“Às vezes chamamos por Deus, para nos ajudar, mas eu só peço que Ele nos proteja de todo o mal”


Fernando Ferreira, médio do Académico de Viseu, tem estado em casa com a mulher e os dois filhos.

Fernando Ferreira, médio do Académico de Viseu, tem estado em casa com a mulher e os dois filhos, o mais novo nascido há menos de uma semana. Elogia a forma como os portugueses estão a lidar com a pandemia e acredita que vamos sair todos mais unidos depois do confinamento em casa.


Como é que tens passado os dias?
Tenho estado com a minha família, neste caso com os meus filhos e a minha mulher, depois faço aquelas coisas do dia-a-dia, tentar ter a casa minimamente arrumada e, como é óbvio, temos um plano de treinos que tentamos cumprir com o máximo de responsabilidade.
E tenho visto muitas notícias, tento saber tudo o que se passa, e também tenho aproveitado para pôr algumas séries e filmes em dia.

Tens treinado diariamente?
Sim. Como é lógico não é a mesma coisa e a motivação acaba por não ser a mesma, mas temos de cumprir com responsabilidade e fazer aquilo que nos pedem. O clube pôs um plano à nossa disposição para tentarmos cumprir ao máximo e é o que tenho feito dentro das limitações que temos. Não temos as condições que outros colegas têm, mas fazemos aquilo que podemos para nos mantermos minimamente em forma.

Como é que as coisas estão a ser vividas na tua área de residência? Houve alguma situação excecional?
Não tenho conhecimento de nada que tenha ocorrido aqui. Sei que há, mas não do meu conhecimento, não do meu círculo pessoal, digamos assim. Saí do hospital há pouco tempo, fui pai na semana passada, e sei que o hospital está preparado para aquilo que possa acontecer de pior, tem o seu plano de contingência. Agora é esperar que isto passe.
Não tem sido fácil para ninguém, mas o tempo vai curar tudo o que se tem passado agora. Pessoalmente, gosto de estar em casa, mas demasiado tempo também custa.

É o teu primeiro filho?
Não é o segundo. Já tinha uma menina com três anos. Agora foi um menino.

Ela pergunta por que é que passam tanto tempo em casa?
Sem dúvida! Quando saio para ir às compras ela pergunta-me logo: “pai, não posso ir, pois não?”. Digo-lhe que não e pergunto-lhe porquê. Como ela ainda não fala muito bem diz: “por causa do ‘conavírus’”. [risos] Não consegue dizer bem, mas é isso.

Como é que lhe explicaste o que se passa?
Não lhe expliquei ao pormenor, com três anos também é difícil, mas a minha mulher disse-lhe que era um bicho e ela assim percebeu. Acho que é uma lição para todos nós que passamos esta fase enquanto adultos, porque mais tarde se calhar vamos contar esta história a muita gente, mais nova, que não tem noção do que se está a passar.
Sem dúvida que o confinamento em casa gera-nos preocupação e muitas vezes quando saímos sentimos o distanciamento social e o olhar um bocado receoso das pessoas. Mas agora é normal, são as nossas defesas e é isto que temos de cumprir.

 

 

"SEM DÚVIDA QUE O CONFINAMENTO EM CASA GERA-NOS PREOCUPAÇÃO E MUITAS VEZES QUANDO SAÍMOS SENTIMOS O DISTANCIAMENTO SOCIAL E O OLHAR UM BOCADO RECEOSO DAS PESSOAS."

 


Só tens saído para ir às compras? Não treinas na rua?
Saio para correr na estrada, aqui à volta, depois tenho uma garagem onde dá para fazer alguns exercícios de velocidade, reações….

Estás em casa com a tua mulher e os teus dois filhos?
Sim.

Falas diariamente com a tua família?
Falo diariamente com os meus pais. A minha sogra foi o único familiar que esteve em contacto connosco porque esteve aqui em casa quando a minha mulher teve o bebé. De vez em quando, raramente, vou a casa dos meus pais para ver como estão e também para trazer algumas coisas, aqueles miminhos que as mães nos dão, que é sempre importante, mas de resto não vou a mais lado nenhum. Tento fazer aquilo que nos estão a pedir.

E falas regularmente com os teus colegas de equipa?
Sim, tento manter o contacto com eles, saber o que se está a passar, até para mantermos os laços bem firmes.

Sentes que, apesar da distância física de família e amigos, acabamos por estar mais próximos agora?
Sim. Muitas vezes não temos esse cuidado. Agora tenho mesmo o cuidado de ligar todos os dias aos meus pais, às minhas irmãs e a toda a gente que nos rodeia porque queremos saber se está tudo bem. As minhas irmãs estão em pontos separados do país, uma está no Porto e outra em Aveiro, então tentamos saber ao máximo tudo aquilo que se passa para saber se realmente está tudo bem.

Já sentiste alguma ansiedade ou tens lidado bem com o lado psicológico?
Sinceramente, tenho, mas também tenho sempre algum receio quando entro em casa. Não me preocupa muito a doença, preocupa-me é ser o veículo da doença. Isso é que me dá algum medo no meio disto tudo. O facto de entrar em casa, deixar os sapatos lá fora, tirar a roupa e desinfetar-me ao máximo é sempre uma preocupação.

És crente? A fé tem-te ajudado a superar este momento?
Sou crente de que se as pessoas cumprirem aquilo que lhes é pedido conseguimos atingir o objetivo o mais depressa possível. Não digo rapidamente, mas que passe. Agora se sou crente? Às vezes chamamos por Deus, para nos ajudar, mas eu só peço que Ele nos proteja de todo o mal. Mas não sou uma pessoa muito crente religiosamente.

Temes que seja possível voltarmos a passar por uma situação parecida?
Não temo. Sei que se calhar vamos passar, só espero é que estejamos melhor preparados. Como é normal, não estávamos, e enquanto país até respondemos de uma forma muito positiva, todos aqueles que nos governam, todos os que têm responsabilidades. Acho que demos uma resposta a toda a gente, a nós próprios, que enquanto povo somos capazes de coisas boas. Já mostrámos isso em várias áreas da sociedade, em todo o lado onde há um português, e agora, enquanto povo, unimo-nos e conseguimos fazer coisas boas para nós.

Ouvimos repetidamente que, depois disto, temos de nos reinventar. Que oportunidades é que esta crise provoca?
Isto é um mundo novo para todos nós. Não direi reinventar, mas readaptar a uma coisa com a qual não estávamos a contar. Se isto voltar a acontecer só espero que estejamos melhor preparados e não podemos desrespeitar aquilo que nos é pedido. Ninguém no mundo estava preparado para isto, muitos desvalorizaram e estão a sofrer com isso, mas espero que consigamos perceber que isto é uma realidade completamente diferente daquilo que se calhar vivemos nos últimos cem anos.

Descobriste alguma qualidade que não sabias que tinhas?
Só se foi a Bimby. Até estou a olhar para ela. [risos] Já cozinhava relativamente bem, mas agora tenho tentado olhar para a Bimby e ver o que posso fazer dela. Tem dado certo.

Os cozinhados têm sido aprovados?
Sem dúvida! Tudo aquilo que tenho feito, e atenção que não são só sopas, tenho caprichado e ela tem justificado bem o valor que demos por ela.

Decidiste mudar alguma coisa futuramente? Alguma resolução pós-isolamento?
Não. Se calhar sinto que devemos dar um bocadinho mais de valor à família e aos amigos. Muitas vezes ponho-me a pensar, a olhar mais para dentro e para aquilo que temos de bom do nosso lado, e não tanto em coisas que nos descontrolam e que nos fazem pensar coisas más.