“Oito meses depois de chegar ao Qatar, convidaram-me para a Seleção”


Pedro Correia mudou de posição e de país, com o salto do Aljustrelense para o Al Ahli, do Qatar.

Hoje é internacional pelo país que o acolheu há nove anos, disputou a última edição da Copa América e espera estar presente no próximo Mundial.

Que balanço fazes destas nove épocas no Qatar, primeiro no Al Ahli e agora no Al-Sadd?
O primeiro e o segundo ano foram para me adaptar, mas adaptei-me rápido, graças a Deus. O único problema que tinha era mesmo a língua, porque não falava muito bem inglês, mas em termos de futebol consegui adaptar-me bem porque o futebol não era tão evoluído como é agora. Com o passar dos anos, tudo passou a ser mais fácil: comecei a falar melhor inglês, já entendia bem o que o treinador queria e o futebol de lá. Agora já me sinto em casa, tanto dentro como fora do campo.

Já falaste da língua, mas como é que foi a adaptação ao país em relação à comida, ao trânsito, todas essas mudanças culturais?
Quando cheguei lá não conduzia, iam buscar-me a casa e levavam-me para o treino, por isso em relação ao trânsito não me chateava muito.

Hoje já conduzes?
Sim, entretanto tirei a carta lá, quando o inglês ficou melhor. Agora já está diferente, mas eles são malucos ao volante. Não querem saber! Lá é um por todos, é complicado. Se dormires no volante vão arrastar-te da estrada. Eles são loucos lá.

Já conheces bem o país?
É como te disse, é a minha casa. Já conheço todos os cantos lá. Conheço como a palma da minha mão.

E como foi a adaptação à comida?
Há vários restaurantes internacionais e uma pessoa come bem, come-se mesmo muito bem lá, e gostei da comida local, quando a comecei a comer, porque nos primeiros tempos não comia, e hoje sou viciado!

Há alguma coisa que leves na mala sempre que vens a Portugal? Alguma comida, por exemplo?
A minha esposa leva sempre bacalhau, chouriço de porco, essas coisas que não existem lá. De vez em quando sabe bem.

Em relação ao futebol, o título de campeão alcançado na última época foi o momento mais alto?
Sim. Pelos clubes, foi. Também tinha ganho a Emir Cup há três anos e a Qatar Cup, mas o campeonato foi o ponto alto.

Além disso somas um título pela seleção, a Taça da Ásia.
Ter ganho a Asian Cup foi um momento fantástico mesmo.

O Qatar é um destino pouco frequente para os jogadores portugueses. Como é que surgiu essa possibilidade?
Estava no Aljustrelense e o meu amigo Russiano, que me conhecia do Farense, indicou-me ao meu empresário atual, que estava a precisar de um central e de um médio centro. Como eu fazia aquelas posições, o Russiano indicou-me e eles foram ver um jogo meu. Até fui expulso nesse jogo, tentei fazer golo com a mão, mas, graças a Deus, ele viu que eu tinha alguma qualidade e quis apostar em mim. Passado uma semana fui fazer testes ao Al Ahli. Foi duro, foi duro….

Porquê? A concorrência era forte?
Sim, eram muitos jogadores a fazer testes e só podia assinar um. Só um, acredita! E foi um mês e tal a fazer testes, testes, testes…. Depois o treinador quis levar-me para estágio e finalmente assinei contrato.

Falaste com algum português que conhecesse a liga antes de aceitares o convite?
Nada. Só falei com o meu irmão, com a minha tia, peguei na minha malinha e arranquei sem medos. Fui lá, lutei e consegui fechar um contrato de cinco anos.

Jogar no estrangeiro era um objetivo que tinhas para a tua carreira?
Tinha, sempre tive esse objetivo. E aqui em Portugal estava complicado, não me estavam a abrir portas e acabei por apostar no Qatar.

 

"AQUI EM PORTUGAL ESTAVA COMPLICADO, NÃO ME ESTAVAM A ABRIR PORTAS E ACABEI POR APOSTAR NO QATAR."



Que diferenças existem entre a liga do Qatar e a nossa?
O público é diferente, lá o estádio só fica cheio nos clássicos e quando jogamos com equipas mais fortes, mas nos jogos mais fracos não leva muita gente. Aqui encontras jogadores com mais qualidade, com mais experiência, mas o futebol lá tem evoluído bastante.

É comparável com o quê? Com a nossa Segunda Liga?
Há equipas de lá que conseguiam jogar na nossa Primeira Liga.

Se o Al-Sadd jogasse cá ficava bem classificado?
Sim, temos uma equipa muito forte. Nós e o Al-Duhail.

E como é que surgiu a possibilidade de jogares pela seleção do Qatar? Foi depois de quantos anos lá?
Depois de terminar o meu contrato de cinco anos no Al Ahli fui para o Al-Sadd. Passados uns oito meses convidaram-me para a seleção. Cheguei ao treino e o treinador disse-me que queriam falar comigo. Também estava lá um diretor da Federação e perguntaram-me se queria representar a seleção.

 

"DEPOIS DE TERMINAR O MEU CONTRATO DE CINCO ANOS NO AL AHLI FUI PARA O AL-SADD. PASSADOS UNS OITO MESES CONVIDARAM-ME PARA A SELEÇÃO."



Aceitaste logo?
Sim, aceitei logo. Falei com a minha família, com o meu empresário e decidi aceitar. Foi uma oportunidade que apareceu.

A participação na Copa América é um momento que fica para contar aos netos?
Foi um momento único, uma experiência muito boa mesmo! E foi uma experiência muito boa para evoluirmos até ao Mundial. Já não vamos cometer os erros que cometemos nesta Copa. Contra equipas como a Argentina ou o Brasil, cometes um erro e sofres logo golo. Mas foi muito bom para evoluirmos. Se Deus quiser vai dar certo no Mundial.

Como é que foi defrontar o Messi?
Ele estava lá do outro lado, mas jogar contra o Messi foi um momento único. Contra o Messi e antes contra jogadores do Brasil [num particular], da Colômbia…. Foi único mesmo.

Muito antes de tudo isto acontecer, fizeste parte da formação no Benfica. O que recordas desses tempos?
Recordo-me de tudo, desde o primeiro jogo até ao último. Passei ali grandes momentos, muito bons mesmo. Fiz grandes amigos, conheci muita gente boa e ganhei muitos títulos: nos infantis, nos iniciados, nas escolinhas…. Gostava de fazer golos ao Sporting. Naquela altura era avançado.

Daí a tua alcunha de Ró-Ró.
Sim. Comecei num clube da minha zona, de Mem Martins, onde joguei dois anos, depois fui para o Benfica. Era bem baixinho como o Romário, rápido como o Ronaldo e fazia golos como eles. Juntaram os nomes e nasceu a alcunha. O míster Sérgio é que me meteu essa alcunha.

Ainda no Benfica: jogaste com algum jogador que tenha singrado no futebol profissional?
Com o David Simão, que agora foi para a Grécia [AEK], e joguei com os mais velhos como o Miguel Vítor e o Miguel Rosa. Eles eram mais velhos e às vezes eu ia à equipa A. Do meu tempo houve poucos que singraram como profissionais.

Se depender apenas da tua vontade preferes voltar a Portugal ou pensas terminar no Qatar?
Estou a pensar ficar por lá. Também já vou fazer 29 anos. Antes pensava em regressar, mas agora estou lá bem e a minha família também. Não vale a pena estar a mexer muito.

E antes, se pudesses escolher, em que liga gostarias de jogar?
Em Espanha ou em Inglaterra.

Nalguma equipa em específico?
Sempre gostei do Real Madrid e do Manchester United, mas a minha equipa mesmo é o Benfica. O Benfica é o Benfica!

Qual é a tua opinião sobre o trabalho do Sindicato no futebol português?
Agora não tenho acompanhado muito, mas quando jogava cá via que o Sindicato consegue ajudar bastante os jogadores e esse trabalho deve continuar para sempre e evoluir porque os jogadores vão precisar. Espero que consigam ajudar todos os jogadores e sei que o fazem.


Perfil
Nome: Pedro Miguel Carvalho Deus Correia
Data de nascimento: 6 de agosto de 1990
Posição: Defesa
Percurso como jogador: Mem Martins (formação), Benfica (formação), Estrela da Amadora (formação), Estoril (formação), Farense (formação), Farense, Aljustrelense, Al Ahli (Qatar) e Al-Sadd (Qatar).