“Portugal é uma boa montra para dar um salto maior”


Era barbeiro, não ligava muito ao futebol e de Portugal só conhecia o FC Porto.

Grato a Grilo, colega da Naval que o fez sócio do Sindicato, e ao presidente do Moura, que o ajudou a tratar uma pubalgia, o jogador do Académico de Viseu acredita em Deus, no trabalho e ainda tem o sonho de jogar no AC Milan.

Chegaste a Portugal em 2014, para jogares na Naval. Como surgiu essa possibilidade?
Eu estava na Colômbia, jogava numa fundação. Trabalhava como barbeiro e treinava nos tempos livres na Fundación Global. Tinha jogadores que já tinham sido profissionais e outros que, como eu, iam lá treinar só porque gostavam de jogar. Depois apareceu um empresário português, que ia levar três jogadores da fundação para Portugal, mas eu não estava nessa lista. Só que, entretanto, a fundação fazia muitos jogos amigáveis, o empresário viu-me a jogar, interessou-se por mim e acabou por trazer quatro jogadores.

Foram todos para a Naval?
Houve um que foi para o Trofense, os outros três foram para a Naval. Chegámos em 2014.

Ou seja, jogavas como amador na Colômbia?
Sim, era numa fundação, que recebia jogadores sem clube, que iam lá treinar.

Jogar na I Divisão da Colômbia é um objetivo que tens por realizar?
É sempre bom jogar no nosso país, é onde tens a tua família, mas agora que estou na Europa e que as coisas me estão a correr bem, sendo sincero, não quero jogar na Colômbia. Gostava de levar o meu nome a patamares mais elevados na Europa.

E jogar na Europa era um sonho de criança?
Foi sempre o meu sonho. Aliás, o clube onde sempre quis jogar é o AC Milan de Itália. O meu sonho era esse.

Porquê o AC Milan?
Era um clube do qual ouvia falar muito. Não sei se era pelo que ouvia, ficou esse desejo. Eu não era apaixonado pelo futebol no sentido de estar a ver jogos e acompanhar o que se passava no mundo do futebol. Não, era só o AC Milan. Fiquei com essa cena na cabeça e o sonho de jogar lá.

Então, se pudesses escolher, a liga onde gostarias de jogar seria a italiana?
Sim! [risos] Hoje tenho 26 anos e os clubes procuram jogadores que tenham 20/22 anos, mas isso não quer dizer que não chegue lá porque sou teimoso no futebol. Vou até ao fim! Com muito trabalho, um dia vou alcançar o sonho de jogar numa liga superior. Portugal é uma boa montra para dar um salto maior, nunca se sabe. Acredito muito em Deus e sei que vou dar o salto, seja em Portugal ou noutro país. Quero jogar numa Primeira Liga e trabalho muito para isso.

Vieste para Portugal com o objetivo de saltar para uma liga mais atrativa ou não fizeste esse tipo de planos?
Cheguei e foquei-me só em Portugal. Eu estava numa divisão muito em baixo e não tinha conhecimento porque não ligava ao futebol. Comecei a seguir mais a partir de 2015. Até lá trabalhava a cortar o cabelo e estava concentrado naquilo. Mas o futebol é uma coisa de que sempre gostamos de jogar. Quando cheguei, o meu pensamento era o de chegar a um patamar mais elevado em Portugal, ter a experiência de jogar na Primeira Liga, e depois disso acontecer é que podia pensar noutras coisas. Mas sempre passo a passo.

Antes de vires para Portugal, o que sabias sobre o futebol português?
Vou ser sincero, não conhecia nada! [risos] Só conhecia o FC Porto por causa de alguns jogadores colombianos como o Falcao, Guarín, James Rodríguez e Quintero, agora do resto do futebol português não sabia nada.

Adaptaste-te bem ao nosso futebol?
Ao início é complicado, mas a minha adaptação foi boa porque quando cheguei ainda não tinha documentos e fiquei um mês sem poder jogar. Esse período serviu para me adaptar aos treinos, à língua, adaptei-me aos poucos porque era complicado. Não tive pressa a pensar que tinha de me adaptar rápido. Fui com calma, a deixar-me levar e fui aprendendo certas coisas. Ao que queria adaptar-me primeiro era ao modelo de jogo porque em Portugal é diferente da Colômbia.

Já disseste que esse mês foi importante, mas como é que foi a tua adaptação também em termos culturais, como à comida?
Esse mês foi importante para me adaptar falando de futebol, mas falando de comida durou muito tempo, meu irmão! A comida é totalmente diferente. Isso foi o mais difícil, mas tinha de me adaptar. Fui para a Naval e o clube não tinha as melhores condições para os atletas.
Sou de uma família muito humilde e se comer arroz com ovo para mim é a melhor comida do mundo nesse momento. Então adaptei-me porque tinha de me adaptar. Comíamos lá no clube, uma senhora fazia a comida. A comida não era a melhor, mas, glória a Deus, tinhas alguma coisa para comer. A adaptação à alimentação não foi fácil.

E a adaptação à língua?
Foi difícil, mas não tão difícil. Gosto muito de brincar com os colegas e as primeiras coisas que aprendi foram as asneiras. Tinha um colega, o Tito Júnior, um guineense, que me ajudou em relação à língua. Ele percebia espanhol e ajudava-me.

Agora estás de férias na Colômbia: quando regressares, há alguma coisa que faças questão de trazer contigo?
Neste preciso momento estou a beber um sumo bem gostosinho de um fruto que dá muita força. Chama-se zapote. Vou levar zapote e borojó, frutas que não encontro em Portugal.

Mas já comes algum prato português agora ou cozinhas pratos colombianos em casa?
Como sempre no restaurante e em Portugal já como qualquer coisa. Agora já estou mais do que adaptado. [risos]

Os portugueses são um povo hospitaleiro?
Fui bem recebido, não tenho qualquer queixa. Nenhuma. Fui para a Figueira da Foz e as pessoas foram muito boas comigo, não posso dizer o contrário.

Quais são as principais diferenças entre o futebol português e o colombiano?
Não vinha de uma equipa na qual trabalhasse isto e aquilo. Jogava numa fundação com jogadores experientes, já todos tinham jogado, mas estava habituado a uma realidade completamente diferente: o posicionamento é diferente, a velocidade….
Na Colômbia, e na América do Sul em geral, o jogador quer correr mais com a bola no pé enquanto que em Portugal quem corre é a bola. Isso torna o futebol mais rápido e mais intenso.

Cumpriste a tua quinta época no futebol português. Qual foi a mais marcante?
Acho que foi em 2016/17, no Moura. Na época anterior tive pubalgia e o Moura é um clube amador, sem dinheiro, mas um dos mais sérios que conheci. Não tinha contrato profissional e o presidente [Luís] Jacob, uma pessoa pela qual tenho muito respeito, entre outras que respeito muito em Portugal, tratou-me dessa pubalgia não como um atleta, mas como um ser humano. Não olhou para mim como um objeto que tem de estar bom. Tratou-me, pagou tudo. Foi uma época marcante por isso, fizeram muito por mim. Fiquei com pubalgia quase um ano e, mesmo assim, algumas equipas queriam que fosse para lá, mas disse que não. Quis ficar ali porque devia muito a esse presidente. Fiquei, fiz uma época fantástica, glória a Deus, e os adeptos e os dirigentes do Moura ficaram-me gratos por isso. Ainda hoje agradeço ao presidente. Ia ganhar muito mais, mas fiquei. Dei tudo, o que tinha e o que não tinha, e quando saí o presidente disse-me: “vai à tua vida. Se alguma coisa correr mal já sabes que tens aqui uma casa”.

Qual foi o melhor jogador com quem jogaste em Portugal?
É uma pergunta ingrata porque já joguei com muitos jogadores bons. Posso pensar num jogador bom, mas lembro-me logo de mais três ou quatro. É complicado dizer só um nome. Foram muitos.

E o adversário mais difícil que tiveste pela frente?
Foi o Paços de Ferreira, esta época.

Algum jogador em específico?
Foram vários, mas um foi o Douglas Tanque. Tem um movimento muito forte. O Paços tem muitos jogadores bons.

E que opinião tens sobre o trabalho do Sindicato dos Jogadores no futebol português?
É a melhor coisa que podia ter acontecido. Infelizmente, o futebol português tem muitos problemas financeiros e o Sindicato ajuda muito os jogadores que, por vários motivos, não têm contrato e os clubes querem abusar dessa situação. Até agora nunca precisei do Sindicato, mas tenho visto colegas que precisaram. Sou sócio desde o meu primeiro ano em Portugal. Foi o Grilo, que já não joga, que pagou 10 euros para me fazer sócio. Disse-me: “um dia podes precisar do Sindicato. Confia em mim. Vou fazer-te sócio”. E sou sócio desde esse dia.


Perfil
Nome: Kevin David Medina Rentería
Data de nascimento: 9 de março de 1993
Posição: Defesa
Percurso como jogador: Naval, Moura, Sintrense, Pinhalnovense e Académico de Viseu.