“Este é o vazio que vamos sentir quando deixarmos de jogar futebol”
Aos 36 anos, com um filho recém-nascido, o médio tem aproveitado este período para estar com a família.
Aos 36 anos, com um filho recém-nascido em casa, Tarantini tem aproveitado este período para estar com a família e treinar, mas também já lançou um eBook e avançou com o doutoramento que tem em curso. E garante que, depois disto, nada será como dantes.
Vivemos uma fase única nas nossas vidas. Como é que tens passado os dias?
É uma fase diferente. Tinha uma rotina, não era acelerada como muitas pessoas têm, mas tinha alguns compromissos diários: de manhã treinava, à tarde estudava ou tinha palestras ou descansava, depois às 17h00 ia buscar a minha filha ao colégio, tratava dela e jantava.
Hoje, estando 24 horas em casa, e tendo sido novamente pai há três semanas, é tudo muito diferente. E claro que, estando a minha esposa a tomar conta do recém-nascido, estou mais tempo com a minha filha mais velha.
Que idade tem a tua filha mais velha?
Tem 20 meses, ainda não fez dois anos, também ainda não é muito independente. Agora percebo muito bem aqueles pais que estão em teletrabalho em casa e que têm filhos para ensinar. Deve ser uma situação brutal! É de louvar quem está em casa com os filhos e a trabalhar.
Ela pede-te para irem passear?
Ela ainda não compreende o facto de estarmos tanto tempo em casa, porque por vontade dela estava sempre na rua. Tento evitar ao máximo, mas vou dar as minhas voltinhas com ela. Felizmente moro numa zona que tem pouca gente e sempre dá para dar uma voltinha a pé com ela.
Tens treinado diariamente?
Esse é dos maiores desafios que tenho atualmente. Aproveito o tempo em que ela está a dormir para ir correr e fazer treinos de força com o próprio peso. Percebi logo inicialmente que isto não era algo que se iria resolver em pouco tempo, por vermos o caso de Itália, até já tinha publicado nas redes sociais que isto era algo mais sério do que aquilo que estávamos a pensar.
Comecei a preparar-me para minimizar os estragos sabendo que nunca seria suficiente para, se um dia isto recomeçar, voltar à forma em que estava. Isso é impensável. Acredito que, nesse aspeto, há muita gente a mentir, porque só uma percentagem muito pequena de jogadores conseguiria estar na mesma forma em que estava antes da paragem. O que tenho feito é correr, treinar a parte cardíaca, de resistência, de força com o próprio peso, mas isto é minimizar os estragos, como disse. Se recomeçássemos dentro de uma ou duas semanas íamos precisar de uma mini-pré-época, disso não há dúvidas.
Quando não estás a treinar, como é que ocupas o tempo?
Há dias lancei um eBook, uma coisa na qual vinha a trabalhar e agora consegui finalizar o processo. Lancei para a malta que queira estar mais por dentro daquilo que tenho feito nos últimos tempos, palestras mais direcionadas para o mundo empresarial. Também tenho dado um chuto valente no meu doutoramento, precisava de parar para trabalhar os artigos. Já estou na reta final. Tenho ocupado o tempo dentro destas coisas que dão para fazer em casa, até porque tenho agora o dia bem maior do que dantes. No início pensava que ia ocupar o tempo a ver algumas séries da Netflix, mas não tem dado para isso.
"HÁ DIAS LANCEI UM EBOOK[...]
TAMBÉM TENHO DADO UM CHUTO VALENTE NO MEU DOUTORAMENTO"
Como é que as coisas estão a ser vividas na tua área de residência? Houve alguma situação excecional?
Não. Vejo as pessoas nas suas casas e vejo algumas a passear a pé. Onde vejo que pode haver problemas, e isto não é só na minha área, é que há aqui duas construções ao lado de minha casa e não pararam. Vejo que os trabalhadores continuam a trabalhar da mesma forma, muito próximos dos outros, chegam em carros de nove lugares todos juntos….
Sei que sou um felizardo porque a nossa atividade está parada, mas há pessoas que têm de continuar a trabalhar, como os profissionais de saúde. Por isso sei que sou um felizardo porque se neste momento estivesse a trabalhar, sem condições de segurança, seria um grande problema para mim.
Estás em casa só com a tua mulher e os teus filhos?
Sim, e com a minha sogra, que tem sido um apoio muito importante para nós.
Falas diariamente com a tua família, nomeadamente com pais e avós?
Sim, falamos diariamente. A minha esposa também fala com o pai, que está com a avó dela em isolamento, com os sobrinhos…. Contactamos dessa forma, pelo telemóvel ou pelo Skype.
E com os teus colegas de equipa?
Sim, também mantemos o contacto. Temos vários grupos de WhatsApp e é dessa forma que nos vamos mantendo em contacto, com as nossas brincadeiras, como é óbvio. [risos]
O tempo está a passar e esta incerteza é sempre difícil de gerir. Já passaram três semanas e não se consegue prever quando é que isto poderá recomeçar, vai sempre depender das autoridades. Claro que agora o mais importante é a saúde das pessoas e não vale a pena estarmos a falar no regresso à competição. Nem vale a pena pensar nisso.
Sentes que, apesar da distância física de família e amigos, acabamos por estar mais próximos agora?
Admito que, de uma maneira geral, agora paramos todos um bocado e pensamos em coisas nas quais não pensávamos. Fomos privados da nossa liberdade e quando voltarmos à vida normal vamos dar valor a outras coisas. Por acaso não é muito o meu caso, mas claro que já pensei nisso. Custa-me imenso ter os meus pais a 100 kms, ainda por cima já estão num grupo de risco. Estou preocupado com eles, claro que isso mexe connosco.
Já sentiste alguma ansiedade ou tens lidado bem com o lado psicológico?
Não, estou tranquilo. Tenho lidado bem. A parte mental é o maior desafio que temos pela frente, sabermos lidar com aquilo que estamos a viver. Uma das coisas que iriam mudar era as pessoas estarem em casa e relacionarem-se durante mais tempo. Sabia que isso ia acontecer e é algo que não me preocupava muito porque, felizmente, tenho um relacionamento muito bom com a minha esposa e isso é muito importante nesta fase. Isto é algo que tenho transmitido aos meus colegas no projeto que iniciei em 2016, a necessidade de despertá-los para o final da carreira. Isto é o sentimento mais parecido quando deixamos de jogar futebol. O tal vazio de que se fala no final da carreira. Este é o vazio que vamos sentir quando deixarmos de jogar futebol.
És crente? A fé tem-te ajudado a superar este momento?
Não é por aí. Há dúvidas, mas não me tenho agarrado a isso. Iria mentir se dissesse que num período menos bom da minha vida não é algo em que não pense, mas, felizmente, até agora não foi preciso.
Temes que seja possível voltarmos a passar por uma situação parecida?
Acredito que esta foi a primeira, mas não vai ser a última. Depois de passarmos esta, que nunca vai ficar resolvida, vão ficar marcas para sempre, vamos ver de que forma é que cada um, e as organizações, vai lidar com esta questão. Quando começarmos a abrir as portas, a economia vai continuar, o vírus vai continuar, tudo vai continuar, e espero que não voltemos a parar como desta vez. Mas de certeza que este vírus vai desaparecer e outros virão.
Ouvimos repetidamente que, depois disto, temos de nos reinventar. Que oportunidades é que esta crise pode criar?
Todas as crises trazem essa oportunidade de nos reinventarmos e esta trouxe-nos um novo desafio: tudo aquilo que tínhamos dado por adquirido afinal não era. Pensávamos que estava tudo certo como tínhamos planeado, mas tudo ficou diferente. O que nos aconteceu veio pôr-nos à prova e dizer-nos que nada está garantido.
Descobriste alguma qualidade que não sabias que tinhas?
Não, por acaso não. Já cozinhava, já era bastante organizado com as coisas…. Não surgiram surpresas. [risos]
Decidiste mudar alguma coisa futuramente? Alguma resolução pós-isolamento?
Acho que temos de dar mais valor às pessoas que nos rodeiam, família e amigos. Haver uma maior aproximação, um abraço. Já o fazia, mas vou fazê-lo cada vez mais, que é dar valor às pessoas e não às coisas. Esse é um dos pontos fundamentais. O outro tem a ver com o planeamento de coisas que não consigo controlar. A partir de agora, provavelmente, vou deixar de o fazer. Ser mais brando com essas situações e relativizar os problemas que surgirem.