a ideia ao chegar ao Kiryat Shmona, que não se pode considerar um clube de primeira linha, embora seja imediatamente a seguir, seria de estar num clube ambicioso, apesar de ser numa realidade um pouco abaixo da portuguesa, e tentar rapidamente mostrar-me e conquistar esse novo mercado. Daí fazer um balanço extremamente positivo: consegui exatamente aquilo que queria e num espaço de tempo bastante curto, num ano. E chegar ao Beitar foi chegar a um clube grande, com outras exigências, portanto bastante positivo para a minha carreira.

Falaste com algum português que conhecesse a liga, como o Miguel Vítor, antes de aceitares o convite?
Sim, falei com o Miguel antes de ir. Também falei com o Lito Vidigal, que tinha lá estado pouco tempo antes. Perguntei-lhes como era aquela realidade, principalmente ao Miguel, do ponto de vista do jogador, para me informar não só sobre o dia a dia mas também sobre o possível consumo interno da parte dos clubes, que era aquilo que me interessava na altura. Era um ponto importante para mim. Ele disse-me que existia consumo interno naquele mercado, que qualquer jogador que fosse e se mostrasse era alvo dos clubes de maior dimensão e foi o que acabou por acontecer comigo.

Como é que foi a adaptação ao país?
Não foi muito difícil. É um país com uma cultura completamente diferente, mas também depende muito da forma como as pessoas abordam esse novo país. Já sabia que ia existir um choque cultural muito grande, que tinha de estar de mente bastante aberta e que tinha de ser eu a adaptar-me a eles e não o contrário.

No dia a dia vêem-se situações muito diferentes daquilo a que estamos habituados, mas, se uma pessoa conseguir entender que tem de se adaptar à realidade na qual se encontra, funciona. Não é diferente ao ponto de a adaptação ser impossível.

A língua também é completamente diferente. Tanto eu como a minha mulher estamos a tentar aprender a língua, mas também se faz.

Mas as pessoas falam inglês num nível aceitável?
Sim. Em quase todos os estabelecimentos há pelo menos uma pessoa que fala inglês.

Em termos de comida: experimentaste as comidas locais ou compras e cozinhas em casa mais ao nosso jeito?
Também cozinhamos, mas experimentámos e gostamos. É uma comida diferente, mas não foge ao tipo de comida que temos, simplesmente têm sabores um pouco diferentes. Os judeus têm algumas regras ao nível da comida e para nós nunca vai ser possível adaptarmo-nos a isso, não dá, mas é relativamente tranquilo. Nos supermercados, tirando o facto de não terem os nomes em inglês, é possível fazer compras e fazemos em casa ao nosso jeito.

Há alguma coisa que leves na mala sempre que vais a Portugal? Alguma comida, por exemplo?
Bacalhau [risos]. Levamos o bacalhau salgado, chegamos lá e demolhamos e congelamos para termos lá o nosso bacalhau. Também levo as nossas conservas, aquelas sardinhas e carapaus enlatados, por exemplo, levamos sempre para dar um gostinho a Portugal. É fantástico! E os enchidos, sempre que conseguimos também, chouriço, alheira, por aí fora, coisas que não existem lá, isso também é uma perdição para nós.

E como é conduzir em Jerusalém?
Conduzir? É uma loucura! Eles são um povo extremamente impaciente e a condução demonstra isso. São muito piores do que nós a conduzir. Nós somos uns meninos! [risos] Não é fácil. Não há civismo na estrada. Eles pensam: quero chegar ali, e se tiver de passar à frente de quem quer que seja para lá chegar, vou fazê-lo. É uma loucura e tem de ser uma condução defensiva levada ao extremo.

E o que pensas sobre o eterno conflito entre Israel e a Palestina? Sentes-te seguro?
No dia a dia não se sente absolutamente nada. Há zonas muito específicas que têm algumas questões de tempos a tempos, mas no resto do país não se sente qualquer tipo de insegurança. Os israelitas, tanto judeus como árabes que vivem em Israel, estão completamente seguros em relação a tudo e dizem que é um engano o que se pensa sobre Israel porque hoje é mais perigoso andar numa capital europeia do que ali. Numa capital europeia nunca se sabe o que pode acontecer, a Europa não está à espera, claro, e eles dizem que estão à espera e completamente preparados para o que possa acontecer. Estão sempre em alerta. Supostamente são os líderes mundiais de sistemas de defesa, de exército e de intelligence, como eles dizem, e no dia a dia não se sente nada.

Quando se chega e se percebe que existe um conflito que dura há anos e que não se perspetiva forma de ser resolvido parece um pouco surreal, mas é uma questão mais política e que não nos toca.

Já falaste na tua mulher. Tu acabas por ter aquela rotina de futebolista, de estágios e jogos, mas como foi a adaptação para ela?
A minha mulher é dona de uma empresa em Portugal, que tem cerca de três anos, ou seja, começou antes de emigrarmos, e gere a empresa à distância. Tem pessoas em Lisboa que trabalham com ela, e está bastante entretida. [risos]

Já aproveitaram para ir a outras cidades nas tuas folgas?
Sim. Já conhecemos o país praticamente todo, de norte a sul. A única pena para as pessoas neutras como nós é que Israel não tem relação com a maior parte dos países ali à volta, portanto não nos é permitido atravessar fronteiras e ir conhecer outros países, como são os casos do Líbano ou do Egito. Isso é pena. Mas conseguimos ir à Jordânia, que é um país com quem eles têm relações. Já não foi mau. [risos]

Além do aspeto desportivo, tens espírito de aventura para descobrir novos países e culturas?
Sim, totalmente! Tanto eu como a minha mulher gostamos imenso. Somos muito portugueses e lisboetas, mas não somos nada de chegar a um sítio e viver a pensar que queríamos estar em Lisboa. Nada disso. Perde-se imensa coisa assim. Fomos para Kiryat Shmona, uma cidade que tem 25 mil habitantes, é mínima, mas chegámos lá e quisemos ver as coisas à volta e o norte de Israel, sítios que se calhar nem os israelitas conhecem tão bem e nós acabámos por explorar porque era ali que estávamos. Não vale a pena pensar “estou aqui mas queria estar noutro sítio qualquer, portanto não vou sair de casa e esperar que o ano acabe”.

Jogar no estrangeiro era um objetivo que tinhas para a tua carreira?
Sim. Já tinha jogado em Espanha, no meu primeiro ano de profissional, e mesmo tendo voltado a Portugal para fazer o trajeto Segunda Liga-Primeira Liga, e teria toda a vontade de chegar a um grande, a minha ambição não pararia aí. Mesmo se na altura tivesse chegado onde queria em Portugal, ia ter sempre o objetivo de um dia sair.

Fizeste parte da formação no Sporting e, curiosamente, a tua primeira época como sénior foi no Córdoba, de Espanha. O que recordas dessa época?
O que mais recordo foi a necessidade de adaptação que tive, a diferença entre o futebol júnior e o futebol sénior. Tinha um trajeto de formação que era do mais exigente que podia ter tido: estava no Sporting, um dos melhores clubes de Portugal, era capitão dessa equipa de juniores, estava na Seleção, ou seja, com o meu estatuto na formação era, supostamente, dos jogadores mais preparados para integrar o futebol sénior, e, no entanto, chego ao futebol sénior e não tem nada a ver. É disso que mais me lembro: achar que estava super preparado e afinal não estava e ainda tinha muita coisa para aprender.

Foi um ano em que esse choque me levou a perceber que o futebol tinha muito mais do que só aquilo que se exige nas camadas jovens. Não é nenhuma crítica à nossa formação, é só a realidade. Mesmo que se tente aproximar, não é a mesma coisa.

Emigrar tão cedo foi uma decisão acertada?
Acho que sim. Se tivesse ficado numa situação mais confortável e mais protegida, vamos imaginar o caso das equipas B, que só foram formadas um ano depois de eu sair, se tivesse ficado numa realidade dessas se calhar aquilo que tive de aprender logo naquele ano só viria a aprender três ou quatro anos depois, quando saísse da equipa B. O que também não tem mal nenhum, seria um trajeto diferente, mas para mim serviu esta ordem, digamos assim.

És filho de José Taira, antigo jogador de clubes como Belenenses, Salamanca e Sevilha. Mesmo à distância, ele aconselha-te relativamente à tua carreira?
Sim, acompanha sempre que pode. Nem sempre é fácil ver os jogos, mas acompanha e falamos muito frequentemente de futebol e do momento que eu esteja a passar, seja ele qual for, e aconselha-me sempre.

Que diferenças existem entre a liga israelita e a nossa?
O que mais difere é o aspeto tático e a organização. Eles são jogadores tecnicamente ao nível dos nossos, a diferença não é significativa, onde se nota muita diferença é ao nível da cultura tática. É um futebol menos organizado e rigoroso, que é o fator que depois mais me diferencia lá. Sou um jogador bastante tático e isso é valorizado lá porque têm menos essa vertente tática.

A propósito de valorizado, segundo o site Transfermarkt estás avaliado em 800 mil euros, tal como Maor Buzaglo, e só têm dois colegas com cotação mais alta (Antoine Conte e Idan Vered). Sentes esse estatuto no clube?
[risos] Não sabia. Em Israel valorizam bastante o jogador estrangeiro que vem e que aporta. Também são bastante exigentes, porque se não aportar têm pouca paciência, mas sendo um jogador que veio e que aportou eles têm bastante respeito e admiração.

Senti isso no Kiryat Shmona, tal como no Beitar, que os jogadores olham para os estrangeiros como alguém que traz um valor diferente e tratam-no com o devido respeito.

Se depender apenas da tua vontade preferes voltar a Portugal ou continuar a jogar lá fora?
Tenho muita vontade de voltar, mas só para um clube que me apresente um desafio que se assemelhe à fase que estou a passar neste momento. Sou muito ambicioso e fiz escolhas na minha carreira que me fizeram crescer, portanto gostava de voltar, mas só para um desafio que me faça sentido. Essa é a parte mais importante da minha condição para voltar. Gosto de ter responsabilidades e assumir um papel forte com um objetivo claro.

Se pudesses escolher, em que liga gostarias de jogar?
Penso que na italiana.

Nalguma equipa em específico?
Não. É um campeonato do qual gosto, um futebol bastante tático e revejo-me nesse estilo de jogo. Gostava de experimentar.

Tens um longo percurso nas seleções jovens e estás prestes a fazer 27 anos. Ainda sonhas com uma chamada à Seleção A?
Sim. É uma coisa que me passa pela cabeça, claro que sim. Tenho noção de que estou a fazer um trajeto que está um pouco longe de Portugal, é verdade que é mais difícil ser notado em certos mercados, mas tenho plena consciência de que o meu trajeto pode levar-me à Seleção e seria a maior honra. Já o fiz a nível de formação, mas fazê-lo ao nível profissional é o meu maior objetivo.

Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Acho que o Sindicato é fundamental para o futebol português. Tenho vários amigos que jogam em diversos escalões e oiço a importância que o Sindicato tem em situações complicadas como clubes que nem sempre conseguem fazer jus às suas obrigações no tempo devido, até eu passei por situações dessas na Segunda Liga, e acho que sem o apoio do Sindicato estes jogadores estariam muito desamparados. Estou a falar da ajuda do Sindicato em situações menos felizes, mas está lá para apoiar seja qual for o momento.

Acho que o que pede de volta aos jogadores é pouco para aquilo que dá. É uma organização que dá muito mais do que aquilo que recebe e isso é fantástico para o jogador. E todo o acompanhamento que faz, a maneira como está acessível para ouvir os jogadores, é do mais importante que existe.

 

Perfil
Nome: Afonso
Miguel Castro Vilhena Taira
Data de nascimento:
17 de junho de 1992
Posição:
Médio
Percurso como jogador:
Estoril (formação), Sporting (formação), Córdoba (Espanha), Atlético, Estoril, Kiryat Shmona (Israel) e Beitar Jerusalém (Israel).